Com as eleições legislativas ao virar da esquina, os partidos políticos vão-se agarrando às sondagens para fazer valer o discurso. Os números alimentam os debates sobre carga fiscal e cativações, sobre a necessidade de investimento e a dívida pública. As percentagens sobre a intenção de voto dos portugueses que fazem variar o tamanho das barras azuis, vermelhas, rosa e laranja nas capas dos jornais levam uns à esperança de poderem vir a entrar no parlamento, outros de governar o país e de outro utilizarem o velho clichê - que tantas vez já se fez verdade - de que “sondagens não ganham eleições”.
Ao contrário de qualquer outro partido que por aí ande, não há sondagem que dê esperança a este Benfica europeu que também não fará questão de puxar os números para a discussão, com a temporada 2017/18, em que os encarnados terminaram a fase de grupos da Liga dos Campeões com zero pontos, ainda a assombrar os adeptos, e o agregado dos últimos 15 jogos na competição a serem pouco favoráveis (12 derrotas - 1 empate - 2 vitórias).
Num país politizado e a poucos dias de ir às urnas, as águias correm o risco de ser confundidas com um daqueles partidos cujo eleitorado nunca percebeu muito bem a posição em relação à Europa. Falavam nela nos anos 60, mantiveram o discurso europeísta até aos anos 90, mas desde o virar do século que tudo lá fora parece estranho e têm-se focado mais na política nacional e em roubar ‘a maioria’ ao FC Porto.
Depois de uma primeira jornada da ‘Champions’ em que a política europeísta continuou desaparecida, com Bruno Lage a promover várias alterações ao onze inicial habitual dos encarcanos nesta temporada (apostando na titularidade de Tomás Tavares, Fejsa, Franco Cervi e Jota), hoje, na Rússia, o treinador das águias apresentou um onze próximo daquilo que os adeptos pediam: jogadores rotinados e que têm dado garantias.
À exceção de um Jardel lento e com poucos minutos (e que, até aqui, apenas tinha alinhado num jogo a contar para a Taça da Liga), o restante onze eram jogadores habituados a jogar entre si. Mais, havia uma novidade que entusiasmava: Gabriel e Taarabt juntos no mesmo 11. A dupla prometia um meio-campo dinâmico e capaz de colmatar a falta de transição ofensiva do Benfica desde a saída de João Félix para o Atlético de Madrid no verão, para além de que dava força, posse e visão ao miolo encarnado com o objetivo de aproveitar os espaços que o Zenit deixava no rasto das transições ofensivas.
A ideia era boa, o plano estava montado, mas o Benfica escorregou na sua própria culpa. Depois de dez minutos entusiasmantes de futebol, em que brilharam primeiro Vlachodimos e Jardel após remate - e recarga - de Dzyuba, surgiu depois Seferovic com um cabeceamento na sequência de um canto a rasar o poste direito da baliza defendida por Lunev, e, finalmente, Douglas Santos, que rematou por cima da baliza com a bola a beijar a barra, o jogo tornou-se morno.
Era impossível, no entanto, que quem estava a assistir tivesse pensado que estava passar os olhos pela única ocasião de golo dos encarnados na partida. E isso é sintomático do que foi o jogo do Benfica.
Aos 23 minutos, Odysseas Vlachodimos passou a bola a Fejsa, que a recebeu de costas para o meio-campo adversário e não viu chegar Ozdoev que, por sua vez, ofereceu o golo a um Dzyuba. O russo não se fez rogado diante do guarda-redes grego. Estavam abertas as "hostilidades" na partida.
O Benfica ia para o intervalo com mais posse de bola e mais remates - quase todos de meia distância -, mas com um futebol mais inconsequente. O Zenit, por outro lado, parecia mais perigoso, com Azmoun e Dzyuba irrequietos na frente, sempre à procura de linhas de passe.
Pedia-se uma nova vida para os encarnados na segunda parte e com as saídas de Pizzi e Fejsa e as entradas de Carlos Vinícius e Caio Lucas, o Benfica viria a viver o seu melhor período. O interior da área russa já não era uma miragem e Caio Lucas, na esquerda, fazia mexer uma linha defensiva robusta e que parecia intransponível. Gabriel, de longe o melhor jogador da formação encarnada, já não parecia sozinho em campo.
Curiosamente, quando o Zenit já não rematava à baliza do Benfica há 20 minutos, chegou ao 2-0 num autogolo infeliz de Rúben Dias que, ao tentar roubar o golo a Azmouz, introduziu a bola na própria baliza.
Esta era a sentença do Benfica que agora, perante uma linha de cinco defesas, se via desanimado e sem ideias para penetrar na área adversária. O caso tornar-se-ia pior quando, após mais um erro da equipa portuguesa, o placard assinalou o 3-0 a favor da formação da casa. Falta na linha de meio-campo, a equipa do Benfica desliga-se do jogo, o Zenit marca de forma rápida o livre, Dzyuba abre as pernas e deixa passar para Azmoun que contorna Vlachodimos e faz o terceiro golo russo.
E o resultado só não se dilatou dois minutos depois, naquele que seria o bis para o iraniano do Zenit, graças à meticulosa linha do VAR, que anulou o golo por fora de jogo perante uma defesa encarnada que ficou petrificada a pedir que o árbitro auxiliar levantasse a bandeirola em vez de tentar impedir o quatro dos russos.
A derrota parecia garantida e o único ponto positivo do jogo chegou apenas aos 79’ quando Raúl de Tomás entrou para o lugar de Seferovic, pela primeira vez com o seu nome na camisola sem ser em siglas. O espanhol, formado num dos emblemas que mais conseguiram no futebol europeu (Real Madrid), assim que se posicionou diante da defesa do Zenit esbracejou pedindo movimentações aos colegas de equipa, tal e qual um europeísta insatisfeito com a fraca política além fronteiras do clube. E minutos depois fez um golaço: apanha uma bola afastada por um defesa da formação russa, olha para a baliza e dispara um autêntico míssil ao ângulo superior esquerdo das redes do Zenit. Lunev ainda toca na bola, mas sem força suficiente.
O 3-1 seria o resultado final e o Benfica somou a segunda derrota consecutiva na Liga dos Campeões nesta temporada, mas poderá ter ganho um inconformado com a situação anormal de uma equipa que começou a época com o futebol de boas graças com que conseguiu conquistar o título em maio, e que por esta altura pratica um jogo em que parece que falta sempre um elemento de ligação, entre o meio-campo e o ataque, entre a equipa e a Europa. Faltará Félix, faltará sorte. Hoje, pelo menos, aprendemos a escrever RDT por extenso, ouvimos os locutores a meterem cá fora aquele sotaque espanhol que andaram a praticar na pré época para pronunciar R-a-ú-l d-e T-o-m-á-s. O inconformismo de um pode gerar uma revolução, e Lage provavelmente vai ter de colocar a melhor lição de democracia que o Benfica já viu nos últimos anos no relvado do Estádio da Luz, no jogo diante do Lyon no final de outubro.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
A receção e perda de bola no primeiro golo do Benfica fez-me lembrar os festejos do LIVRE há quatro anos, quando as sondagens à boca da urna lhes podiam dar um deputado na Assembleia da República. Parecia que ia correr tudo bem, mas depois apareceu um partido ecologista que sorrateiramente lhes tirou o lugar. Não conheço a pegada ecológica de Ozdoev, mas vi que Lage ainda não conseguiu reciclar Fejsa.
Dzyuba, a vantagem de ter (quase) dois metros
Dzyuba foi hoje um partido ditatorial e autoritário, servido por bons sovietes. Quem sabe se ter onze camisolas vermelhas em campo não o terá levado a repensar o comunismo e a transformá-lo em golos. Se assim foi, diria que Luís Filipe Vieira devia reclamar a distribuição desigual dos tentos.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
O golo de Raúl de Tomás neste jogo era o equivalente a que, no domingo, um dos partidos pequenos vença as eleições. Era um grande pontapé nas sondagens, mas só íamos ver se o futuro seria bonito depois.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Aquele que poderia ter sido o quarto golo do Zenit, em que a linha defensiva do Benfica ficou a assistir à construção do tento enquanto pedia fora de jogo, fez-me lembrar a direita a protestar contra a solução de governo em 2015. Azar para o CDS e PSD, uma vez que não há fora de jogo na política.
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