O livro "As Sem Abrigo de Lisboa - Mulheres Que Sonham Com Uma Casa" resultou da tese de mestrado de Ana Ferreira Martins, diretora do departamento de ação social da Assistência Médica Internacional (AMI).
“No fundo, as mulheres sentem-se na contingência de terem de optar entre estarem em casa com uma pessoa que lhes bate ou irem para a rua e passarem por uma situação de muita vulnerabilidade, que se agrava mais quando existem filhos”, salientou a autora, em declarações à agência Lusa.
De acordo com Ana Ferreira Martins, as sem-abrigo de Lisboa são “maioritariamente jovens, solteiras, desempregadas, possuem baixa escolaridade, não têm formação profissional, os empregos precários fazem com que não tenham descontado para a segurança social” e a maior parte delas são mães.
Alternam a dormida em casa de amigos com a dormida na rua e “algumas partilham de forma instável e com grande alternância as suas vidas com diferentes parceiros, quase sempre sem a presença dos filhos, que estão entregues a familiares ou instituições”, descreveu Ana Ferreira Martins.
De uma forma geral, falamos de uma mulher que “é vítima de uma situação extrema de pobreza, recorre à mendicidade, vive do rendimento social de inserção, porque não tem direito ao subsídio de desemprego, nem a qualquer tipo de pensão que lhe permita alimentar-se, vestir-se e pagar uma habitação”, disse.
“Ela vive numa situação que eu costumo chamar de ‘nudez social’. Ou seja, ela não tem mais nada, não tem voz porque não vota, não reclama porque tem medo que lhe cortem algum apoio e porque não sabe escrever uma reclamação”, salientou.
É esta a história de “Maria, separada, de 49 anos e com três filhos, que pernoita em casa de amigas e saiu de casa porque o marido exerceu sobre ela violência doméstica durante dois anos e não aguentou mais”. É também a de Isabel, com quatro filhos, que foi posta na rua quando o marido, que a maltratava, arranjou uma nova companheira.
O livro contém estas e outras histórias contadas na primeira pessoa, mas também caracteriza o que as diferencia dos homens que vivem na rua e apresenta sugestões.
É verdade, segundo a autora, que as mulheres, em relação aos homens na mesma situação, tendem a pedir mais ajuda a familiares e amigos e “também, em certas situações, a recorrer à prostituição, o que não resolve” o seu problema e até adia a sua resolução.
Outra diferenciação em relação aos homens é a maternidade, que acaba por proteger as mulheres, mas “apenas nas alturas” em que têm os filhos, “porque as respostas existentes são todas elas muito frágeis”.
“O Estado não protege a mulher que está nesta situação ao nível da habitação e aí reside o problema. Porque tudo se pode tratar: o alcoolismo, a toxicodependência, os problemas de saúde tipicamente femininos […], mas sem ser num lar e numa habitação segura tudo se torna mais complexo”, defendeu.
Ana Ferreira Martins considera que o primeiro passo para ajudar estas mulheres é adotar a estratégia de “Housing First”, que está a ser seguida um pouco por toda a Europa.
“É primeiro [dar-lhes] uma habitação protegida e depois trabalhar as outras variáveis ao nível do emprego, da formação profissional, da saúde e de todas as variáveis inerentes à dimensão humana”, salientou.
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