84.ª edição da Volta a Portugal Continente. 125 ciclistas divididos por 18 equipas, 9 delas portuguesas, perfilham-se, hoje, no centro de Portugal, em Viseu, para o arranque da mais amada e importante competição velocipédica do calendário nacional.
Partem para a estrada num prólogo (3,6 quilómetros) que “dará a volta” a 8 rotundas, uma marca de água da cidade de Viriato. O espanhol Guilhermo Garcia (Rádio Popular-Paredes-Boavista) é primeiro ciclista a pisar a Avenida Europa (15h21). Rafael Reis (Glassdrive-Q8-Anicolor) será o último, às 17h25. O colega de equipa e vencedor da Volta do ano passado uruguaio, Maurício Moreira, desliza 23 minutos antes (17h07).
São 10 dias e 1600,5 km de andamento do pelotão, um dia de descanso na cidade mais alta do país, Guarda, a 16 de agosto e o final, inédito, no Monte de Santa Luzia, a 20 de agosto, numa cronescalada a terminar em quase uma mão cheia de quilómetros de um “tapete” de piso empedrado que consagrará o último corredor de amarelo num Santuário com vista de rio e de mar.
Pelo meio, entre partidas e chegadas, assinala-se a estreia de Mação e o regresso de Ourém (1964), concelhos integrados na sub-região do médio Tejo que faz o pleno na prova (13 concelhos saem à rua para ver o pelotão passar).
E, por falar em regressos, regista-se a passagem, após longa ausência, por Sines (1981), paragem de estreia na 1.ª edição da Volta a Portugal, Anadia (1982), Estremoz (1987), Abrantes (1997), Loulé (2003), ao terceiro dia de prova e que assinala o regresso “a pedido” cinco anos depois do pelotão da “Volta” ao Algarve, e Penamacor (2005). O “Sterrato” em Fafe volta a figurar no percurso da prova que leva o povo a sair à rua.
Como pontos de cisão entre fracos e fortes, humanos e super-corredores, as etapas da Torre (Serra da Estrela, 5.ª etapa), Serra do Larouco (Montalegre, 7.ª) e Senhora da Graça (Mondim de Bastos, 9.ª) prometem ter uma palavra sobre quem terminará de amarelo a 20 de agosto, numa cidade de Viana do Castelo a viver a festas da Nossa Senhora da Agonia.
Quem destrona Maurício Moreira e a Glassdrive?
Após a nuvem negra do doping ter ensombrado da prova do povo, o passaporte biológico imposto pela Federação de Ciclismo de Portugal (FPC) promete devolver a credibilidade ao ciclismo nacional em geral, e à “Portuguesa”, em particular.
Baixou-se o pano do reinado da W52 FC Porto (equipa suspensa das provas de ciclismo) e subiu ao palco, no ano passado, a Glassdrive-Q8-Anicolor, ao ocupar os três primeiros lugares do pódio da última Volta a Portugal e a vencedora por equipas. O uruguaio Maurício Moreira, 28 anos, vencedor no ano passado, é, tal como o resto do pelotão de Águeda, o alvo a abater.
“A Volta a Portugal é o ponto alto da nossa época, é a corrida mais importante do nosso calendário e como é óbvio todas as equipas querem estar em evidência. Nós não somos exceção, queremos fazer o nosso melhor e iremos trabalhar para terminar a corrida com um grande resultado e dignificar os nossos patrocinadores e os nossos parceiros”, afirmou Rúben Pereira, diretor desportivo da Glassdrive / Q8 / Anicolor, citado num comunicado.
Uma meta traçada para a qual contribuiu “um orçamento anual de 700 mil euros” conforme sublinhado ao SAPO 24 pelo gabinete de comunicação. Mais meio milhão de euros que a jovem formação da Kelly / Simoldes / UDO, projeto sediado em Oliveira de Azeméis. “O Orçamento para gastos na Volta, ronda os 20 mil euros, enquanto o orçamento anual é de 200 mil”, disse Luís Pinheiro, um dos responsáveis da equipa.
Os olhos dos amantes do ciclismo estão fixados no corredor uruguaio que parte com o dorsal número 1. “O Maurício é teoricamente o favorito”, aponta Teixeira Correia, jornalista e decano speaker da Volta. “Mas há corredores mais escondidos como o Henrique Casemiro (Efapel), Luís Fernandes (Boavista), António Carvalho (Feirense), ex-Glassdrive e sobrinho de Fernando Carvalho, vencedor em 1990, ou espanhol Vicente de Mateo (Louletano), que corre há muito em Portugal, assim com o galego Délio Fernandez (Tavira)”, citou.
Maurício Moreira, 28 anos, é o número 1 no Coração do Pelotão. Embora a equipa não o assuma como chefe de fila, carrega essa “camisola” em busca do bis. Terá no português Frederico Figueiredo, 32 anos, 2.º classificado em 2022 e 3.º, em 2021, o homem para fazer grande parte do trabalho de pedalar em prol da vitória coletiva (e, muito provavelmente, do segundo triunfo na Volta), bem com o russo Artem Nych, uma contratação para dar frutos coletivos, mas que pode terminar com um a nível individual.
Muitos a trabalharem para um ciclista chegar ao Olímpio e todos a laborarem por todos é, desde há muito, a estratégia de alcateia encetada em todas as “Voltas” deste mundo e que está tão bem retratado na série da Netflix – Tour de France, no Coração do Pelotão.
Na Portuguesa não é diferente e a mesma estratégia é desenhada em cada um dos 18 micro-pelotões de corredores que largam de Viseu. “Temos o Adrian Bustamente para a geral e o Luís Gomes para as etapas”, desvenda Luís Pinheiro, Kelly Simoldes UDO, a título meramente exemplificativo sobre o plano desenhado.
De regresso aos favoritos à vitória, “o Frederico Figueiredo, pelo trabalho últimos anos e na eventualidade do Maurício Moreira não estar em condições, pode vencer”, antecipa a voz que se escuta há 30 anos a cada partida e chegada da Volta.
“No ano passado, foi refreado para não ganhar antes da fuga à chegada ao Observatório de Vila Nova. Tudo estava preparado para o Maurício ganhar”, recordou.
“O Frederico pode ficar aborrecido, é um miúdo humilde, mas era o que estava estabelecido”, relembrou, trazendo à tona da conversa um exemplo bem português neste tema de pedalar pela vitória de outro. “O Nélson Oliveira, na Movistar, é o melhor trabalhador do mundo e ele mesmo assume que é bem remunerado para a função que desempenha”, exemplifica.
Ao olhar para a lista de inscritos, Teixeira Correia acredita que a 84.ª edição da Volta a Portugal poderá ter um ciclista nacional a levar para casa os 15 mil euros (15,101) de prémio de vencedor da prova rainha. “Poderá ser um corredor português a ganhar”, acredita.
Na luta pela amarela, este ano um fator X poderá influenciar a classificação geral. “O regresso das bonificações, um dado anunciado após a apresentação da Volta vai alterar a corrida”. Futurologia, ou não, os 30 anos a comentar a prova mais amada do calendário velocipédico dão-lhe estatuto para antecipar as relações causa-efeito. “As bonificações (segundos) nas metas-volantes e nas chegadas altera a estratégia das equipas”, antecipa. “O vencedor do prólogo não fica garantido de amarelo a seguir como aconteceu noutros anos (Nélson Reis no ano passado andou de amarelo quatro dias) e pode fazer a diferença”, antevê.
Uma Volta diferente das outras
“Não temos um Pogacar-Van der poel (ou Vingegaard, acrescentamos), mas na Volta a Portugal em bicicleta, com exceção ano passado, tem havido grandes duelos”, garante Teixeira Correia.
“A Volta a Portugal, adorada pelo povo, é completamente diferente das outras que se disputam no mundo”, sustenta. A explicação maior está nas altas temperaturas sentidas no mês agosto. “As equipas têm de estar habituadas ao clima e às chegadas demolidoras à Guarda, mas que não damos valor, ou o Alto do Larouco”, sublinhou.
A esse propósito, em jeito de despedida de conversa com o SAPO 24, Teixeira Correia, speaker da Volta a Portugal em Bicicleta, recorda um episódio de (mudança de) nomenclatura. “A Grandíssima é uma história que apareceu nos anos 95-97. Nessa altura, vinham equipas de Itália, tinha a duração de 15 dias e etapas de mais de 200 km, os corredores vinham do Giro e do Tour nas pernas, com o calor terrível diziam que eram etapas Grandíssimas. Não era a Volta em si, mas a dureza das etapas e o calor”, finaliza.
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