Estas caixas negras, ou aparelhos de registo de eventos (EDR, em inglês) passam agora a ser obrigatórias para todos os veículos homologados em território comunitário, numa tentativa da Comissão Europeia em baixar a sinistralidade automóvel.
Este dispositivo “faz o registo dos instantes imediatamente antes de haver um acidente e naqueles instantes logo após acidente”, explicou à Lusa o secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA), Roberto Gaspar.
A duração dos registos que antecedem e que sucedem aos acidentes varia conforme os elementos de dados, podendo ser entre cinco segundos antes e cinco segundos depois de um acidente.
Entre os dados recolhidos estão a velocidade do veículo, a posição e a inclinação do automóvel na estrada ou o estado e a taxa de ativação dos sistemas de segurança – incluindo o sistema ‘ecall’ para o número de emergência.
Também a ativação dos travões ou dos pré-tensores dos cintos de segurança, bem como de outros sistemas de segurança ativa e de prevenção de acidentes serão registados por estes dispositivos.
“Tais dados devem ter um alto nível de exatidão e deve estar assegurada a sua preservação”, refere a Comissão Europeia num texto comunitário, acrescentando que estes EDR não devem poder ser desativados e devem funcionar em circuito fechado.
A diretora do ACP Autos, Elsa Serra, registou que apesar das semelhanças com a caixa negra dos aviões, a função do EDR é “um bocadinho distinta, porque não grava nada do que está dentro” do habitáculo.
“É um dispositivo que está instalado na viatura e que tem este objetivo que a União Europeia tem vindo a estabelecer há muito, que é diminuir a sinistralidade automóvel”, acrescentou a responsável desta divisão do Automóvel Club de Portugal (ACP).
Quanto ao efeito dissuasor de acidentes, tanto Elsa Serra como Roberto Gaspar admitiram que pode não ser o mecanismo mais eficaz, até porque, como sublinhou a primeira, estes dispositivos apenas são ativados em caso de acidente e “ninguém pretende ter um acidente, seja mais ou menos displicente”.
“Eu não sei se isto terá algum efeito do ponto de vista dissuasor, de alguém saber que o carro tem uma caixa negra e, em função disso, conduzir de uma forma distinta daquilo que conduz”, defendeu o secretário-geral da ANECRA.
Ainda assim, concordam que pode ser uma mais-valia para que as fabricantes possam analisar e desenvolver melhores sistemas de segurança.
“O objetivo deste dispositivo não é controlar a velocidade a que o condutor vai, não é aqui um imitador, mas sim um auxiliar ao apuramento de responsabilidades, até no caso do acidente, mas que haja, acima de tudo, um maior conhecimento dos dados que levem ao acontecimento do acidente, ou os dados que antecedem ao acidente, para que as marcas possam também conhecer e desenvolver sistemas de segurança ativos e passivos que vão diminuindo o erro humano”, sublinhou Elsa Serra.
Luís Cruz é responsável técnico da Critical Techworks, uma ‘joint-venture’ integrada na esfera do Grupo BMW, e considerou que esta introdução é “mais uma evolução”.
“As viaturas já tinham alguma espécie de caixa negra. Não por regulação, mas porque essa deteção, mais que não seja, para os fabricantes perceberem se têm algum problema sistémico nos carros”, apontou, à Lusa.
“Acho que os fabricantes veem isto com bons olhos, principalmente quando o enquadramento legal ainda não é abusivo. Acho que o que mais preocupa toda a gente, seja fabricante, seja quem for, é o enquadramento destes dados para efeitos de seguros e outras coisas que já começam a ser mais discutíveis, mas que neste momento não estão em cima da mesa”
Dentro do Grupo BMW, que abrange ainda as marcas Mini e Rolls-Royce, o dispositivo vai registar eventos que configurem uma colisão, “seja um toque num passeio, seja uma travagem anómala, um desvio demasiado rápido do volante” e depois fará uma gravação dos 25 segundos anteriores e os cinco segundos posteriores.
O dispositivo guardará três eventos em simultâneo, reescrevendo sobre os mais antigos, sendo que “os únicos que não podem ser apagados de todo são os que são considerados graves”, que ocorrem quando se dá um disparo das proteções ativas, como os ‘airbags’ ou os pré-tensores dos cintos de segurança, explicou.
Luís Cruz acrescentou que o acesso aos dados tem de ser feito com recurso a equipamento próprio e que não permite o acesso remoto.
O acesso aos dados tem sido uma das principais preocupações levantada junto desta nova norma, mas o responsável tecnológico da Critical Techworks apontou que esses dados podem ser requisitados pelas entidades de cada pais ou da zona euro “para efeitos de estudo de padrões de comportamento”, de forma a criar “melhores legislações ou mesmo perceber” se o desenho das vias é o mais eficiente.
As diretivas europeias definem que os dados devem ser anonimizados e protegidos contra a sua manipulação e utilização indevida, sendo possível identificar o tipo, a variante e a versão do veículo, mas não, por exemplo, o número de identificação de veículo (VIN) ou qualquer outra informação que possa identificar o proprietário ou detentor.
“Só em caso de acidente é que as autoridades terão acesso à caixa e poderão aceder à caixa para essa informação”, explicou Roberto Gaspar.
De acordo com Luís Cruz, os dados também poderão ser solicitados por via judicial em caso de litígio ou de forma voluntária por parte do condutor através de autorização expressa.
“A legislação, neste momento, ainda só refere o aspeto jurídico, portanto não está previsto um acesso quase livre das seguradoras para isso”, sublinhou o responsável tecnológico.
Quanto a manutenção e certificação a legislação não estabelece ainda qualquer diretiva quanto às inspeções.
“O que é verificado nas inspeções automóveis está definido por portaria e enquanto não houver qualquer alteração, isso não será estabelecido”, referiu Elsa Serra.
Em 2023 foram matriculados, na União Europeia, 10,5 milhões de automóveis, um aumento de 13,9% em relação a 2022. Já este ano, no acumulado entre janeiro e maio, foram matriculadas 4,6 milhões de viaturas, mais 4,6% em termos homólogos.
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