Carlos Queiroz celebra hoje, 1 de março, 70 anos de idade. O selecionador do Catar, a sétima seleção a orientar em 40 anos de carreira, depois de Portugal (sub-20 e seleção A), em duas ocasiões, Emiratos Árabes Unidos (EAU), África do Sul, Colômbia, Egito e Irão (duas vezes), em entrevista ao site oficial da Federação catari falou sobre o papel do treinador e a evolução do futebol, numa viagem pelo mundo redondo da bola, desde os tempos em que começou a sentar-se no banco até à atualidade.
“Consolidados conceitos e métodos, os fundamentos técnicos, táticos, físicos e mentais do jogador e do futebol contemporâneo”, antecipa que o maior desafio da atualidade futebolística é “o cérebro” e tudo o que diz respeito ao “treino das tomadas de decisão do jogador”, seja esta executada no futebol formação ou na alta competição.
Ao exemplificar com o “potencial inovador do treino virtual”, assegurou que “as novas descobertas” científicas no estudo do cérebro abrem abordagens no “treino”, “jogo” e na “competição”, enumerou.
“Não tenho a certeza se ainda podemos falar do mesmo jogo de futebol”
A presença em quatro Mundiais em outros tantos continentes — África em 2010 (África do Sul), ao comando da seleção nacional, América (Brasil), em 2014, Europa (Rússia), em 2018 e Ásia (Catar), em 2022, ao serviço do Irão —, tendo sido o único selecionador a apurar seleções diferentes para as quatro competições, assim como as passagens por diversos clubes — Sporting Clube de Portugal, New York MetroStars (EUA), Nagoya Grampus Eight (Japão), Real Madrid (Espanha) e Manchester United (Inglaterra), na qualidade de adjunto de Alex Ferguson —, conferem-lhe estatuto de globetrotter e autoridade para um olhar (crítico) sobre o presente do desporto mais popular do mundo.
Ao sítio oficial da federação catari, Queiroz, com a experiência de 40 anos no banco, examinou o atual jogo de futebol e não se atreveu a compará-lo com aquele no qual deu as orientações. “Não tenho a certeza se ainda podemos falar do mesmo jogo de futebol”, disse. “Olho para o futebol contemporâneo e, por vezes, não sei bem do que estamos a tratar”, avisou.
Embora reconheça que este “ainda tem os vestígios da ética do futebol original, do seu romantismo”, prefere apelidá-lo de “o jogo do winning business”, acrescentou.
E compara futebóis. “Antes, primeiro criavam-se os troféus, as competições e logo as mais-valias financeiras e o mérito eram atribuídos aos campeões”, notou. “Hoje, criam-se e calculam-se mais-valias financeiras e logo lhe atribuímos o nome de um troféu qualquer”, contrapôs, de seguida.
Do romantismo aos jogadores milionários
Se no início o treino era dirigido a “heróis ingénuos e românticos”, a bola começou, depois, a ser tratada por “profissionais”, até chegar ao atual treino de “milionários”, referiu. “Hoje treinamos autênticas empresas, com interesses diferenciados e por vezes até antagónicos na mesma equipa”, alertou.
Quatro décadas a formar e liderar plantéis, seleções e clubes, permite-lhe reconhecer que, “por culpa própria”, o treinador “baixou na escala de valor e de importância” e que o “espaço de importância e território de intervenção” destes foi cedido aos “agentes de futebol e aos media em geral”, sublinhou.
Destacou a perversidade em que estes dois atores se colocam. “Agentes que curiosamente nunca perdem jogos, mas que também nunca ganharam nenhum”, frisou.
Ao invés, “aos treinadores cabe sempre, por responsabilidade e exigência própria, cuidar da génese do jogo e da sua única verdade aceitável: os 3 pontos”, rematou.
Os três mundiais
Para o novo homem forte da seleção árabe, compete a quem dirige a equipa a partir do banco “trabalhar o progresso, defendendo e promovendo ao mesmo tempo esse conceito sublime de triunfar em equipa, e, ao mesmo tempo zelar, pela ética fundamental do jogo”.
Treinador com 131 vitórias enquanto selecionador, em 236 jogos (60 empates e 45 derrotas), terceiro na hierarquia mundial (tabela liderada por Mário Zagalo, 123 triunfos em 187 partidas) e detentor de dois títulos mundiais de juniores, Riade (1989) e Lisboa (1991), ao serviço da seleção das Quinas, deixa escapar um grito de alerta sobre os “graves riscos” que o “futebol internacional de seleções e de clubes” corre.
Na viagem pelos 40 anos de carreira, Carlos Queiroz destacou três marcos em outros tantos mundiais. O de 1966, em Inglaterra, pelo “impacto que teve na minha juventude, sobretudo pelo exemplo e contributo dos moçambicanos na seleção de Portugal (Queiroz é natural de Nampula, Moçambique), o de 1982, em Espanha, durante o qual deu os “primeiros passos no mundo do scouting e análise de adversários para aquela fantástica seleção do Brasil” comandada por Tele Santana e Moraci e, como não poderia deixar de ser, a “conquista do primeiro Mundial sub-20 com Portugal”, em Riade.
Em nome do pai
Orgulhoso em vestir a camisola do Catar, Queiroz acredita que o futebol continua a ter “o mesmo valor simbólico de sempre”, atira. “A paixão pelo jogo de futebol que, acredito, continua a ser a chama que arde, a fonte que me entusiasma e me motiva acordar todos os dias na procura de melhorar”, reforçou.
Procurará, por isso, “melhorar sempre" e poder continuar a dar o seu "contributo para o desenvolvimento de jogadores e construção de equipas para a competição. E no final, claro, saborear esse resultado único que o futebol nos traz: aprender ou... ganhar! Sinto este mesmo desejo, esta mesma inquietação e este mesmo inconformismo, desde o primeiro dia”, assegurou.
Para o fim, deixou uma mensagem para o pai, também ele jogador e treinador de futebol. “Não tendo sido capaz de ter sido melhor jogador do que ele (foi guarda-redes), sobrou-me tentar ser melhor treinador. Não consegui nem uma coisa nem outra. A ele devo tudo e a ele dedico tudo”, finalizou Carlos Queiroz.
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