Duzentos especialistas registaram-se para consultar uma montanha de documentos, acessíveis graças a um inventário que os arquivistas da Santa Sé levaram 14 anos para concluir.
O historiador alemão Hubert Wolf não vai perder esta oportunidade em Roma, indo juntamente com seis assistentes. Durante a apresentação, esteve muito atento às indicações dos arquivistas e ficou encantado com a existência de documentos inexplorados de uma "secretaria privada" do papa.
Esse especialista na relação entre Pio XII e os nazis seguirá outras pistas: as notas escritas por 70 embaixadores do Vaticano, os olhos do papa no exterior, e os pedidos de ajuda de organizações judaicas ou mensagens trocadas com o presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt.
Os arquivos do longo período pós-guerra e da censura de escritores e padres inspirados pelo comunismo também serão abertos pela primeira vez.
"A abertura dos arquivos é decisiva para a história contemporânea da igreja e do mundo", disse o cardeal português José Tolentino de Mendonça na semana passada a propósito desta abertura, citado pelo jornal britânico The Guardian.
Para a fase do Holocausto, o Vaticano já publicou o essencial há 40 anos, em 11 volumes compilados pelos jesuítas. Mas faltam peças, especialmente as respostas do papa. "Quando o papa recebe um documento sobre os campos de concentração [já revelado nos volumes dos jesuítas], não temos a resposta. Ou ela não existe ou está no Vaticano", disse Hubert Wolf à AFP.
O historiador já examinou os doze anos de vida na Alemanha de Eugenio Pacelli, embaixador da Santa Sé (1917-1929) e testemunha da ascensão do nazismo. Mais tarde, voltou a Roma para se tornar a mão direita do seu antecessor, Pio XI, antes de ser eleito papa.
Os arquivos já revelaram que o pontífice recebeu alertas sobre o extermínio de judeus na Europa. "Não há dúvida de que o papa estava consciente dos assassinatos de judeus, o que realmente nos interessa é quando soube pela primeira vez e quando acreditou nisso", diz Hubert Wolf.
Em 24 de dezembro de 1942, durante a sua longa mensagem de Natal, Pio XII menciona "centenas de milhares de pessoas que, sem nenhuma culpa, e às vezes pelo único motivo da sua nacionalidade ou raça, são condenadas à morte ou ao extermínio progressivo".
A mensagem foi transmitida em italiano uma vez, sem mencionar explicitamente os judeus ou os nazis, mas será que "os católicos alemães ouviram e entenderam?. Os únicos que ouviram foram os nazis", resume Wolf, porque havia interferência nas ondas de rádio e o papa poderia ter falado em alemão.
"Depois da guerra, Pio XII disse a um embaixador britânico 'fui muito claro' e o embaixador respondeu 'não o entendi'", destaca o historiador.
Pio XII, um ex-diplomata que queria permanecer neutral em tempos de guerra, estava preocupado com a proteção dos católicos e não podia ser mais explícito, argumentam os seus defensores.
Os historiadores estimam que cerca de 4.000 judeus foram escondidos em Roma em instituições católicas. "Muitos judeus foram salvos em conventos, mas porque foram mortos por pessoas que alegavam ser cristãs?", aponta o especialista americano David Kertzer, autor de um livro sobre Pio XII e Mussolini.
Na sua opinião, o tema essencial permanece "o silêncio do papa" e uma Igreja católica que "demonizou" os judeus por muito tempo."O papa estava envolvido nesse massacre em massa, que ele estava consciente desde 1941", assegura à AFP este professor universitário, que acusa Pio XII de nunca ter pronunciado a palavra "judeu".
Hubert Wolf enfatiza que Pio XII permaneceu em segundo plano após a guerra, "sem dizer nada sobre o Holocausto". "E por que ele não reconheceu a criação do Estado de Israel em 1948?", pergunta.
David Kertzer começará a verificar os arquivos na segunda-feira para terminar um novo livro sobre o período fascista.
O investigador já digitalizou dezenas de milhares de páginas de arquivos diplomáticos na Alemanha, Itália e França e examinou documentos militares dos EUA e arquivos fascistas italianos.
O especialista diz que um bom relatório diplomático ou um diário pessoal esquecido podem fornecer pistas sobre as "emoções" do papa. Mas acredita que "muita informação interessante sairá em conta-gotas do Vaticano ao longo dos anos".
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