O Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento aos recursos apresentados pelo Ministério Público e pelo Banco de Portugal, tendo revogado a sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, que, em dezembro de 2017, declarou nula a acusação administrativa do Banco de Portugal (BdP) contra Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires e ordenou a devolução do processo ao supervisor para, querendo, proferir nova decisão isenta de vícios.
Em acórdão datado de abril último, o Tribunal da Relação de Lisboa determina que seja proferida nova sentença que, “julgando inverificadas quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito, determine o prosseguimento dos autos no TCRS como recurso de impugnação judicial, aprecie os requerimentos probatórios dos sujeitos processuais e impulsione os autos para julgamento do mérito dos recursos”.
Em causa estão os pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires às coimas que lhes foram aplicadas pelo BdP por contraordenações à lei de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, enquanto administradores do BES.
O processo que originou a condenação de Ricardo Salgado ao pagamento de uma coima de 350.000 euros e de Amílcar Morais Pires ao pagamento de 150.000 euros – António Souto, condenado a uma coima de 60.000 euros, não recorreu, o mesmo acontecendo com o BES (25.000 euros) – alegava que, devido à omissão dos três responsáveis, o BES não aplicava medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo nas sucursais e filiais do BES de Angola, Cabo Verde, Miami e Macau.
Nos pedidos de impugnação que deram entrada no TCRS a 30 de maio de 2017, cerca de um mês depois de conhecida a decisão do BdP, os arguidos alegavam que apenas dispuseram de 30 dias úteis para apresentar defesa depois de notificados da acusação, quando o processo contava com sete volumes (com mais de duas mil folhas), 36 anexos (com 11 mil folhas) e 32 pastas em suporte digital.
Na sentença proferida em dezembro de 2017, o juiz Sérgio Martins de Sousa deu razão aos recursos que invocavam preterição do direito de defesa na fase administrativa do processo e declarou nula a acusação do BdP e todo o processo ulterior, "ressalvando dos seus efeitos todas as diligências de prova já produzidas durante a instrução dos autos", remetendo para o supervisor, querendo, voltar a lavrar decisão, "proferindo-a isenta dos vícios que afetam a sua validade".
Na sentença, o juiz afirmava que “apresentar os meios de prova coligidos como fez o Banco de Portugal ou nada enunciar equivale na prática ao mesmo”.
“Com vista ao cumprimento efetivo do direito de defesa, o BdP haveria de apresentar a prova de forma sistemática, coerente e organizada, tudo de molde a que a consulta dos autos pelos arguidos se processasse com suficiente e cabal compreensão dos elementos probatórios existentes”, acrescentava.
Para a Relação de Lisboa, o juiz do TCRS fez uma “incorreta interpretação e aplicação” do artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações, o qual “apenas exige que sejam comunicados aos arguidos os factos que lhe são imputados, a respetiva qualificação jurídica e sanções em que incorrem”, salientando que os arguidos tiveram acesso ao processo e exerceram “o seu direito a serem ouvidos e a defenderem-se”, pelo que conclui que foi respeitado o seu direito de defesa.
O juiz Sérgio Sousa já mostrou discordar do entendimento da Relação na sentença proferida no passado dia 09 de setembro, no âmbito do recurso apresentado pelo Montepio e oito antigos administradores ao pagamento de coimas no valor total de 4,9 milhões de euros, cuja decisão foi igualmente a de declaração da nulidade da acusação e das notificações emitidas e a devolução do processo ao BdP, para que este profira “nova decisão isenta dos vícios que decretaram a nulidade”.
Na sentença de 09 de setembro, o TCRS reafirmou o entendimento de que deve ser garantido um “cabal e efetivo direito à defesa”, pois “só pode ser contrariado o que razoavelmente puder ser conhecido e os meios de prova a apresentar só o podem ser com completude quando se conheça de forma plena o objeto dos autos”.
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