Segundo o Ministério Público (MP), as buscas visaram a empresa municipal Cascais Próxima, unidades orgânicas da Câmara de Cascais, “alguns elementos afetos a essas entidades e ainda duas sociedades privadas”.

“Numa qualificação ainda preliminar e dependente de melhor prova”, e sem que tenham sido constituídos arguidos, podem estar em causa crimes de corrupção passiva e ativa, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder, não havendo ainda arguidos constituídos, indicou.

Os factos investigados “terão ocorrido entre 7 de maio de 2020 e 2 de maio de 2022” e “reportam-se a suspeitas de benefício indevido de uma sociedade privada detida por cidadã estrangeira”, por via da alienação àquela sociedade, “a preço de custo e sem qualquer procedimento formal de contratação pública, de património imobiliário e mobiliário adquirido pelo município de Cascais e estruturado como unidade fabril de produção de máscaras cirúrgicas”, resumiu o MP, numa nota.

Esta investigação do MP seguiu suspeitas levantadas por uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) a este negócio, revelou o próprio presidente da Câmara de Cascais, destacando que a autarquia contestou o relatório do TdC por considerar que “não havia nenhuma irregularidade”.

Na versão preliminar da auditoria, a que a Lusa teve acesso, o TdC concluiu, em junho de 2022, “que não foi acautelado o interesse económico do município, por não ter sido assegurada a maximização do rendimento que adviria da venda dos imóveis”.

“A alienação nas condições descritas poderá consubstanciar um dano para o erário público decorrente da não-valorização dos respetivos ativos imobiliários, conduta que poderá eventualmente indiciar a prática do crime de administração danosa”, por não terem sido observadas “as regras económicas de uma gestão racional”, ou “mesmo de prevaricação”, porque “poderá ter havido, por parte de titular de cargo público, a intenção de beneficiar a ShiningJoy”, é considerado pelo TdC.

O caso refere-se à aprovação (em 9 de junho de 2020) da compra pela Câmara de Cascais de dois armazéns e de um terreno contíguo, pelo valor global de 1,750 milhões de euros (ME), com o objetivo de ali instalar uma fábrica de máscaras, em plena pandemia e quando havia escassez deste método de proteção individual.

Depois de concluída a compra, a autarquia cedeu, em 28 de janeiro de 2021, por comodato, a exploração da unidade fabril à empresa municipal Cascais Próxima e esta, quatro dias depois, celebrou um contrato para ceder a gestão da fábrica à empresa ShiningJoy, constituída por três empresas do ramo imobiliário.

Segundo o TdC, este negócio de subcomodato tem algumas particularidades.

O valor da fábrica (excluindo os edifícios) foi avaliado em mais de um milhão de euros (valor depois reduzido para 890,5 mil euros devido à avaria de duas máquinas), mas o pagamento pela empresa à Cascais Próxima, segundo o TdC, seria em géneros, através do fornecimento de 6,5 milhões de máscaras ao município ao longo de 2021.

O TdC realçou que, neste negócio, a Cascais Próxima não era obrigada a observar o código dos contratos públicos, mas, ao concretizar a venda direta à ShiningJoy sem observância do princípio da concorrência, não assegurou a igualdade de oportunidade a eventuais interessados nem adotou mecanismos de contratação transparentes.

No entanto, o TdC alerta para outra singularidade do negócio: a passagem da fábrica para a empresa privada implicava ainda a compra por esta dos dois armazéns e do terreno ao preço que a Câmara pagou por eles.

A ShiningJoy adquiriu assim um estatuto de primazia para compra dos armazéns e terreno por conta de ter ficado com a fábrica, destacou o TdC, realçando que o contrato previa ainda que, caso o negócio da venda dos imóveis não se concretizasse por motivos imputáveis ao município, este teria de reverter também o negócio da fábrica.

“A Cascais Próxima, que foi ‘paga’ com máscaras, teria de recomprar em base monetária”, o que colocou “o interesse público em risco, de forma desnecessária”, considerou.

Por isso, o TdC suspeitou que a real intenção deste negócio poderá ter sido apenas imobiliária.

“O que verdadeiramente está em questão é o negócio da alienação direta à ShiningJoy dos três imóveis, ao preço de custo, sem interferência de outros agentes potencialmente interessados nos imóveis”, realçou.

A entidade acrescentou ainda que faltou “racionalidade económica ao ato de alienação dos imóveis, uma vez que não assegura a rentabilização do património municipal”.

“Com a alienação ao preço de custo, e sem recurso a um procedimento concorrencial, o município não garantiu o justo valor dos imóveis”, o que indicia violação de princípios de boa administração, da concorrência e da transparência, considerou.

O TdC realizou esta investigação no âmbito de auditorias aos contratos celebrados durante o regime excecional de contratação pública para resposta urgente aos efeitos da pandemia.