“A reação foi evolutiva, mas muito ambivalente e, a partir de determinada altura, eu acho que beneficiou do efeito do próprio grupo em geral, porque eu também acho que depois houve senhores bispos que perceberam que se não participassem, como outros estavam a participar, seria difícil para eles próprios assumir isso perante o público em geral”, declarou Pedro Strecht.
Pedro Strecht falava numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a requerimentos do Chega, PS e PSD, sobre o relatório final da comissão, intitulado “Dar voz ao silêncio”.
O coordenador salientou que, “de facto, a postura foi muitas vezes evolutiva e ambivalente, como se o próprio estudo não tivesse, para alguns, resultado de um pedido da própria CEP [Conferência Episcopal Portuguesa]”.
Questionado se a Igreja se colocou ou não ao lado das vítimas, o pedopsiquiatra, que esteve acompanhado pelos outros membros da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa disse também ter “as maiores dúvidas sobre isso”.
“Este estudo pode ser, de facto, o princípio de um virar de página em que, apesar de imensas resistências dentro da Igreja, nada será como dantes (…) e, do ponto de vista social, temos também instrumentos para olhar de uma forma diferente a infância em geral e o problema dos abusos sexuais em particular”, adiantou.
Pedro Strecht realçou, por outro lado, a importância da revisão do segredo da confissão, notando que “está prevista, também, noutras estruturas profissionais, incluindo a dos próprios médicos, quando há questões que se sobrepõem”.
Sobre o levantamento do segredo da confissão, o juiz conselheiro jubilado Laborinho Lúcio, antigo ministro da Justiça, reconheceu a existência de “obstáculos enormes do ponto de vista do Direito Canónico e, desde logo para já, neste momento, através da própria Concordata”.
“Nós entendemos que sim neste aspeto [dos abusos sexuais], mas a questão aqui é uma questão de decisão absolutamente interna da Igreja e da questão que tem a ver com o dogma ou não”, referiu Laborinho Lúcio.
O antigo governante disse ser “estranho, todavia, que a razão que impõe o segredo nos termos absolutos em que ele é imposto na confissão não seja depois posto em confronto com o facto de a confissão servir também, em muitos casos, para a prática dos abusos sexuais no próprio ato da confissão”.
“Mas essa é uma questão que nós temos de trabalhar numa perspetiva mais global, envolvendo a própria Igreja neste tipo de solução”, defendeu.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
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