Recolhida pela segunda vez no seu canto (aos 2m23 segundos do combate e aos 2m14s), em conversa com o treinador Emanuele Renzini, argumentou, em sua defesa, a dureza de dois duros golpes sofridos no nariz e levantou o braço.

Após a validação do juiz guatemalteco, Emerson Alejandro, foi decretada a vitória de Imane Khelif (braço esquerdo elevado ao ar) e a italiana, ajoelhada no centro do ringue, desfez-se numa avalanche de lágrimas.

Sem o tradicional cumprimento de final de combate – por duas vezes Carini não devolveu qualquer gesto de felicitações a Khelif –, a pugilista napolitana sussurrava a frase: “não é justo”, escutou-se na transmissão do Eurosport.

Uma questão de elegibilidade para o COI e para a Associação Internacional de Boxe

As explicações viriam em seguida e remontam a factos passados e a uma recente controvérsia de elegibilidade da adversária.

Imane Khelif, 25 anos, da Argélia, tal como Lin Yu-ting (Taiwan), entraram nos Jogos Olímpicos de Paris2024 após terem sido desqualificadas no Mundial de Boxe (World Boxing Championships), em Nova Deli, Índia, em 2023, por não cumprirem os critérios de elegibilidade de género e cromossoma.

Os testes de ADN provaram “que tinham cromossomas XY e foram excluídas da prova”, afirmou, na altura, Umar Kremlev, presidente da Associação Internacional de Boxe. A decisão foi sustentada “após análise abrangente e teve como objetivo defender a justiça e a integridade da competição”, reforçou a AIB, federação essa que não regula a prova olímpica.

Sem tecer comentários sobre as duas pugilistas em causa, dias antes do início dos combates, Mark Adams, porta-voz do Comité Olímpico Internacional, defendeu a posição tomada pelo COI ao afirmar que “todas as que competem na competição feminina cumprem as regras de elegibilidade da competição. São mulheres nos passaportes e está lá escrito que são mulheres”, rematou.

“(Desistir) Não é uma derrota para mim”

“(Desistir) Não é uma derrota para mim. Estar aqui, passar pelas cordas é uma honra”, revelou aos jornalistas Angela Carini. “Sempre lutei como uma guerreira, mas até as guerreiras, às vezes, desistem. Quando a batalha está perdida, enfiam a espada no chão, com honra. Foi o que fiz. Não desisti, apenas disse a mim mesmo que não era a minha hora. Tenho de aceitar e seguir em frente”, acrescentou.

Afastando rumores que teria cedido a pressões e aos pedidos de boicote ao combate, a italiana explicou as razões da desistência. “Tentei lutar. Queria vencer. Recebi duas pancadas no nariz e não conseguia mais respirar, doeu muito, procurei o treinador Renzini e com maturidade e coragem disse basta”, contou.

“Sempre subi ao ringue com honra, sempre lutei, lealmente, pelo meu país, mas desta vez não consegui lutar mais”, confessou, abstendo-se de comentários sobre a admissão da atleta da Argélia nos Jogos Olímpicos.

"Não sou ninguém para julgar ou tomar uma decisão, se está aqui haverá uma razão. Lutei e subi ao ringue apesar da controvérsia e não tenho nada contra a minha adversária”, disparou.

“A Angela recebeu centenas de mensagens, inclusive nas redes sociais, convidando-a a não lutar pela sua segurança e em sinal de protesto. A argelina está aqui porque o COI tomou esta decisão, que é muito difícil de tomar porque o caso é complicado. Certamente também têm sofrido com tudo”, reforçou Emanuele Renzini.

“Teria sido mais fácil não aparecer porque tinha toda a Itália a pedir-lhe para não combater”, reconheceu. “Claro que, quando viu a adversária no sorteio, disse: “não é justo”, recordou o treinador. “Não houve qualquer premeditação. Desistiu após ter sofrido um golpe e disse-me que não conseguia lutar”, adiantou ainda.

Meloni ao lado da pugilista transalpina. Salvini fala de atleta trans

O combate Angela Carini-Imane Khelif começou antes mesmo de começar. E chegou ao governo italiano.

O vice-primeiro-ministro, Matteo Salvini, que antes tinha apelidado a pugilista argelina de trans - carregou de elogios a compatriota e catalogou o combate como uma “cena pouco olímpica".

Giorgia Meloni, presente na Casa Itália, em Paris, para assistir às provas dos atletas transalpinos nas diversas competições olímpicas, prolongou as críticas. “Não concordo com os regulamentos do COI (alteração em 2021 e que faz com que os critérios usados em Paris sejam menos restritos dos usados em Tóquio2020)” que legitimam a participação da atleta argelina Imane Khelif no torneio de boxe dos Jogos Olímpicos de Paris, comentou a primeira-ministra italiana.

“Com estes níveis de testosterona presente no sangue da pugilista argelina, não era um combate justo”, disse. “Defendo que atletas com características genéticas masculinas não devem ser admitidas em competições femininas. Não para discriminar alguém, mas para proteger o direito das atletas femininas de poder competir de igual para igual”, sustentou.

Argelinos reagem e falam em mentiras

"É sempre gratificante ganhar numa competição tão importante, mas continuo concentrada no meu objetivo de ganhar uma medalha". Estas foram as breves palavras de Khelif, alheia à controvérsia.

Os comentários de Salvini mereceram comentários na rede X e o Comité Olímpico da Argélia (COA), por sua vez, respondeu aos “ataques maliciosos e pouco éticos dirigidos contra a nossa ilustre atleta, Imane Khelif, por alguns meios de comunicação social estrangeiros" e criticou as "mentiras", catalogando-as de "completamente injustas".