Em comunicado, a organização não-governamental refere ter alertado, em julho último, para o "cenário preocupante" decorrente da subida do consumo de óleo de palma na produção de biocombustíveis em Portugal, entre 2017 e 2019, que mais do que quintuplicou, ao passar de 7,6 milhões de litros para 40,7 milhões de litros.
A associação ambientalista considera "um sinal positivo" o facto de o Governo português ter acolhido, em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, a proposta do PAN para que durante 2021 se procedam a diligências para restringir, a partir de 01 janeiro de 2022, a comercialização de combustíveis e produção de biocombustíveis que contenham óleo de palma.
"Parece-nos, contudo, que é importante ir mais além e, no primeiro semestre de 2021, verter a decisão de abandono da utilização de óleo de palma em 2022 na legislação nacional que irá efetuar a transposição da Diretiva para as Energias Renováveis (Diretiva (UE) 2018/2001, conhecida como REDII, cujo prazo termina a 30 de junho de 2021, e que entrará em vigor a 1 janeiro de 2022", sustenta a Zero.
Isto porque, é fundamental que, à luz do melhor conhecimento científico atual, exista uma definição clara da retirada de apoio à utilização de culturas alimentares insustentáveis para a produção de biocombustíveis, como é o caso do óleo de palma, reduzindo os níveis de utilização de outras culturas alimentares e consequente promoção de combustíveis avançados, sustenta a XZero.
Os biocombustíveis promotores de desflorestação e destruição de ecossistemas com elevado teor de carbono, como as florestas tropicais, turfeiras e zonas húmidas, que em simultâneo colocam em causa a sobrevivência de espécies emblemáticas, como o orangotango, devem ser de "forma célere, e não faseada", excluídos da lista de contabilizáveis para as metas das energias renováveis em Portugal, defende.
Para a associação ambientalista, é também necessária "transparência" na discussão, com a audição das partes interessadas, de modo a alcançar uma legislação ambiciosa em matérias para as quais a Diretiva deixa em aberto a possibilidade de uma maior exigência por parte dos Estados-Membros, nomeadamente no que respeita às metas para os biocombustíveis.
A Zero mostra-se, no entanto, preocupada com a eventualidade de o abandono da utilização do óleo de palma implique uma "quadruplicação" do recurso à soja na Europa.
Com o prazo para a transposição da Diretiva de Energias Renováveis em junho de 2021, Portugal “deve ser ambicioso quanto aos biocombustíveis, excluindo os que não são sustentáveis”, afirma, em comunicado, a organização não-governamental.
A propósito, a Zero cita um novo estudo independente da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), de que é membro, que revela que a procura de biodiesel produzido a partir de soja com origem em áreas resultantes de desflorestação poderá quadruplicar na Europa devido à política da União Europeia (UE) em matéria de biocombustíveis.
Ao referir que a produção de soja é uma “das principais causas de desflorestação na Amazónia e noutros ecossistemas ameaçados da América Latina, como o Cerrado ou o Chaco”, a Zero alerta para o facto de o biocombustível feito a partir da soja ser "duas vezes mais nocivo para o clima do que o gasóleo fóssil”.
O biodiesel de soja parece, contudo, “destinado a tornar-se uma importante fonte de biocombustível, substituindo o biodiesel de óleo de palma nos carros e camiões europeus”, a menos que a UE o declare “insustentável”, como o fez para o óleo de palma, com a publicação do Regulamento Delegado (UE) (2019/807) pela Comissão Europeia, indica.
Por isso, a Zero alerta também para a possibilidade de a procura na Europa de biodiesel produzido a partir de soja vir a sofrer um aumento de “duas a quatro vezes até 2030, comparando com os consumos atuais”.
A concretizar-se, tal facto terá “graves implicações”, sobretudo ao nível da perda de ecossistemas importantes, estimando-se um acréscimo de desflorestação em 230 mil hectares em florestas tropicais e zonas húmidas”.
“Uma área equivalente a uma vez e meia a área de Londres”, sublinha a associação, responsabilizando a legislação da UE por exigir que as empresas petrolíferas incorporem nos combustíveis fósseis biocombustíveis alegadamente "sustentáveis, para tornar os carros mais limpos”.
E a forma “mais fácil e barata” de o fazer foi recorrer a culturas alimentares como a soja ou a palma, enfatiza.
De acordo com o estudo, mais de um décimo da expansão recente da soja pode ter levado à destruição de florestas e outros sumidouros de carbono, um valor superior ao que se pensava antes e que excede o limiar, de 10%, acima do qual a CE considera que uma cultura para produção de biocombustíveis é insustentável.
O documento da Federação Europeia de Transportes e Ambiente estima ainda que, até 2030, possam ser emitidas até mais 38 milhões de toneladas adicionais de dióxido de carbono (CO2) se não forem tomadas medidas de regulação na Europa.
Para a Zero, a política europeia de biocombustíveis é um "desastre completo", que necessita de um reajustamento "urgente".
"Queimar culturas alimentares para alimentar os nossos veículos é na realidade pior do que queimar gasóleo fóssil", sustenta, alegando que os carros e camiões já podem funcionar com eletricidade limpa, assim como aviões e navios também funcionarão com hidrogénio verde e combustíveis.
Todavia, nem tudo são más notícias na Europa, acrescenta a associação ambientalista a propósito da decisão da CE de eliminar a utilização de biodiesel de palma, de forma progressiva, entre 2023 e 2030, com França e Itália a afirmarem que porão fim ao apoio ao biodiesel de palma e de soja mais cedo.
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