
"Um milhão de crianças a morrer porque os seus sistemas de suporte de vida foram retirados da parede, com alegria, não é essa a América que eu reconheço ou compreendo", disse o músico à AP, referindo-se ao impacto da quase extinção da agência de cooperação internacional USAID, que mantinha programas de combate ao HIV/SIDA e outros vírus e doenças em todo o mundo.
"O que é irracional é sentir prazer na destruição dessas instituições de misericórdia", adiantou Bono, que passou grande parte da sua vida de ativista a lutar pela ajuda a África e pelo combate ao HIV/SIDA.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, suspendeu quase toda a ajuda externa dos Estados Unidos quando tomou posse, a 20 de janeiro. A África Subsariana era o segundo maior beneficiário do financiamento da USAID a nível mundial, recebendo 12,7 mil milhões de dólares (11,2 mil milhões de euros) em 2024.
A agência da ONU para o HIV/SIDA alertou recentemente para o risco de, devido aos cortes da USAID, haver 2 mil novas infeções diárias do vírus no mundo e, nos próximos quatro anos, mais 6,3 milhões de mortes.
"Pensem nisto: um declínio de 70% no HIV/SIDA (...). A maior intervenção sanitária da história da medicina para combater o HIV/SIDA foi deitada fora. Estavamos quase lá. Para um viajante espacial, é como chegar a Marte e dizer: 'Não, vamos voltar'. É desconcertante para mim", lamentou.
De acordo com o Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (África CDC), poderão morrer mais 4 milhões de pessoas de doenças tratáveis em África devido à perda de financiamento norte-americano.
"Acredito que os americanos são íntegros. Eles hão-de resolver o problema. Quem foi que disse: Se dermos aos americanos os factos, eles acabarão por fazer a escolha certa. Neste momento, eles não estão a receber os factos", adiantou.
O músico concedeu uma entrevista à AP em Cannes, cidade do sul de França próxima da localidade onde tem uma propriedade à beira-mar, Eze-sur-Mer, com outro membro dos U2, The Edge.
O ator apresentou em Cannes "Bono: Stories of Surrender" ("Bono: Histórias de Rendição", em tradução livre), um filme a preto e branco realizado por Andrew Dominik, que começa a ser transmitido em "streaming" a 30 de maio, adaptação de um livro de 2022 de Bono.
Na entrevista, Bono disse compreender a insatisfação de comunidades excluídas pela globalização, mas defendeu que "o nacionalismo não é a solução".
"Crescemos numa atmosfera muito carregada na Irlanda. Isso faz-nos desconfiar do nacionalismo e desses espíritos animais que podem ser estimulados. Este é o meu discurso sobre a rendição, "Stories of Surrender", numa altura em que o mundo nunca esteve tão próximo de uma guerra mundial", afirmou.
Para Bono, é irónico que a Rússia, que perdeu mais pessoas do que qualquer outro país a lutar contra os nazis, hoje "pise as suas próprias memórias sagradas ao maltratar os ucranianos que também morreram na linha da frente" na 2ª Guerra Mundial.
"Acredito que existe integridade no povo russo. Na minha opinião, precisam de mudar o seu líder", defendeu, numa referência a Vladimir Putin.
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