Com tantas videocâmaras em Inglaterra, como se sucedem atentados em Manchester ou nas pontes de Londres? E em Portugal? A Amadora é a cidade com mais videocâmaras, uma delas tapada pelas folhas de árvore que não permitiu evitar o assassínio de um taxista em Maio passado. Como é possível?

Portugal tem mais de 80 mil sistemas de videovigilância legais a funcionar, com um incremento enorme de pedidos legais nos últimos anos. Muitos são renovações, especialmente efectuados após 2013, quando a legislação obrigou bancos, farmácias, discotecas, ourivesarias, centros comerciais ou postos de combustíveis a instalarem videocâmaras.

"Instalar um sistema com cinco ou seis câmaras custava há 10 anos cerca de 5.000 euros. 'Hoje um sistema desses pode custar mil euros'", contabilizava o dirigente da Associação Portuguesa de Segurança (Apsei), Carlos Dias, ao Público no ano passado.

A baixa de preços e a lei fez aumentar os pedidos, autorizações ou notificações à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (CNPD) que, coligindo várias fontes, foi a seguinte:

2000 - 67 processos de pedidos;

2002 e 2003 - cerca de 350 pedidos para cada um desses anos;

2004 - 655 pedidos para 630 autorizações;

2005 (Setembro) - 501 pedidos, no primeiro semestre;

2006 - 2.064 notificações;

2007 - desde 1994, existiam mais de 7.050 sistemas de videovigilância mas Ministério da Administração Interna (MAI) ou CNPD não sabiam quantos estavam a funcionar;

2009 - 6.524 pedidos de autorizações;

2011 - 9.019 autorizações para 10.789 pedidos, quando existiam mais de 23.500 sistemas de câmaras autorizados;

2012 - 6.355 autorizações para 7.310 pedidos;

2013 - 6.722 autorizações para 7.690 pedidos;

2014 - 10.501 autorizações para 11.431 pedidos;

2015 - 10.645 autorizações para 11.781 pedidos;

2016 (até Setembro) - 8.683 autorizações para 9.737 pedidos;

2016 (até Setembro) - desde 2011, mais de 53 mil sistemas autorizados;

2016 (Outubro) - média diária de 32 novos sistemas autorizados para um total de mais de 80 mil.

O número de autorizações não tenderá a diminuir. A lei da videovigilância vai ser alterada porque o Governo quer "ampliar o acesso das forças de segurança a estes meios de prevenção da criminalidade", garantiu a 16 de Maio a secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, na inauguração do sistema de 103 videocâmaras na Amadora, que orçou em mais de um milhão de euros.

Oneto vê-o como um instrumento de "investigação da criminalidade, advogando que o exemplo da Amadora 'possa ser estendido a outros pontos do país'". Mas, apenas quatro dias depois, percebeu-se que a videoprevenção podia ser dificultada pela natureza. Apesar da instalação numa praceta problemática de uma videocâmara, esta ficou tapada por folhas de árvores fronteiras que dificultaram uma boa visibilidade quando um taxista ali foi assassinado. Foram os residentes que chamaram as autoridades.

Antes, o comandante da divisão da PSP da Amadora, Luís Pebre, afirmava: "pretendemos cobrir os pontos mais importantes, como um mecanismo de prevenção, mas se ocorrer um crime, tal como acontece num estabelecimento, as imagens podem ajudar na investigação".

Luís Farinha, director nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), já tinha explicado que a "videoprotecção" é muito mais "um sistema de vídeo-análise posterior à ocorrência da criminalidade".

Amadora pouco profissional

A presidente desta câmara, Carla Tavares, acredita que a videovigilância "vai de alguma forma fortalecer e sedimentar na cidade e na população um sentimento de segurança", enquanto o vereador Francisco dos Santos aponta que estes sistemas podem "criar um sentimento de segurança nas populações, mas não vão impedir a prática de actos ilícitos".

Esta narrativa nem sempre triunfou. Em Agosto de 2010, quando da re-avaliação do projecto, o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, declarou que "a prova de que é necessário não é tendo em conta a diminuição dos crimes. É o aumento de segurança que podemos alcançar. Com as câmaras poderá diminuir ainda mais e os cidadãos da Amadora vão sentir-se mais seguros".

Isto apesar do comandante da PSP local, Manuel Pereira, admitir "uma redução de 10% de crimes registados no primeiro semestre deste ano, face a idêntico período do ano passado. A criminalidade violenta e grave terá mesmo descido em 25%", escrevia o Jornal de Notícias.

O crime baixava em percentagem, mas aumentava o interesse nas videocâmaras, com o Bloco de Esquerda (BE) a questionar a autarquia e a insinuar até um caso de potencial videovigilância política.

Em Fevereiro, Sandra Cunha, da Comissão Política do partido, revelou que "instado a revelar os dados e estatísticas oficiais que efetivamente comprovassem a tese repetidamente invocada sobre os elevados índices de criminalidade no município e, em especial, nas zonas onde foram instaladas as câmaras de vigilância, o executivo municipal não apresentou qualquer número concreto ou aproximado sobre os específicos índices de criminalidade na Amadora".

Em paralelo, questionou a instalação de uma câmara "junto da sede local do BE que, convém sublinhar, fica a cerca de 150 metros da esquadra da PSP, sendo, pois, difícil compreender e justificar também aqui a finalidade 'preventiva' alegada pelo executivo municipal".

Perplexidade concretizada no ano seguinte, quando a RTP instalou um circuito de videovigilância na redacção. O Sindicato dos Jornalistas chamou-lhe uma violação da "privacidade dos trabalhadores"

Segurança ou paranóia?

O uso enviesado da videovigilância não deriva de qualquer paranóia. Em 2003, a CNPD contrariou a proposta do Código do Trabalho por prever a videovigilância a trabalhadores. "Não podemos deixar de manifestar a nossa perplexidade pela forma genérica como se legitima a utilização de 'meios de vigilância electrónica', sem mínima ponderação dos interesses em presença: a segurança de pessoas e bens e a reserva de intimidade privada".

Perplexidade concretizada no ano seguinte, quando a RTP instalou um circuito de videovigilância na redacção. O Sindicato dos Jornalistas chamou-lhe uma violação da "privacidade dos trabalhadores" e "meio ilegítimo de vigilância da prestação de trabalho", além de poder "colocar em perigo o dever de sigilo profissional dos jornalistas, na medida em que nalguns casos é possível a captação de imagens do conteúdo de comunicação através de correio electrónico".

A videovigilância em estações de televisão nem sequer era nova. Em 1999, o director de informação e programas da SIC, Emídio Rangel, mandou retirar três câmaras colocadas pela direcção de recursos humanos na redacção para controlar furtos ocorridos naquele espaço. As câmaras foram removidas após três dias em funcionamento.

O alerta da CNPD para situações conflituais entre segurança e privacidade também não era novo.

Em 2000, surgiu a ideia de instalar câmaras dentro e fora das escolas consideradas de risco ou em zonas problemáticas. A proposta contrariava a tendência da insegurança: "em 1997 houve um total de 1.259 actos de pequena criminalidade nas escolas portuguesas, contra os 1012 verificados em 1998 e 687" no ano seguinte, noticiava o Expresso, numa tendência sustentada pelo programa de proximidade policial "Escola Segura".

O sistema acabou chumbado em 2004 pela CNPD, tendo como exemplo um infantário, onde "a captação de imagens por meios electrónicos" afectaria "ilegitimamente os direitos dos respectivos trabalhadores", porque "a utilização revelar-se-ia desproporcionada no que concerne ao controlo das crianças pelos pais" e "afectaria o direito à privacidade das crianças", escrevia o Diário de Notícias (DN).

A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, voltou ao tema em 2007, assegurando que a videovigilância escolar ia avançar. Um relatório da PSP relativo ao ano anterior considerava que "a criminalidade nas escolas portuguesas aumentou 15%", resultando em 46 detenções "principalmente por roubo, tráfico de droga, agressões e furtos".

Erros" e "falsos alarmes"

O sistema de 24 milhões de euros entrou em funcionamento em 2010. Cinco anos depois, as escolas foram avisadas pelo Ministério da Educação e Ciência para desligarem a videovigilância. "Estamos neste momento sem condições para continuar a prestar tais serviços", dizia um ofício, citado pelo Observador, que referia ainda o "aumento do número de erros" e "falsos alarmes".

Está por provar o impacto positivo da videovigilância na diminuição da criminalidade, principalmente porque se avançou sem estudos prévios. Em geral, ela é adoptada tendo por base a genérica "insegurança dos cidadãos".

No virar do século, Cascais queria videovigilância contra o crime e os graffitis urbanos, quando "os índices de criminalidade entre 1998/99 registaram apenas um aumento de 0,3% no concelho", segundo o DN, com "um aumento de detenções, de 181 indivíduos, resultante do vandalismo juvenil, o que, segundo fonte policial, mais contribuiu para o crescimento do 'sentimento de insegurança' entre a população".

Lisboa é outro exemplo deste estado de espírito. A PSP quis videoprotecção na baixa desde 2009 mas a CNPD chumbou, repetindo a decisão em 2011, porque os índices de criminalidade na zona não justificavam a violação da privacidade dos cidadãos.

O Público escrevia à época que, "segundo os números oficiais mais recentes, que abarcam um período de três anos, o crime 'estabilizou ou até diminuiu'", segundo a CNPD, que prosseguia: "independentemente da criminalidade, não se vislumbra que naquele espaço sejam expectáveis situações de insegurança das pessoas probabilisticamente superiores a outros locais".

António Rosado, presidente da Associação de Moradores da Baixa Pombalina, ia mais longe, declarando que "a sua instalação e operação são demasiado caras. Seria preferível o dinheiro ser transferido para o policiamento de proximidade".

O sistema de 27 câmaras no Bairro Alto entrou em funcionamento em Maio de 2014. Nessa altura, o representante da Associação de Moradores local, Luís Paisana, notou que "havia a perspectiva de que as pessoas ficariam muito mais descansadas com as câmaras, por serem dissuasoras", mas tal não aconteceu.

Dizia a agência Lusa em 2015: "os valores da criminalidade no Bairro Alto, em Lisboa, subiram no ano passado face a 2013, devido ao sistema de videovigilância ali instalado, que permitiu detetar mais crimes", segundo a PSP. "A criminalidade que registamos no dia-a-dia manteve-se, mas foram detetados mais crimes devido à ação das câmaras de videovigilância", dizia o subcomissário Hugo Abreu, do Comando Metropolitano de Lisboa da polícia.

O DN fez outro balanço em Fevereiro do ano passado. Assim, "entre Maio e Dezembro de 2013, registaram-se no Bairro Alto 425 crimes. No mesmo período em 2014, foram registados 531, mas em 2015 baixaram para 450". A polícia justificou esse aumento de "crimes entre 2013 e 2014 com o encerramento de uma esquadra na zona", em Maio desse 2014 - precisamente quando começou a videovigilância.

Para a presidente da freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, "o sentimento de segurança aumentou, não só nos moradores e nos comerciantes, mas também entre os visitantes do bairro". Por uma outra situação previsível: segundo "fonte policial", houve "uma deslocalização para as zonas sem vigilância, como Cais do Sodré e Alto de Santa Catarina, sobretudo ao fim de semana, da pequena criminalidade que existia no Bairro Alto".

Num inquérito da PremiValor no final de 2006 a 725 pessoas, 58% sentia-se "mais segura na presença de sistemas de videovigilância" e cerca de 80% não tinha receio de ser filmada em público

Polícia a vigiar a videovigiância?

De norte a sul do país, os apoiantes da videovigilância usam argumentos semelhantes, dando a sensação de segurança aos cidadãos. E estes gostam do que lhes é oferecido.

Num inquérito da PremiValor no final de 2006 a 725 pessoas, 58% sentia-se "mais segura na presença de sistemas de videovigilância" e cerca de 80% não tinha receio de ser filmada em público. Um trabalho posterior da Fire&Security a 800 pessoas em Faro, Lisboa, Porto e Viseu, no fim de 2009, mostrou a mesma aceitação, passando de 52,6% em 2008 para 64% em 2009.

Entretanto, já o caminho da videovigilância generalizada tinha feito o seu caminho. Em Maio de 2003, a PSP avançou com uma proposta de "vigilância electrónica" em todos os locais públicos. O director nacional, Mário Morgado, dizia ao Público "que este tipo de vigilância poderá simplificar o combate à criminalidade e redundar na diminuição do sentimento de insegurança". "É um método muito utilizado em diversos países e cujos resultados apontam para um claro aumento da eficácia policial", disse, sem apresentar dados.

Na baixa do Porto, num processo conturbado desde o interesse inicial em 2006 até ser activado oito anos depois (as câmaras apontavam para casas e existia a potencial intromissão na vida privada dos moradores), ocorreu algo ainda mais anedótico.

Enquanto a Associação de Bares da Zona Histórica do Porto falava do objectivo do sistema em "combater o sentimento de insegurança que existe em quem reside e em quem visita esta zona da cidade", as câmaras foram vandalizadas quando o sistema nem sequer estava a funcionar. O Jornal de Notícias escreveu então que "a acção de vandalismo poderá justificar o reforço do policiamento na zona".

Insegurança na musculação

Num parecer da CNPD sobre a vigilância no Porto, o vogal Eduardo Campos realçou que um sentimento de insegurança "não é o fundamento mais seguro para a introdução de uma medida de política pública de combate à criminalidade", existindo "factores ligados à subjectividade, à emoção, à grande receptividade e à absorção acrítica da informação".

Tratando-se do "primeiro processo que a CNPD conclui sobre este assunto" da videovigilância em espaços públicos, escreveu não existir "uma política pública planeada a prazo longo, previsível, duradoura e estável", pelo que "mais preocupante ainda" era que se uma autorização inicial "nos espaços públicos de fruição comum se [mantiver] ao fim de vários anos após a sua instalação, é de concluir que a utilização da videovigilância foi ineficaz face aos objectivos de prevenção e dissuasão que se propunha alcançar".

No mesmo sentido, Catarina Frois nota em "Vigilância e Poder" (2011) como "o 'medo do crime' ou o 'sentimento de insegurança' são, em simultâneo, produtos e produtores de políticas. Isto é, o discurso em torno do 'medo' sentido pelas populações ou do combate ao 'sentimento de insegurança' está na base dos principais argumentos das propostas de videovigilância na via pública numa determinada localidade. Contudo, quando analisamos este fenómeno pormenorizadamente, vemos que estas iniciativas políticas são influenciadas também, e em grande medida, por factores económicos e, mais ainda, vemos que o sentimento de 'insegurança', ou de falta de segurança, assume variantes que obedecem mais a uma dinâmica mediática de contágio, do que a uma realidade objectiva".

Também nesse ano, na tese "Videovigilância da Prevenção à Repressão", Cândida Pereira Nunes exemplifica a questão de instalar câmaras num jardim público, que "só devem ser usadas quando naquele local estejam verdadeiramente comprometidas a ordem e segurança públicas, ou seja, deve tratar-se de um local onde por hábito sejam praticados ilícitos criminais".

Eram pressupostos que nem a própria PSP tinha em consideração, quando quis instalar 77 videocâmaras na esquadra de Moscavide (Loures), incluindo nos balneários, sala de musculação e refeitório. A pretensão do MAI foi recusada pela CNPD em 2015.

Um pouco de história

O primeiro passo para a videovigilância em Portugal ocorreu em 1989, quando as concessionárias de casinos e salas de jogos puderam instalar equipamentos de fiscalização, sendo "obrigatória a destruição [das imagens ou sons] logo que desnecessárias".

Em paralelo, o uso público de câmaras estava a evoluir para fins privados, como dizia ao DN o responsável pelo Centro de Gestão de Tráfego da Câmara de Lisboa, Celestino Jesus. Oito videocâmaras instaladas em 1998 serviam então para satisfazer "diariamente cinco a seis pedidos de seguradoras".

A mistura entre público e privado ressurge em Março de 2004. O Conselho de Ministros estabeleceu que a utilização da videovigilância nos casinos "justifica que os custos decorrentes da sua instalação (...) sejam integralmente suportados por dinheiros públicos", por ser "um sistema privilegiado de controlo e de prova de eventuais irregularidades".

Uma lei de 2005 define a videovigilância pública pelas forças de segurança, visando a "prevenção da prática de crimes em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência". A instalação de câmaras era autorizada pelo Governo, precedida de um parecer da CNPD. "No caso de parecer negativo da CNPD, a autorização não pode ser concedida", dizia a lei, sendo ainda "vedada a utilização de câmaras de vídeo quando a captação de imagens e de sons abranja interior de casa ou edifício habitado", excepto com o "acordo dos proprietários, arrendatários ou por autorização judicial".

Em 2012, a lei muda e a instalação das câmaras em local público manteve-se dependente "do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente", mas a CNPD passou apenas a "formular recomendações".

No âmbito da política criminal para 2015-17, inscreveu-se um Plano Nacional de Videovigilância para as forças de segurança e as autarquias  o desenvolverem "em espaços públicos de utilização comum, que, de acordo com as suas características, reclamem a instalação de sistemas de videovigilância".

Esta só estava autorizada em Lisboa (Bairro Alto) mas com interessados na Amadora, Cascais, Coimbra, Estremoz, Fátima, Guarda, Guimarães, Leiria, Óbidos, Portimão, Ponte de Lima, Porto, Setúbal, Tomar ou Viana do Castelo.

Agora, o número de autorizações poderá aumentar. A nova lei da videovigilância deverá prosseguir os intentos do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) que, para 2015, apontava a videogilância como "sistema auxiliar de missões policiais nomeadamente no que toca à prevenção criminal e ao auxílio em sede de investigação criminal", nomeadamente em "zonas de risco". O RASI divulgado em Março passado fala de forma genérica para se "dinamizar a instalação de sistemas de videovigilância".

O alegado sucesso das videocâmaras era tão elevado nesse ano que os habitantes da cidade de Shoreditch olhavam mais para o sistema de videovigilância local disponível no seu televisor do que para o programa televisivo "Big Brother".

Estudos internacionais enviesados

Perante este panorama, parece que Portugal seguiu uma tendência internacional em que a videovigilância pareceu funcionar, com base em estudos aprofundados, mas é uma falácia.

Em Inglaterra, país tido como dos mais videovigiados, a aprovação de investimento público em 1994 pelo primeiro-ministro John Major dinamizou a videovigilância, atingindo 167 autoridades locais em 1996. Entre esse ano e 1998, "três quartos do orçamento para a prevenção do crime pelo Home Office [administração interna] foi gasto em videocâmaras", segundo o jornal Guardian.

O responsável ministerial da justiça criminal, Lorde Falconer, dizia sobre Manchester, em 2002: "com base nas câmaras existentes no centro da cidade, o centro de controlo será uma ferramenta eficaz para enfrentar actividades criminosas e comportamentos anti-sociais, permitindo que mais e mais pessoas aproveitem as atracções do centro da cidade sabendo que estão num ambiente seguro".

Inglaterra e o País de Gales passaram da centena de câmaras instaladas em 1990 para 40 mil em 2002. Cinco anos depois, a Royal Academy of Engineering afirmava que o Reino Unido tinha "1% da população mundial mas 20% de câmaras" de vigilância. Um dos responsáveis do estudo, Nigel Gilbert, notava como o número era tão elevado que a posterior instalação só devia ser autorizada quando a sua necessidade estivesse provada.

Mas então já se apontava como as câmaras eram inefectivas. A organização não-governamental Nacro declarava que elas diminuírem o crime era "exagerado", contrapondo medidas mais simples como investir na iluminação pública. A comparação era que as câmaras apenas diminuíam a criminalidade em 5%, enquanto uma melhor iluminação pública atingia os 20%.

Em 2007, uma análise a vários estudos mostrou que as câmaras apenas baixaram o nível de crime em 4%, principalmente em parques de estacionamento. O efeito era mínimo ou inexistente: "de facto, cinco dos 22 estudos analisados pelo Home Office mostraram que as instalações de câmaras estão relacionadas com aumento do crime".

O alegado sucesso das videocâmaras era tão elevado nesse ano que os habitantes da cidade de Shoreditch olhavam mais para o sistema de videovigilância local disponível no seu televisor do que para o programa televisivo "Big Brother". O "prime time" das câmaras atingia os 27%, enquanto o "reality show" ficava nos 24%.

Em 2008, era a New Scotland Yard a dizer que as imagens das câmaras apenas ajudavam a resolver 3% dos crimes. Para o inspector Mick Neville, não existia "medo das câmaras" porque as pessoas pensavam que "elas não estão a funcionar". A falha na dissuasão era acompanhada por outros problemas, como as autoridades estarem inundadas pela quantidade de vídeos e que "apenas um crime foi resolvido por cada mil videocâmaras em Londres", segundo um relatório da polícia de 2009.

Nesse ano, a consultora IMS Research estimou existirem 3,2 milhões no Reino Unido, sendo que um milhão estava em Londres. Perante as críticas da enorme instrusão à privacidade, uma porta-voz do Home Office respondeu que "ajudavam as comunidades a sentirem-se seguras".

Em 2010, a Wired UK demonstrou outras falhas no sistema de videovigilância. Tendo o Reino Unido mais câmaras "per capita" do que qualquer outro país europeu, dados recentes da Comissão Europeia e das Nações Unidas mostraram que tinha o maior volume de crimes violentos.

Em França, a situação não era melhor. Para justificar um investimento estatal de 23 milhões de euros na videovigilância em 2009 e o despedimento de 12 mil polícias até 2012, o ministério do Interior entregou dados de um relatório a um jornalista do Le Figaro, onde elogiou os "milagres da videovigilância" na segurança urbana. Obrigado a divulgar o relatório, constatou-se que o documento dizia precisamente o contrário e visava "disponibilizar às colectividades locais argumentos convenientes a suportar a sua adesão".

Um dos dados, por exemplo, notava que "as agressões contra pessoas aumentam mais depressa (+44,8%) que nas cidades sem qualquer equipamento (+40,5%)". Em resumo, cresciam em ambos os casos.

Analisando apenas a cidade de Lyon, o Le Monde dizia em Julho de 2010 que as câmaras permitiam uma prisão anual por câmara. As "200 prisões, para 219 câmaras, comparadas aos 20.604 actos de delinquência dita de via pública" eram, para o sociólogo Laurent Mucchielli, do CNRS, uma constatação de que "a videovigilância é muito cara e não serve para grande coisa".

Berlim foi também um caso exemplar, ao analisar-se um projecto-piloto lançado em 2006 em três linhas do metropolitano e que a entidade dos transportes considerou que diminuía assaltos e danos. Queria alargá-lo a toda a rede mas o grupo de direitos civis Humanist Union acedeu ao relatório e revelou que não só a criminalidade não tinha decrescido como aumentado de forma reduzida. Uma das notas era que os criminosos tinham em atenção as câmaras ao planear os crimes.