Tiago Barbosa Ribeiro não foi a primeira escolha do Partido Socialista para a corrida à câmara do Porto. O líder da concelhia foi anunciado como candidato depois do convite ao secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, ter sido declinado, e de o secretário-geral adjunto do PS se ter posto fora do elenco.
Agora, o deputado de 37 anos, que chegou a depor no caso de Tancos por causa de SMS trocados com Azeredo Lopes, elege a habitação como a primeira, segunda e terceira prioridades do PS na cidade — habitação que foi um dos pelouros que, no primeiro mandato de Rui Moreira, coube ao vereador socialista Manuel Pizarro, tal como o Urbanismo ficou com o também socialista Manuel Correia Fernandes.
Quem viesse depois dos mandatos de Rui Rio na câmara do Porto ia sempre sair bem na fotografia. Afinal, “era difícil fazer pior” que o atual líder do PSD, acusa o candidato socialista à câmara do Porto.
Não tendo Rui Moreira feito pior que o antecessor, Barbosa Ribeiro diz também que, oito anos depois, pouco há para ver da obra de Rui Moreira. O socialista acena com as obras que Fernando Gomes e Nuno Cardoso fizeram quando estiveram na autarquia, no final do século passado, mas também assume que “cada tempo é um tempo” e centra agora os objetivos na descarbonização da cidade.
As sondagens não estão favoráveis nem ao PS, nem ao PSD, dando uma vantagem folgada a Rui Moreira. Mas, sobre isso, o candidato socialista pede uma dose de ceticismo à moda do Porto: “não me lembro de nenhuma sondagem que tenha errado a nível nacional, e lembro-me de várias que erraram no Porto várias vezes."
O SAPO24 conversou com Tiago Barbosa Ribeiro sobre o projeto para Porto.
Em 2013, o PS e o movimento de Rui Moreira encontraram um entendimento e, nestas eleições, Rui Moreira não vai contestar a candidatura de Ernesto Santos (PS) em Campanhã. Que diferenças, afinal, existem entre a proposta do PS para a cidade do Porto e a proposta de Moreira?
Para responder a isso ocupávamos a entrevista toda. Rui Moreira desistiu do seu projeto político em Campanhã. Decidiu, legitimamente, não apresentar nenhum candidato — porque sabia que ia perder e sabia a força que o PS tem em Campanhã. O projeto do Partido Socialista em Campanhã está alinhado com aquele que temos para a cidade: e se Rui Moreira desistiu de Campanhã, devia fazer o mesmo nas restantes freguesias, porque o projeto do PS é apenas um.
As diferenças [entre o PS e Rui Moreira], começam pelo diagnóstico da cidade: o Porto ao longo dos últimos anos tem vindo a perder habitantes, a envelhecer, a perder poder de compra, a ter múltiplos estrangulamentos na mobilidade, uma cidade que não tem programas de creches para os filhos dos jovens casais, entre muitas outras dimensões.
Aquilo que existe é uma falha no diagnóstico do que está a acontecer — há uma grande diferença entre a imagem projetada, de auto-glorificação, de auto-projeção, de Rui Moreira na cidade e aquilo que é efetivamente a vida vivida dos portuenses. Rui Moreira entende que a cidade está bem — não é a nossa visão e temos propostas alternativas.
Se Rui Moreira desistiu de Campanhã [a favor do PS], devia fazer o mesmo nas restantes freguesias, porque o projeto do PS é apenas um.
Que propostas? O PS tem a câmara de Lisboa há mais anos que aqueles que Rui Moreira tem de executivo e, mesmo assim, muitos dos problemas são iguais aos do Porto. Que soluções é que o PS não conseguiu implementar em Lisboa e vai conseguir no Porto?
Sobre Lisboa não falo: eu candidato-me ao Porto. O que vemos aqui é uma total incapacidade de este executivo concretizar políticas de habitação para que as classes médias possam viver no Porto. As pessoas não têm rendimentos para viver nesta cidade.
É absolutamente decisivo que a câmara municipal do Porto lance um programa de arrendamento acessível, mobilizando desde logo um banco municipal quer de terrenos, quer de imóveis que já existem no município. Esse programa tem de ter valores adequados à realidade dos salários dos portuenses — e não adequados à realidade da bolha de privilégio de algumas pessoas que julgam falar para os portuenses.
Pode dar um exemplo?
Um T1 não pode custar mais de 250 euros num programa de arrendamento acessível na cidade do Porto. É uma tabela que estabilizamos nas diferentes tipologias de imóveis e que queremos que tenha valores acomodáveis a essa realidade.
Depois, temos a ideia de mobilizar o PRR, o Plano de Recuperação e Resiliência, nos instrumentos que tem para política de habitação e construção de nova habitação. A câmara municipal do Porto tem sido muito inoperante a este nível e não há nenhum motivo para não recorrer aos mecanismos do PRR, e também do 2030, para programas de habitação na cidade.
Em terceiro lugar, puxar pelos imóveis do Estado Central que já existem na cidade. Dou dois exemplos: Segurança Social e Defesa, e integrá-los no programa de arrendamento acessível. Já bastante tem sido feito pelo governo: em janeiro de 2019, foi entregue à câmara do Porto o quartel do Monte Pedral, na Constituição, com cerca 25 mil metros quadrados, livre de custos, precisamente para fazer política de habitação. Passaram mais de dois anos e meio e não foi lá colocado um prego. A inoperância é inaceitável.
Uma outra linha de força passa por recuperar para o arrendamento residencial de longa duração imóveis que neste momento estão alocados ao Alojamento Local. Sabemos que um dos fatores de sobreaquecimento dos preços na cidade, em especial na união de freguesias do Centro Histórico, que tem um aumento de preços acima da média da cidade e é aquela onde temos um maior número de registos de Alojamento Local, acima de 70% do total da cidade.
Um T1 não pode custar mais de 250 euros num programa de arrendamento acessível na cidade do Porto
E como se convence esses proprietários a colocar as casas no mercado de longa duração? O que vimos com o programa "Porto com Sentido” foi uma fraca adesão, mesmo sem haver turistas por causa da pandemia.
Esse é um bom exemplo, para que alertámos na altura: o "Porto com Sentido" mais vale chamar-se "Porto sem Sentido", porque, na prática, não conseguiu concretizar nada daquilo a que se propunha — e isso teve a ver com os valores de referência para arrendamento que eram cobertos pela câmara municipal do Porto a esses proprietários. Como é que se resolve? Com a utilização de recursos a sério para este tipo de programas e não com uns paliativos.
Pagando mais aos proprietários?
Fazendo uma cobertura superior desses valores, sim — o que, mesmo assim, corresponderá a um esforço orçamental menor que mobilizar património novo para o programa de arrendamento acessível. Estamos a falar sempre de períodos transitórios, de um conjunto de anos, consoante os valores e a realidade do programa.
A questão legislativa também interfere muito no mercado da habitação. Como se garante ao proprietário que as regras com que entrega a casa à câmara não vão mudar?
Diria que cinco anos é um período razoável para a permanência desses imóveis que são desviados do Alojamento Local para serem introduzidos no arrendamento residencial.
Há um excesso de reorientação do alojamento outrora residencial para o Alojamento Local e isso tem provocado um sobreaquecimento dos preços e uma perda de habitantes, colocando problemas na própria qualificação e na qualidade do turismo.
Uma das coisas que também vamos fazer é estabelecer como zona de contenção a novos licenciamentos de Alojamento Local toda a união de freguesias do Centro Histórico e Cedofeita e vamos também mobilizar um programa para redinamizar o cooperativismo na cidade do Porto: o Porto tem larga tradição, sobretudo após o 25 de Abril, com as cooperativas de habitação e não há nenhum motivo para que a câmara não atue como agente de garantia dessas cooperativas para depois a pessoas viverem com os preços devidamente ajustados a essa realidade. E queremos também intervir nas ilhas: nas ilhas do Porto ainda vivem cerca de 10 mil pessoas, é muito importante que exista um programa de conversão em habitação com condições de decência e permitir que as pessoas possam continuar a viver nas ilhas, ou que quem saiu possa voltar.
O último eixo, entre vários, passa por mobilizar parceiros, e dou um exemplo concreto: a Santa Casa da Misericórdia do Porto é a maior proprietária e a maior senhoria não-pública da cidade; já tive uma reunião com o provedor António Tavares e estão muito disponíveis para entrar num programa de arrendamento acessível da câmara municipal.
Quando falamos de políticas de habitação, temos de perceber que há quadrantes políticos para quem a habitação, as políticas de habitação devem ser exclusivamente deixadas ao mercado: não deve haver política pública, que é o que tem acontecido na cidade do Porto, de uma forma muito clara. No Partido Socialista, entendemos que a habitação é, não só um direito constitucional, um direito fundamental e é um direito que tem de compatibilizar políticas públicas com o papel próprio do mercado. Consideramos que vamos conseguir apresentar um número muito significativo de fogos para arrendamento acessível.
E sabe-se quais são as carências, o número de casas necessárias?
Não há um levantamento das necessidades. Há muitas dimensões: temos três mil pessoas ainda à espera de habitação social — essa é uma das dimensões e sabemos objetivamente esses números. Não sei os números, nem ninguém sabe, da classe média que quer viver e não pode porque os preços da habitação são proibitivos. Ninguém consegue ter um salário de 600, 700, 800 euros e arrendar uma casa precisamente por esse montante, a não ser que não faça mais nada o resto do mês. Nós precisamos de abrir a cidade do Porto a quem tenha rendimentos adequados àquilo que é a média da cidade e do país — e isso não tem acontecido. Não tenho qualquer dúvida de que quantos mais fogos de arrendamento acessível colocarmos no mercado, mais habitantes teremos na cidade do Porto e teremos sempre mais procura do que oferta, independentemente dos números que metemos no mercado. O que temos de ter são números realistas, porque isto não se faz de um dia para o outro e não se constrói de um dia para o outro. Admito como realista colocar no mercado cerca de três mil fogos de arrendamento acessível durante os próximos seis anos, num trabalho de curto-médio prazo, para além de um mandato. Isto permitirá recuperar cerca de metade da população que se perdeu na cidade do Porto, segundo os Censos, ao longo da última década.
Admito como realista colocar no mercado cerca de três mil fogos de arrendamento acessível durante os próximos seis anos.
O Tiago elege a habitação como primeira, segunda e terceira prioridade desta proposta para o Porto. Mas entre 2013 e 2017, era precisamente o PS, com Manuel Pizarro, que tinha o pelouro da Habitação e Ação Social. O que é que não fizeram então que agora vão conseguir? As coisas só correram mal depois de saírem?
Foram várias coisas. As políticas de habitação durante esse período [primeiro mandato de Rui Moreira na câmara] estavam mais orientadas para a dimensão da habitação social. Nesses quatro anos, tivemos o bairro Rainha Dona Leonor, que deixámos pronto, numa parceria com privados; deixámos preparada a intervenção no bairro do Leal, onde, desde que saímos, não foi colocada nem uma janela ou um prego; tivemos o programa de intervenção nas ilhas que ficou parado; tivemos uma dinamização enorme do deferimento de pedidos de habitação social — até à saída do Partido Socialista do pelouro, tivemos cerca de 47% de deferimento [aprovação] de pedidos, valor que caiu para os 26% nos três anos seguintes, sensivelmente para metade; entre outras medidas, no caso dos bairros sociais, que permitiram, por exemplo, a reinscrição dos filhos e netos que estavam reagrupados com questões de saúde.
Várias medidas foram concretizadas nesse período e acho mesmo que se sente a diferença e se sente a diferença da existência de um socialista à frente de um pelouro como a habitação e ação social, como tivemos nesse período — e também na área do urbanismo [Manuel Correia Fernandes].
O Porto tem uma média de desemprego bastante acima da média nacional, como pretende resolver este problema?
Temos, antes de mais, de identificar um problema que tem vindo a ser muito evidente — e que ficou especialmente evidente durante a pandemia: uma hiper-especialização da economia da cidade no turismo e ao turismo mais massificado, tendencialmente com contratos mais precários e mais mal pagos.
Nada disso era historicamente a economia da cidade do Porto: que sempre esteve orientada para a Academia, para a universidade e para o politécnico; para polos de inovação tecnológica; para a reconversão das indústrias à volta da cidade e na região, como o setor do calçado ou o setor têxtil. Dou um exemplo muito concreto: estive na semana passada no i3S, aqui no centro de inovação de tecnologias da saúde, e uma das grandes necessidades identificadas é precisamente a concretização de um campus para start-ups nas áreas bio e nas áreas médicas que são ali desenvolvidas. Isso não existe na cidade e têm de ir para fora para desenvolver esse negócio.
O que nós temos de perceber é que a câmara municipal do Porto, enquanto agente institucional, tem de liderar uma agenda também para a promoção de emprego, de trabalho digno e de uma economia que se diversifique e que não fique inteiramente dependente do turismo — que tem um papel importante na cidade e no país, mas que não pode ser o alfa e o ómega do Porto: nunca foi e dificilmente será algo sustentável.
Não deixa de ser curioso que, sendo essa a realidade atual da cidade, também é de lamentar que tenha sido a câmara municipal do Porto uma das que menos apoiou o comércio e a restauração durante a pandemia: a câmara municipal do Porto investiu menos no apoio às famílias e às empresas, em especial nesse setor, do que câmaras com orçamentos, em termos absolutos, muito menores, como Sintra, Vila Nova de Gaia, Matosinhos — já para não ir a Lisboa, comparação que mostra que a câmara do Porto investiu 15 vezes menos.
Algumas das suas propostas têm também a ver com a segurança, nomeadamente com o consumo e tráfico de droga, muito visíveis em Lordelo do Ouro e Massarelos. Se os meios de policiamento cabem ao governo, que real capacidade tem uma autarquia para lidar com isto?
Não foi o estado central que mandou demolir o Aleixo [processo iniciado por Rui Rio e concluído já no executivo de Rui Moreira], sem nenhum tipo de acompanhamento para as pessoas que lá viviam, que é a origem dos problemas na zona de Lordelo do Ouro.
Obviamente, quando analisamos as questões de segurança, isto envolve várias dimensões, não envolve só a câmara, mas também envolve a câmara. Isso é válido para qualquer problema: não sei se já reparou que a câmara municipal do Porto nunca é responsável por nada do que acontece, nunca é responsável por problemas, há sempre alguém que deve ser responsabilizado, mas nunca quem foi eleito para resolver os problemas, esse é um padrão.
No caso da segurança, e em concreto, nessa dimensão de Lordelo do Ouro, há uma relação evidente com o que se passou no Aleixo; e é evidente que a câmara do Porto tem responsabilidades na falta de acompanhamento do processo de realojamento do Aleixo e na expressão absolutamente inaceitável do tráfico de droga, que hoje em dia acontece na Pasteleira Nova, Pinheiro Torres, mas também em Ramalde do Meio, já em algumas zonas do Bairro do Cerco — é uma realidade que se está a alastrar em vários bairros da cidade, sequestrando muitas vezes os próprios moradores dos bairros sociais, porque eles também são vítimas daquilo que se passa.
A câmara tem um importante instrumento de prevenção, os conselhos municipais de segurança, que não dinamizou. É importante estabelecer, em diálogo com as forças de segurança, contratos locais de segurança, que possam intervir especificamente sobre essas realidades e sobre esses bairros.
Temos um problema porque sempre que o governo quer descentralizar competências para a câmara municipal do Porto, a câmara recusa essas competências, ao mesmo tempo que diz não ter competência para intervir.
Importa também falar sobre a questão das dependências, porque a câmara municipal do Porto anunciou agora uma sala de consumo assistido — anunciou para setembro... enfim, nós estamos no dia 13 e ela ainda não existe —, mas é algo que nós já tínhamos reivindicado há bastante tempo. Felizmente, há eleições este mês: se houvesse eleições todos os meses, mais problemas eventualmente se resolviam.
A câmara nunca é responsável por nada, nunca é responsável por problemas; há sempre alguém que deve ser responsabilizado, mas nunca quem foi eleito para resolver os problemas, esse é um padrão
Mas a transferência de competências do poder central para os municípios — e aquilo de que se queixa Rui Moreira — não vem acompanhada das respetivas verbas. Alguns candidatos já vieram dizer que vão ter mais PRR porque têm o número de telefone do ministro ou do secretário de Estado, ou do primeiro-ministro...
Não, não. O PRR é um instrumento do país, de desenvolvimento e recomposição da nossa economia e as autarquias vão ter, sensivelmente, sete mil milhões de euros para executar. As autarquias têm de trabalhar para programar, apresentar projetos que possam ser executados no âmbito do PRR.
Nós temos competências que estão a ser descentralizadas para os municípios e o que acontece é que os municípios têm exatamente a mesma receita — as taxas, a recolha de dividendos, chamemos-lhes assim, resultantes das competências a descentralizar — que tem o estado central neste momento: não recebem nem mais, nem menos.
O que significa isso? Dou-lhe um exemplo, de Rui Moreira: numa determinada rubrica da ação social, a transferência prevista do Estado para a câmara do Porto é de 1,8 milhões de euros, as necessidades são de 9 milhões...
Eu não sei qual é esse caso concreto — sabe que o gabinete de estudos e estatísticas ali da câmara do Porto normalmente falha muito nos números.
Mas esta não é uma crítica válida?
Não sei qual é a crítica, precisávamos de ver o caso concreto. Estou-lhe a dar este exemplo: quando passamos as competências de licenciamento da orla costeira para as autarquias, o estado central está a passar tudo aquilo que resulta atualmente com a tutela dessa gestão para as autarquias: nem mais, nem menos.
Por outro lado, mais de 50% dos municípios do país já fizeram protocolos de transferências programadas de várias competências para os seus municípios e certamente não terão feito mal as contas. Aí o que existe sistematicamente por parte da câmara municipal do Porto é recusar competências que estão a ser transferidas e depois queixar-se de que não tem competências para intervir sobre a realidade da cidade.
É o exemplo recente de quando há umas semanas houve uma polémica grande com o licenciamento de um bar na praia do Ourigo — e essa situação é paradigmática: a câmara mal surge o problema vem dizer que a culpa é de toda a gente menos da câmara; é da APA [Agência Portuguesa do Ambiente], é da APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo], é do ministério [do Ambiente], é deste, é daquele. E veio logo dizer: "bom, nós não temos competência sobre a gestão daquele espaço". Isto não é inteiramente verdade, porque, obviamente, os processos de licenciamento urbanísticos são feitos na câmara do Porto.
Mas a APA também tem de aprovar — e aprovou.
Sim, e terá sempre de o fazer, mesmo com a competência descentralizada, não é isso que está em causa. O que eu quero dizer é que a câmara municipal do Porto teve esta competência desde o dia 1 de janeiro de 2021 sobre a gestão das praias e da orla costeira porque o governo a descentralizou para todos os municípios com orla costeira. É um bom exemplo, um exemplo muito concreto, que não tem a ver com dinheiro, com necessidades financeiras, tem a ver com competências de gestão do espaço público, que, uma vez mais, não foram devidamente reivindicadas e executadas pela câmara do Porto.
É óbvio que um processo de descentralização — e então nem vale a pena falar num de regionalização — tem os seus constrangimentos, tem os seus processos de mudança, e tem, naturalmente, a necessidade de acompanhar a execução das políticas com o envelope financeiro, isso não está em causa. O que parece verdadeiramente incoerente é querermos mais competências e depois recusá-las: porque o problema da câmara do Porto não é só neste processo.
O que parece verdadeiramente incoerente é querermos mais competências e depois recusá-las: porque o problema da câmara do Porto não é só neste processo
Mas as competências também não são entregues à câmara por inteiro. De que adianta ter a competência do centro de saúde se depois quem contrata, quem, quem descontrata os médicos e todo o pessoal necessário é o ministério da Saúde? A ARS continua a ser uma organização no meio do processo.
Nem podia ser de outra forma: veja o que aconteceu quando a câmara municipal do Porto se tentou meter na questão da gestão da pandemia? Deu o problema que deu no [Centro de Vacinação do Queimódromo]. Há competências que mais vale estarem mesmo em quem as sabe executar — não é isso que está em causa.
Disse que o Rui Moreira vive numa bolha de privilégio. Qual é a bolha de privilégio em que vive Rui Moreira que não vive o Tiago?
É sobretudo perceber que as dificuldades que uma parte muito grande dos portuenses vivem no dia-a-dia, ao nível do acesso à habitação, ao nível dos valores que já referiu do desemprego, ao nível dos rendimentos, que não são compagináveis com a cidade que tem vindo a ser construída por esta câmara municipal do Porto — que é uma cidade que exclui uma parte significativa dos portuenses de nela viverem pela sua carteira ou pela sua conta bancárias. Quem assim atua, vive numa bolha de privilégio e olha para os outros a partir dessa realidade, que é sua e não é a realidade da maioria dos portuenses.
Isto também é válido, por exemplo, na população que vive nos bairros sociais: tenho visitado muitos bairros e existe um enorme descontentamento com aquilo que está a ser feito pela câmara municipal e, em muitos casos, por aquilo que não está a ser feito e devia estar, na melhoria das condições de vida de quem vive nesses bairros, na melhoria interior, na melhoria do espaço público, questões muitas vezes quase simbólicas, como parques infantis, zonas de usufruto comum, que simplesmente não existem e provocam a ausência de qualidade de vida.
O mesmo é válido para o programa que apresentamos de lançamento de creches para os jovens casais do Porto, permitindo, em articulação com as IPSS e com o estado central, um programa municipal que fará com que nenhuma criança do Porto deixe de ter lugar numa creche pelo facto de os seus pais não a poderem pagar.
O primeiro passo é mesmo trazer moradores para a cidade, pelo custo da habitação, mas isso por si só não basta, é preciso trabalhar todas as dimensões de qualidade de vida que estão adjacentes a isso. Nesse sentido, parece-me evidente que há uma visão absolutamente elitista, fechada, uma visão liberal, uma visão que neste momento existe na câmara municipal do Porto — e que tem muito a ver, aliás, com os partidos que apoiam Rui Moreira: o CDS-PP e o Iniciativa Liberal, e que não correspondem de forma alguma àquilo que é a realidade sociológica da cidade.
O Porto cobra impostos já acima da média nacional. Nesta matéria, o que pretendem fazer?
Não há qualquer proposta de mexida, a não ser um programa de relançamento do comércio e da restauração, apoiando o plano de recuperação que queremos também para todo o país, que vai ter várias isenções relacionadas, por exemplo, com taxas de ocupação do espaço público, esplanadas; vamos fazer descontos para os comerciantes que estiverem em imóveis arrendados pelo município e vamos ter uma política fiscal nesse sentido, embora seja uma receita sempre lateral no contexto do orçamento da câmara do Porto.
De que orçamento anual precisa para implementar todas estas medidas que prevê para os próximos anos?
O orçamento que existe é o orçamento do município, o orçamento anual da câmara do Porto. Várias destas medidas de que estamos aqui a falar, nomeadamente na área da habitação, são co-financiadas, ou financiadas, muitas delas, a 100% — é o caso do 1.º Direito, no PRR, que financia as primeiras 26 mil casas construídas; ou, por exemplo, algo de que não falámos, quando temos como desígnio no nosso programa antecipar em dez anos as metas de neutralidade carbónica no país, isso implica um conjunto muito diversificado de investimentos na cidade, nas áreas da mobilidade, da transição energética, da eficiência dos edifícios... E, para isso, há financiamento europeu, ao abrigo dos fundos de transição. Na semana passada, a Comissão Europeia anunciou o financiamento a 100% das cidades que tenham projetos para este desígnio, têm de ser apresentados durante o outono e, que eu saiba, a câmara municipal do Porto não um único projeto porque não se preparou para essa realidade.
Desse ponto de vista, nós temos orçamento próprio, não há nenhuma dificuldade orçamental neste momento na câmara municipal do Porto e a mobilização, quer de fundos comunitários, quer de fundos nacionais e parceiros privados, ou a mobilização, por exemplo, de património da Misericórdia e do estado central, que não é algo que vá onerar os cofres do município.
Se considera que Rui Moreira tem falhado desta maneira nestes oito anos de presidência, porque é que ele continua a ter 59/60% das intenções de voto nas sondagens? As sondagens não podem estar acertadas para o PS no geral do país e desacertadas para o PS Porto.
Olhe que por acaso não me lembro de nenhuma sondagem que tenha errado a nível nacional, e lembro-me de várias que erraram no Porto várias vezes. No caso do Porto em especial, recomendo sempre muita prudência com sondagens.
Por outro lado, intenções de voto não são votos, nem para um lado, nem para o outro. E sobre aquele que é o diagnóstico que fazemos da cidade, esse diagnóstico é factual e não tem a ver com maiores ou menores intenções de voto: objetivamente, a cidade do Porto tem vindo a perder habitantes, tem vindo a envelhecer, tem vindo a perder poder de compra, foi o município onde os custos da habitação mais cresceram no final de 2020, entre muitos outros indicadores que ao longo da entrevista fui dando.
Olhe que por acaso não me lembro de nenhuma sondagem que tenha errado a nível nacional, e lembro-me de várias que erraram no Porto várias vezes
Apesar desses indicadores negativos que o Tiago apresenta, não há uma transformação positiva, desde 2013, do Porto — ou pelo menos a marca Porto —, para além de obras como o Mercado do Bolhão.
Deste mandato? Mas o Mercado do Bolhão não foi inaugurado...
Sim, mas já está pintado, pelo menos.
Ah, pintado está, isso sim. É a tal marca Porto.
Comparando quem quer que viesse depois de Rui Rio com os mandatos de Rui Rio, era difícil fazer pior. Portanto, nesse sentido, é evidente que houve uma perceção, sobretudo — dou-lhe um exemplo, numa primeira fase, numa certa relação com o setor cultural da cidade, as mudanças foram objetivas, isso não merece qualquer questão.
O problema é que, passados oito anos, nós estamos de facto nessa porosidade dessa marca que refere, que não deixa verdadeiramente nada de marcante. Até acabou de dar o exemplo de algo que não está concretizado e que continua a ser desígnio para os próximos quatro anos.
A recuperação do Bolhão é um facto positivo. Aliás, a recuperação do Bolhão tem a marca do PS, diga-se de passagem, porque o vereador do Urbanismo que presidiu ao lançamento desse concurso era o arquiteto Manuel Correia Fernandes, do PS, e se nós pudemos preservar o Mercado do Bolhão como um mercado de frescos e como um mercado que não foi descaracterizado antes de poder ser reabilitado, devemo-lo ao trabalho de Manuel Correia Fernandes, que lançou a plataforma de intervenção cívica na cidade, ainda em 2008, para preservar o Mercado do Bolhão como um mercado de frescos — não sei onde andava Rui Moreira em 2008, talvez a promover outro tipo de marcas.
É uma ambição curta para uma cidade como o Porto: oito anos depois, passou quase uma década, o que é que fica? Ficam anúncios para os próximos quatro, porque, de facto, projetos não há nenhum.
Quais são as ambições do PS para a cidade do Porto? Nos panfletos recordam os grandes eventos: a Capital Europeia da Cultura, o Património da Humanidade, a Casa da Música...
Cada tempo é um tempo. Esse confronto com a memória de um passado em que o PS liderou a cidade é importante para se perceber que a métrica que hoje temos é demasiado curta para a ambição da cidade. Porque em oito anos nós não temos uma verdadeira concretização e durante essa década [de governação socialista, entre 1990 e 2002], como referiu, alguns dos projetos de que nós nos lembramos, como o Metro do Porto, que, antes da pandemia, tinha 72 milhões de validações por ano — na altura diziam-nos que era um metro de papel, porque não saía do papel, hoje é o maior instrumento de mobilidade na cidade e na escala metropolitana; o Porto Património Mundial [pela UNESCO, em 1996], a Capital Europeia da Cultura [em 2001], duas dimensões estruturantes da procura turística da cidade.
Esse confronto com a memória de um passado em que o PS liderou a cidade é importante para se perceber que a métrica que hoje temos é demasiado curta para a ambição da cidade
E para o futuro?
Neste momento, aquilo que precisamos de perceber no Porto são os problemas que se foram acumulando ao longo dos últimos anos: enquanto não os resolvermos, não vale a pena continuarmos neste lento declínio em que estamos envolvidos, para que daqui a dez anos não tenhamos ainda menos habitantes, mais envelhecidos e mais pobres.
Nós precisamos de reorientar aquela que tem sido vida na cidade — e isso passa por várias dimensões, de que já falámos, e ainda a mobilidade, de que não falámos, mas que está absolutamente catastrófica na cidade do Porto, não há portuense que não o sinta.
Quando me pergunta por uma ambição, nesse sentido, dou-lhe uma absolutamente estratégica e que se relaciona com a maior ameaça existencial que enfrentamos enquanto humanidade: as alterações climáticas. Nós temos as metas de neutralidade carbónica estabelecidas para o país, em 2050, e o desígnio que nós colocamos, a ambição que colocamos no nosso programa, passa por fazer do Porto a primeira cidade o país a ter neutralidade carbónica, emissões zero nas suas atividades diárias.
Isto passa por antecipar, em pelo menos uma década, estes objetivos na cidade — e, por sua vez, isto desdobra-se em muitos investimentos e em muitas áreas de intervenção que terão de ser concretizadas para lá chegar, criando emprego de qualidade, por exemplo, na mobilidade inteligente, nas smart cities [cidades inteligentes], na semaforização, nas mobilidades não poluentes, na eficiência energética e térmica dos edifícios, numa rede de carregamento elétrico que não existe na cidade, entre muitas outras dimensões, associando àquilo de que falei há pouco, que tem a ver com a nossa Faculdade de Engenharia [FEUP], que tem a ver com as nossas tecnológicas, que tem a ver com um pensamento crítico que está a ser feito na cidade e que depois não é aproveitado. Existem linhas de financiamento, existe a possibilidade de candidatarmos vários destes projetos a fundos de transição, existindo essa ambição e esse caminho.
O que nós não vemos agora, verdadeiramente, e já tivemos vários debates com o incumbente, é um desígnio: efetivamente, qual é a visão da cidade daqui a quatro anos? Dar por concluído aquilo que até hoje [Rui Moreira] não conseguiu fazer, convenhamos que não é um desígnio especialmente ambicioso para aquilo a que os portuenses estão habituados.
E onde vê o Porto, daqui a quatro anos, se for presidente?
Vejo um Porto a ter mais habitantes; um Porto mais coeso; um Porto com uma parte substancial dos seus problemas de mobilidade resolvidos, porque parte deles resultam de sucessivos erros cometidos pela autarquia com mais habitantes e habitantes que possam viver na cidade, independentemente da sua carteira e da sua conta bancária.
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