O desembargador liderou o tribunal que recebeu alguns dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa, como o caso Casa Pia, mas de juiz passou a arguido, em 26 de fevereiro passado, além de alvo de um processo disciplinar do Conselho Superior de Magistratura (CSM).

Vaz das Neves é arguido na Operação Lex por suspeitas de corrupção e abuso de poder relacionadas com a distribuição eletrónica de processos e tem como medida de coação termo de identidade e residência.

A Operação Lex, tornada pública em janeiro de 2018 e que continua em investigação pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, tem como arguidos o desembargador Rui Rangel, a sua ex-mulher e juíza, Fátima Galante, e o funcionário judicial Octávio Correia, todos do Tribunal da Relação de Lisboa, o advogado Santos Martins e o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, entre outros.

No inquérito investigam-se suspeitas de tráfico de influência, de corrupção/recebimento indevido de vantagem, de branqueamento e de fraude fiscal, algumas delas relacionadas com a viciação de sorteios eletrónicos de distribuição de recursos para apreciação pelos juízes do TRL.

Após a divulgação na semana passada da sua alegada interferência na distribuição de dois processos, um dos quais um recurso de Rui Rangel contra o Correio da Manhã, Vaz das Neves assegurou à Lusa que não teve “qualquer benefício material, ou de outra natureza” pela sua intervenção, enquanto presidente naquele tribunal superior, em atos de distribuição de processos.

“Não atuei com o objetivo doloso de gerar benefício para qualquer interessado nos processos referidos ou outros, sim gerir situações que, pela sua natureza e ante a delicadeza do contexto em que ocorreram, exigiram então a minha intervenção”, afirmou o magistrado.

Já depois de ter sido constituído arguido, em 3 de março, o CSM decidiu instaurar processos disciplinares a Vaz das Neves, ao seu sucessor no cargo, Orlando Nascimento, a ainda a Rui Gonçalves, também desembargador no mesmo tribunal.

Segundo o CSM, o processo de averiguações, que decorre desde 13 de fevereiro, apurou que “há indícios de atribuição, no mínimo, de três processos no Tribunal da Relação de Lisboa, da qual resultam fortes indícios de abusos de poder”.

O juiz conselheiro inspetor encarregado do caso considerou também que houve “indícios de violação do dever de exclusividade”.

O presidente do CSM admitiu que a suspeita que envolve três juízes desembargadores “é de uma gravidade extrema” e, sendo “um caso inédito”, nunca lhe ocorreu que sucedesse algo semelhante.

Vaz das Neves esteve também no centro da polémica que arrastou o seu sucessor na liderança da Relação de Lisboa e que se demitiu no cargo em 02 de março.

Após ser divulgado que alegadamente autorizou o uso do salão nobre da Relação para a realização de uma arbitragem (resolução privada de litígios) feita por Vaz das Neves, Orlando Nascimento demitiu-se.

Até substituir Vaz da Neves na presidência da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento era o seu vice-presidente e teria a responsabilidade do sorteio eletrónico dos processos.

Segundo Vaz das Neves, os elementos do seu processo foram noticiados “de forma truncada e imprecisa” sem respeitar “a presunção de inocência”.

A este propósito, o ex-presidente da Relação referiu, declarações escritas enviadas à agência Lusa, que “o tema da distribuição de processos é mais complexo, mais abrangente e tem um contexto histórico que haverá oportunidade de aprofundar”.

Por último, o juiz reiterou que “no momento e no foro próprios serão prestados os esclarecimento e fornecidas informações relevantes” para o “integral conhecimento dos factos respeitantes à distribuição de processos”.

Vaz das Neves foi anteriormente envolvido no processo das escutas dos “Vistos Gold”, alegadamente por manifestar a sua disponibilidade para “ajudar no que fosse preciso” o então vice-presidente do Instituto dos Registos e Notariado, António Figueiredo, mas o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça arquivou as suspeitas contra o ex-presidente da Relação de Lisboa.

Nascido em Miranda do Douro, em 1948, Luís Vaz das Neves licenciou-se pela Faculdade de Direito de Lisboa e concluiu o Curso Normal de Magistrados Judiciais no Centro de Estudos Judiciários em 1983.

Iniciou a carreira como juiz de direito na comarca de Montemor-o-Novo (1983-1985) e foi juiz-presidente no denominado processo FP 25 de Abril.

Entre 1991 e 1994, foi conselheiro jurídico na Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, onde foi vogal em várias comissões internacionais.

De regresso a Portugal, foi nomeado secretário-geral do Ministério da Justiça entre 1994 e 2000 e, nessa qualidade, acompanhou diversas comissões e foi o representante nacional em alguns organismos internacionais.

Foi escolhido para vice-presidente da Relação de Lisboa em 2003 e depois foi por duas vezes eleito pelos seus pares presidente da instituição, tendo sido nomeado pela primeira vez em 06 de junho de 2005.

No discurso de posse para o seu último mandato, iniciado em 2011, centrou o discurso nos ensinamentos do seu pai.

“Há muitos, muitos anos, tal como se iniciavam as antigas histórias infantis, também eu tive um pai, sábio e bondoso, que me ensinou os princípios que me haviam de reger pela vida fora e que me foram explicados de uma forma muito simples: honra, honra e honra!”, declarou, acrescentando: “Com essa matriz surgiu o exercício da magistratura, que encerraria todo o meu ideal e projeto de trabalho”.

A Operação Lex foi desencadeada há mais de dois anos, mas não foi ainda conhecida a acusação.