Guiana e Venezuela "concordaram que direta ou indiretamente não se ameaçarão, nem usarão a força mutuamente em nenhuma circunstância, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados", pode ler-se na declaração conjunta lida por Ralph Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, onde decorreu o encontro entre os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali.

Também "acordaram que qualquer controvérsia entre os dois Estados será resolvida de acordo com o direito internacional, incluindo o Acordo de Genebra", acrescenta o documento.

Venezuela e Guiana aceitaram igualmente promover um novo encontro entre as partes dentro de três meses, no Brasil.

Os presidentes encerraram a reunião com um aperto de mãos após cerca de duas horas de discussão em São Vicente e Granadinas, promovida pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) e pela Comunidade do Caribe (Caricom), com o apoio do Brasil.

Antes da leitura da declaração conjunta, o presidente Ali, que compareceu à reunião com um mapa de Essequibo, enfatizou o direito do seu país explorar o seu "espaço soberano".

"A Guiana não é o agressor, a Guiana não está à procura da guerra, a Guiana reserva-se o direito de trabalhar com os nossos aliados para garantir a defesa do nosso país", afirmou Ali, durante a conferência de imprensa posterior, sem ceder na posição sobre a disputa.

"A Guiana tem todo o direito (...) de facilitar qualquer investimento, qualquer sociedade (...), a expedição de qualquer licença e a outorga de qualquer concessão em nosso espaço soberano".

A reunião aconteceu num contexto de crescentes trocas de declarações, cada vez mais ásperas, entre os dois presidentes sobre o Essequibo, um território de 160 mil km² rico em petróleo e outros recursos naturais, administrado pela Guiana e reivindicado pela Venezuela.

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Maduro, cuja delegação viajou a São Vicente e Granadinas com um mapa da Venezuela que inclui Essequibo como parte de seu território, celebrou a "vitória do diálogo" ao regressae ao país na quinta-feira à noite.

"Foi uma jornada frutífera, intensa, em alguns momentos tensa, mas na qual falamos a verdade", disse o presidente venezuelano no aeroporto internacional de Maiquetía, na região de Caracas.

O presidente venezuelano considerou o encontro como "um passo histórico" para "abordar de forma direta a controvérsia territorial", mas Ali negou que a disputa estivesse na agenda e insistiu na sua posição de que esta deve ser decidida no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), cuja jurisdição Caracas não reconhece.

Petróleo, o pomo da discórdia

A disputa é centenária, mas o litígio escalou em 2015, após a descoberta pela empresa petrolífera americana ExxonMobil de grandes reservas de petróleo bruto na área reivindicada. Atualmente, o governo venezuelano acusa a Guiana e o seu presidente em concreto de ser "um escravo" da ExxonMobil.

A Venezuela acusa a Guiana de dar concessões em águas marítimas ainda a delimitar, e depois de um referendo sobre o território reivindicado, realizado a 3 de dezembro, iniciou um processo para outorgar licenças da estatal PDVSA nas águas disputadas.

O referendo aprovou ainda criar uma região, uma província da Venezuela, e dar a cidadania venezuelana aos seus habitantes.

A Guiana, que viu a consulta como uma "ameaça", levou o caso ao Conselho de Segurança da ONU e anunciou contatos com "parceiros" militares, como os Estados Unidos, que realizaram exercícios militares no Essequibo.

Por seu lado, também o Brasil reforçou a presença militar na fronteira norte.

Sadio Garavini di Turno, ex-embaixador venezuelano na Guiana, disse à AFP que a Venezuela "curiosamente" evita mencionar as outras grandes empresas com participação na maior concessão outorgada pelo governo guianense na região, a do bloco Stabroek, como é o caso da China National Petroleum Corporation e da também americana Chevron, duas empresas que operam no país, alvo de sanções de Washington.

Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros venezuelano, Yván Gil, adiantou, num encontro com a imprensa internacional em Caracas, a possibilidade de que se possa falar de uma "cooperação em petróleo e gás", sem entrar em detalhes.

Na declaração conjunta de quinta-feira, Guiana e Venezuela também concordaram com uma reunião dentro de três meses no Brasil, cujo presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou a "crescente preocupação" com a crise entre os vizinhos, ao mesmo tempo que pediu a Maduro para não adotar "medidas unilaterais" que poderiam agravar a tensão.

"O que não queremos aqui na América do Sul é guerra, nós não precisamos de guerra, não precisamos de conflito", disse Lula.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, agradeceu ao Brasil pela sua "liderança diplomática" na resolução pacífica da disputa territorial, referiu um comunicado do Departamento de Estado divulgado na quinta-feira.