Durante a manhã foram partilhadas várias fotografias nas redes sociais tiradas a mensagens de teor racista em várias universidades e escolas secundárias da Área Metropolitana de Lisboa. As frases escritas nas paredes das instituições incluem apelos à supremacia branca e visam as comunidades negra e cigana, assim como cidadãos de nacionalidade brasileira.
Até à data, foram denunciados casos nas escolas secundárias Eça de Queiroz e António Damásio, ambas situadas nos Olivais, em Lisboa, assim como na Escola secundária da Portela e no agrupamento de escolas Eduardo Gageiro, em Sacavém, sendo estas duas últimas localizadas no concelho de Loures, assim como no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e na Universidade Católica Portuguesa (UCP) de Lisboa.
Fonte do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou ao SAPO24 ter recebido queixas de ocorrências em todos estes casos identificados. De acordo com a mesma fonte, no caso da UCP, por exemplo, vários agentes da PSP dirigiram-se às instalações da instituição pelas 10:00 horas e tomaram conta da ocorrência, identificando "mensagens de teor racista e discriminatório".
A PSP indicou que em todas as ocorrências "foi feito o auto de notícia, tendo sido remetido para o Ministério Público, que determinará qual a força competente para seguir a investigação".
O SAPO24 contactou a Escola Secundária da Portela que confirmou que uma parede da instituição de ensino tinha sido “grafitada” com uns "dizeres" durante a madrugada e que a escola já procedeu à pintura da respetiva parede, por forma a eliminar as mesmas.
Também o Agrupamento de Escolas Eduardo Gageiro, em Loures, assegurou ao SAPO24 que uma parede da instituição foi vandalizada, acrescentando ainda que a polícia já teria tomado conta da ocorrência.
Depois de ter sido denunciada, através do Twitter, uma situação semelhante no ISCTE, a Associação de Estudantes da instituição já se pronunciou, repudiando tipo de ações e reiterando que vão contra todos os valores da instituição "bem como os de um ensino superior inclusivo e que procura construir futuros cidadãos mais ativos e conscientes" e que "atos racistas não podem ser tolerados ou confundidos com liberdade de expressão, pois colocam em causa a existência e dignidade humana". A associação manifestou ainda a sua "solidariedade para com qualquer estudante que se tenha sentido diretamente visado pelo sucedido".
Também a Universidade Católica Portuguesa foi hoje "alvo de uma ação de vandalismo com dizeres discriminatórios, cometida por desconhecidos, nas suas instalações em Lisboa", confirmou a reitora da Universidade, Isabel Capeloa Gil, através de um comunicado.
"A universidade rejeita este ato, que atenta contra os princípios basilares do que a universidade enquanto espaço de abertura e diálogo representa e reafirma que continuará, firmemente, a desenvolver a sua ação educativa assente no respeito pela dignidade da pessoa, nos valores da liberdade e do diálogo, rejeitando qualquer forma de discriminação social, de raça ou sexo, e pugnando sempre pela inclusão e coesão sociais em prol do bem comum da sociedade", afirma a reitora no mesmo comunicado, afirmando ainda que "pelo conteúdo dos dizeres, este é um crime público, tendo, por isso, a universidade procedido a uma denúncia junto do Ministério Público".
Ao SAPO24, fonte da UCP confirmou ainda que as imagens partilhadas estão a ser analisadas. Já o ISCTE não prestou qualquer esclarecimento até à data.
O Centro de Acolhimento para Refugiados, localizado na Bobadela, em Loures, também foi hoje atacado com "frases xenófobas e racistas nas paredes exteriores", denunciou o Conselho Português para os Refugiados numa mensagem publicada no Facebook, reafirmando "o seu repúdio contra qualquer atitude de ódio e violência na sociedade portuguesa, prosseguindo a sua missão e trabalho na promoção e defesa dos Direitos Humanos."
O Governo reagiu no final do dia através do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e do secretário de estado adjunto e da Educação, João Costa, que repudiaram no Parlamento as mensagens racistas que hoje apareceram escritas em paredes de algumas escolas do país.
A Eça de Queiroz voltou a ter inscrições racistas nas suas paredes, mas os alunos já as apagaram. "Nós nesta escola nunca permitimos que fiquem cá as mensagens".
Estes casos ocorrem depois de uma situação semelhante decorrida durante o mês de junho, quando várias escolas dos concelhos de Loures e Lisboa foram também visadas com frases racistas, Em junho, outro dos edifícios alvo de grafiiti foi o Centro de Acolhimento para Refugiados, na Bobadela, em Loures, assim como a sede do Bloco de Esquerda e um mural evocativo dos 30 anos de assassinato de José Carvalho, na Amadora.
Uma das instituições que voltou a ser visada foi a escola secundária Eça de Queiroz, nos Olivais. No entanto, quando o SAPO24 chegou ao local, já as mensagens tinham sido substituídas por tinta branca.
"Foi durante a noite, já houve uma situação semelhante que participámos às atividades e, regra geral, quando isto acontece, assim que chegamos à escola, mandamos pintar de branco", disse Adélia Silva, adjunta da direção da escola.
A diferença para o caso de junho, porém, é que a iniciativa para repintar a parede e cobrir as inscrições partiu desta vez dos próprios alunos. "Ficaram muito indignados com a situação, dirigiram-se a nós e pediram autorização para pintar. Foram eles que foram pintar com a supervisão de um funcionário da escola, porque nem eles nem nós nos revemos naquelas inscrições que estavam na portaria", disse a responsável.
A ação, de resto, foi documentada pela própria escola e partilhada nas suas redes sociais oficiais.
Um desses alunos, que preferiu não revelar a sua identidade, falou ao SAPO24. "Nós nesta escola nunca permitimos que fiquem cá as mensagens", disse, lembrando que "não é a primeira vez que a escola passa por esta situação de se escrever estas mensagens de ódio, e até com os mesmos símbolos, o que leva a pensar que é do mesmo grupo que tem escrito".
"Não se pode deixar passar a limpo estas coisas e nós queríamos eliminá-las o mais depressa possível, até porque o objetivo das pessoas que fazem isto é mesmo que os mais novos comecem a entranhar este tipo de mensagens e a torná-las banais", explicou o estudante do 12º ano.
Quanto ao facto de este ser um fenómeno reincidente na Eça de Queiroz, Adélia Silva arrisca dizer que a instituição tem sido um alvo por ter "alunos de várias origens" e de, inclusivamente, disponibilizar aulas de português para estrangeiros em idade adulta. "Com certeza que é, porque de facto temos um caráter inclusivo. Não escolhemos alunos, seguimos a legislação. Seja quais foram as proveniências dos alunos, nós recebemos e tentamos integrar", justificou a responsável.
"Esta escola é muito ligada à multiculturalidade e à existência de várias etnias e raças. Para nós, não nos interessa de onde as pessoas vêm, porque somos todos uma escola e uma comunidade. Acho que foi isso que levou as pessoas a fazê-lo", sugere o aluno.
A iniciativa de serem os alunos a pintar as paredes, porém, é um prenúncio positivo do que a escola tem feito, diz Adélia Silva. "Se os nossos alunos não se revêem nas inscrições, se são eles que querem apagar, o nosso trabalho está a ter frutos", conclui.
SOS Racismo associa casos ao escalar da extrema-direita em Portugal e pede consequências para os autores
A esse propósito, Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, disse ao SAPO24 que os atos hoje perpetrados não se podem desconectar do que aconteceu em junho nem da parada realizada por membros de extrema-direita em frente à associação em agosto e das ameaças de morte enviadas a várias deputadas da esquerda portuguesa e ao próprio.
"Não é uma surpresa para mim, está em linha com a escalada que a extrema-direita decidiu instalar na disputa política sobre o espaço público, ao usar ameaça, chantagem e terrorismo como forma de atuação política", comenta o dirigente.
Quanto à reincidência de alguns destes atos — nomeadamente na escola secundária da Portela e da escola Eça de Queiroz —Mamadou Ba afirma ser necessário que "o Estado tenha mão pesada sobre os criminosos".
"É preciso que haja meios de investigação suficientes para que rapidamente as autoridades possam chegar a conclusões sobre os autores materiais, mas também os morais. É bom que não se fique só com os autores materiais dos atos. O escalar e a crispação do debate político e do debate racial não é só da responsabilidade de quem vandaliza edifícios públicos, é quem também promove o discurso de ódio no nosso país", avisa, direcionando o alvo das suas denúncias ao partido Chega e ao seu líder, André Ventura.
Segundo Mamadou Ba, esta é também parte de uma estratégia da extrema-direita de se posicionar no espaço público "na véspera de um ciclo eleitoral", as eleições presidenciais.
O dirigente informou ainda que SOS Racismo ainda não recebeu queixas nem foi visada pelos ataques, mas quis expressar "solidariedade com as entidades que foram visadas" e reforçar que atos como estes são "um convite para que a sociedade e o Estado reflitam sobre o real perigo da extrema-direita, não é um fantasma, é uma realidade, é preciso enfrentá-la".
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