Por outro lado, Reis Novais questionou “para que é que era necessário decretar o estado de emergência, para fazer o quê, se se faz o mesmo na situação de normalidade”, considerando que os motivos invocados pelo Presidente da República para decretar e pôr fim a este quadro legal “não foram nem são convincentes”.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa falava num painel de debate sobre “A defesa dos direitos e das liberdades em estado de emergência”, inserido num colóquio comemorativo do 45.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, organizado pelo Tribunal Constitucional.
Segundo Reis Novais, os três primeiros decretos de estado de emergência não permitiam impor o confinamento de pessoas não doentes, porque não suspenderam em concreto o exercício desta garantia constitucional segundo a qual “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade” a não ser em casos excecionais elencados neste mesmo artigo 27.º sobre “direito à liberdade e segurança”.
O constitucionalista criticou “este vazio inexplicável”, mas realçou que mais tarde o Presidente da República “corrigiu o pecado daqueles meses iniciais”, e elogiou Marcelo Rebelo de Sousa por essa decisão.
“Contra os juristas que diziam que estava tudo bem, o Presidente da República veio implicitamente a reconhecer a falha, e todos os decretos a partir de novembro passaram a ter a menção de que também o direito à liberdade dos números 2 e 3 do artigo 27.º e também o direito ao desenvolvimento da personalidade estavam suspensos”, congratulou-se.
Isso aconteceu “depois de vários acórdãos do Tribunal Constitucional” sobre imposições nos Açores em que se considerou estar em causa o artigo 27.º da Constituição “e à cautela o Presidente da República, e bem, alterou depois a sua primeira orientação”, referiu.
O estado de emergência vigorou no total durante 218 dias, primeiro entre março e maio do ano passado e, após uma interrupção de seis meses, de novembro até ao fim de abril deste ano.
Relativamente ao futuro, Reis Novais assinalou que o Presidente da República falou em “fazer uma lei e eventual intervenção constitucional” para adequar o quadro legal português a situações de pandemia.
“Não sei a que se referia, mas se for numa alteração aos artigos 2 e 3 do artigo 27.º seria uma intervenção de revisão constitucional positiva, seria de saudar”, observou.
Quanto à opção ou não pelo estado de emergência, o constitucionalista questionou “qual é a diferença, em termos práticos, do ponto de vista dos cidadãos”, alegando que “em termos da possibilidade de os poderes políticos restringirem os direitos fundamentais, à primeira vista, isso não é claro”.
“Havia alguns direitos que não podiam ser limitados em situação de normalidade? Aparentemente, do ponto de vista do Presidente da República e do ponto de vista do Governo, não havia”, acrescentou.
Reis Novais disse que “hoje o Governo também impõe restrições a direitos fundamentais, e mais, fá-lo sozinho, exclusivamente só o Governo”, através de “uma resolução do Conselho de Ministros que decreta a situação de calamidade, que não precisa de assinatura do Presidente da República, que não pode ir à Assembleia da República”, impondo medidas são “tão ou mais gravosas, algumas delas, como aquelas que foram executadas em estado de emergência”.
O constitucionalista sugeriu que o estado de emergência tem sido utilizado somente para “uma dramatização de caráter político para ter influência no comportamento dos cidadãos” e associado a “um maior conforto jurídico”.
“Razões deste tipo, razões políticas ou razões de maior conforto jurídico, não são suficientes para justificar decretar o estado de emergência, porque o estado de emergência só pode ser decretado numa lógica de proporcionalidade, como a Constituição exige, e sempre com o objetivo do pronto restabelecimento da normalidade constitucional”, argumentou.
De acordo com Reis Novais, impunha-se no atual contexto de pandemia o recurso ao estado de emergência para “decretar o confinamento de pessoas saudáveis, isto é, privar parcialmente de liberdade durante alguns períodos pessoas saudáveis”.
Contudo, no seu entender, o mesmo não se aplica ao “confinamento compulsivo de pessoas doentes, que podem propagar doença contagiosa”, que não só pode ser imposto sem estado de emergência como até constitui “uma obrigação” dos poderes públicos, para a “proteção constitucionalmente exigível ao direito à saúde”.
“Tratando-se de pessoas saudáveis, só numa situação de estado de emergência, enquanto não houver a tal revisão constitucional”, reforçou.
Reis Novais questionou ainda a imposição do “internamento compulsivo” de doentes com covid-19 sem estado de emergência, tendo em conta que a Constituição, no mesmo artigo 27.º, só prevê essa possibilidade para portadores de “anomalia psíquica”.
Comentários