"Não reparei no que é que embati na altura, sei que embati em algo, mas não sei no quê", afirmou o primeiro-sargento da Força Aérea Portuguesa (FAP) Filipe Alves ao juiz do Tribunal de Beja, onde hoje começou a ser julgado por um crime de homicídio por negligência grosseira, um de condução perigosa e um de omissão de auxílio.
Questionado pelo juiz sobre se queria dizer algo aos familiares da vítima presentes na sala de audiência para a primeira sessão do julgamento, o arguido referiu que pensou "muitas vezes em fazê-lo", mas nunca tinha encontrado "as palavras para dizer o que realmente sentia".
No entanto, hoje, o arguido, que na altura do acidente estava colocado na Base Aérea (BA) n.º 11, em Beja, acabou por dizer aos familiares da vítima que lamenta "imenso" o que aconteceu, frisando que não teve "qualquer intuito de o fazer" e reconheceu saber que "é muito difícil" perdoarem-no.
"Tirei a vida a uma pessoa, terei que viver com isso o resto da minha vida e sei que causei muito sofrimento", disse o arguido, que está em liberdade, sujeito à medida de coação de termo de identidade e residência, colocado na BA6, no Montijo, e a ter acompanhamento psiquiátrico.
Na primeira parte da sessão, na manhã de hoje, foi lida a acusação do Ministério Público e foram ouvidos o arguido e três testemunhas, sendo duas da acusação - o militar da GNR que fez a participação do acidente e um outro ciclista que seguia na estrada e se cruzou com o veículo do arguido após o embate e, mais à frente, encontrou destroços da viatura, a bicicleta e a vítima na valeta - e uma da defesa - a mulher do arguido.
O juiz leu a acusação do MP e abordou-a ponto por ponto com o arguido, que admitiu ter estado durante a tarde antes do acidente num bar da BA11 a beber cervejas e depois saiu da unidade militar em direção a casa na cidade de Beja.
Filipe Alves disse saber que embateu "em algo" na estrada militar que liga a BA11 ao Itinerário Principal 2, perto de Beja, e cerca de "200 ou 300 metros" depois de sair daquela unidade da FAP, mas que não se apercebeu "no quê".
O arguido afirmou que, após o embate, conduziu até ao final da estrada, onde tomou "consciência de que podia ter provocado algo".
"Foi quando o meu cérebro acordou e vi que devia voltar para trás e ver o que se tinha passado", disse, referindo que inverteu a marcha, mas acabou por ficar no local parado.
Do local telefonou ao padrasto e à mulher, que, no seu testemunho, disse ao tribunal que o marido estava "desesperado" e lhe "disse que tinha batido em qualquer coisa".
O arguido estava acusado pelo MP de um crime de homicídio por negligência, mas o juiz hoje alterou a qualificação do crime para homicídio por negligência grosseira.
A primeira sessão do julgamento prossegue durante a tarde de hoje para as alegações finais.
Segundo a acusação, o acidente ocorreu no dia 29 de junho de 2018, cerca das 18:45, quando Filipe Alves, atualmente com 36 anos, e a vítima, um homem, que tinha 52 anos, circulavam na estrada militar que liga a BA11 ao Itinerário Principal 2, perto de Beja, num veículo ligeiro e numa bicicleta, respetivamente.
Ambos circulavam no sentido BA11-Beja e o militar conduzia o veículo sob o efeito de uma taxa de "pelo menos" 1,7 gramas de álcool por litro de sangue e a vítima seguia numa bicicleta "imediatamente à frente da viatura".
"Por incúria, distração e atendendo à taxa de álcool no sangue que apresentava e o influenciava", o militar "não se apercebeu da presença" da bicicleta conduzida pela vítima, refere a acusação.
O militar "embateu violentamente" com a frente e a lateral direita da viatura na traseira do velocípede e no corpo da vítima, que, "por força do embate", foi projetada no solo, onde ficou imobilizada.
"Apercebendo-se" do embate, o militar "abandonou o local do acidente, em fuga, e sem prestar qualquer auxílio à vítima e acionar qualquer meio de socorro", refere a acusação.
Como consequência direta do embate, a vítima sofreu lesões graves, que lhe provocaram a morte no local do acidente.
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