O coletivo presidido pela juíza Carla Menezes considerou que “nenhuma prova produzida concluir que os acontecimentos [relacionados com o desaparecimento da criança] sucederam na forma como veio descrita na acusação”.
“Inexistindo prova cabal” do envolvimento da mãe do menino no desaparecimento do filho, “o tribunal não tem outra alternativa” e decidiu “lançando mão do princípio jurídico do ‘in dúbio pró reo’, absolver” a arguida, disse a juíza.
Lídia Freitas foi acusada pelo Ministério Público dos crimes de rapto e tráfico de pessoas, remontando os factos a 19 de janeiro de 2014, dia em que filho, o Daniel, então com 17 meses, foi dado como desaparecido no decorrer de um almoço em casa de familiares da mãe.
A criança apareceu três dias depois, a cerca de 1.100 metros da mesma casa dos familiares, por levadeiros (profissionais que tratam da manutenção dos cursos de água nas serras da ilha), na Levada do Nova, no meio de plantas secas.
Tinha a roupa molhada, sinais de hipotermia, as mãos com sinais de exposição ao frio e os pés enrugados devido à humidade.
A mãe foi detida a 23 de junho de 2014, ficou sujeita a termo de identidade e residência.
O julgamento teve início a 12 de janeiro, tendo a arguida recusado prestar declarações em tribunal, facto que levou a juíza a sublinhar que “não podem ser valoradas as que prestou anteriormente” apenas perante a polícia criminal.
O coletivo decidiu que não ficou provado em audiência que a mãe do menino tenha “engendrado um plano para vender o filho”, que tenha, “para esse efeito, encetado diligências para o concretizar”, nem que tenha efetuado contactos para encontrar interessados ou “arranjado comprador”.
Os juízes também tiveram em conta que “ninguém viu o que aconteceu” naquela altura e que os testemunhos sobre “a reação desapaixonada” da arguida perante o desaparecimento da criança “não pode ser tido como culpa”.
O coletivo também acrescentou que o depoimento prestado pelo pai do menino “é suscetível de várias interpretações”, não podendo ser tido como “um testemunho isento”.
Perante o tribunal, o pai do menino (atualmente em prisão preventiva ao abrigo de outro processo, no qual é suspeito do crime de violação de menor) corroborou ser “estranha a calma” da companheira na altura do desaparecimento da criança.
No depoimento por videoconferência, o pai do menino, Carlos Abreu Sousa, disse que Lídia Freitas ficou “um pouco desapontada” quando receberam o telefonema a informar que a criança tinha sido encontrada e afirmou: “É mentira, não pode ser” e admitiu ter suspeitado do envolvimento da ex-companheira, porque, entre outros aspetos, esta também se recusou a integrar o grupo que organizou as buscas.
Carla Menezes ainda argumentou que não estavam preenchidos todos os elementos dos crimes de rapto e tráfico de pessoas de que a arguida vinha acusada, pelo que “a acusação nunca poderia proceder”.
No final da audiência, o advogado de defesa de Lídia Freitas, Gilberto Gonçalves, declarou aos jornalistas que esta foi uma decisão “expectável”, porque “a prova que está junto aos autos não é conclusiva que tenha acontecido aquilo de que vinha acusada”.
“Acho que sim: foi feita justiça”, opinou, adiantando que o objetivo da sua cliente é recuperar a guarda dos filhos, “um processo que está a decorrer”.
Gilberto Gonçalves recordou que a última das crianças, da atual relação, lhe foi retirada quatro dias após o nascimento, estando numa instituição que dista cerca de 60 quilómetros da residência da mãe, no concelho da Calheta.
Sustentou que “os pobres também têm direito a ter famílias” e que as instituições devem funcionar e ser acionadas para que Lídia Freitas passe a ter condições e possa “recuperar de todo este processo”, pois vive em condições precárias e não conseguiu encontrar trabalho.
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