“Podemos nós aferir que existem práticas sistemáticas reiteradas nas nossas forças de segurança, culturas disseminadas de violência e de violência discriminatória contra pessoas vindas de fora e, eventualmente, de outras raças? Eu, tanto quanto sei, recusar-me-ei a fazer uma afirmação com essa amplitude”, afirmou Maria Lúcia Amaral, que admitiu não ter recebido muitas queixas nesse âmbito: “Penso que serão casos excecionais e não a regra”.
Em entrevista à Lusa, a provedora de Justiça reconheceu, porém, que episódios de violência – como a que envolveu agentes da PSP, em Alfragide, em 2015, ou, mais recentemente, elementos da GNR, em Odemira – deveriam ter culminado no afastamento desses profissionais das forças de segurança e que, ao nível de queixas, não cheguem à Provedoria “todas as que deveriam chegar”.
“Suponho que deveriam ter sido [afastados]. Para isso é que há procedimentos próprios depois da condenação; há procedimentos disciplinares e há a aplicação de sanções disciplinares. Não há uma explicação [para reincidências], não. Aí estou de acordo. Alguma coisa terá falhado e suponho que, a falhar alguma coisa, ela terá falhado internamente nos procedimentos disciplinares que depois são aplicados”, declarou.
Para Maria Lúcia Amaral, estes são tempos históricos anormais e “não há polícia nenhuma do mundo que esteja preservada do pior”, situando nesse enquadramento o caso em torno da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, em março de 2020, quando estava à guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
“O caso de Ihor Homeniuk integra-se num problema que ficou detetado: o problema da inadequação de espaços existentes para acolher as pessoas que chegavam a Portugal. A inadequação visível daquele espaço era em si mesmo um fator explosivo. Não há polícia alguma no mundo que esteja protegida do pior. Pode acontecer, agora há condições institucionais e fácticas que podem promover o pior. E, ali, foi o que aconteceu”, explicou.
Relativamente à criação dos ‘botões de pânico’ no SEF, que ainda não são uma realidade após terem sido anunciados em dezembro de 2020, a provedora de Justiça recusou que tal estivesse associado ao risco iminente de agressões e esclareceu que o objetivo deste instrumento passa por assegurar uma resposta rápida no caso de uma pessoa se sentir mal.
“Por estarem à guarda do Estado português, este tem a especial obrigação de as tratar como elas devem ser tratadas: de acordo com a sua indeclinável dignidade e deve ter cuidado com isso. O Estado português é responsável pela sua integridade física e, portanto, era para o caso apenas de as pessoas se sentirem mal”, destacou.
Confrontada igualmente com o aumento no espaço público de discursos de ódio e com cariz discriminatório, Maria Lúcia Amaral assumiu “grande preocupação” com este fenómeno e saiu em defesa do estado de Direito democrático enquanto garantia da “capacidade de conviver com a diferença”, integrando-a pela força do “discurso, pela ação das instituições, pela assunção de responsabilidades e pela aprendizagem”.
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