#DiárioDaRússia: Maksud, o russo que queria ser Ronaldo

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Havia um sonho perto de mais para não se tentar, um que não dependia de mais ninguém a não ser dele. Kratovo fica a uma hora de distância de Moscovo, Maksud meteu-se no comboio e tentou conhecer Cristiano Ronaldo. Na viagem de regresso conheceu-nos e relatou-nos os seus últimos anos, em que sonhos caíram e outros tiveram de nascer.
#DiárioDaRússia: Maksud, o russo que queria ser Ronaldo
MadreMedia

Tínhamos perdido o comboio de Kratovo para Moscovo e o próximo só vinha dali a uma hora. Abrigados da chuva, debaixo da cobertura daquela estação, um indivíduo interpela-nos. De vocábulos completamente imperceptíveis para quem não fala nenhum russo, respondemos com um acenar de cabeça dizendo que não, que não entendíamos o que dizia. O homem insistiu com um peixe numa mão e a apontar para uma garrafa verde escura que tinha deixado no banco, uns metros atrás, com a outra. O homem tanto insistiu que um voluntário da organização do Mundial, que também aguardava pelo comboio com direção para a capital russa, deu um passo à frente e assumiu o papel de tradutor: “Ele está a perguntar se querem provar Kvass e uma espécie de peixe seco”.

Voltámos a dizer que não, agora com a certeza de que iríamos ser compreendidos. Tradições negadas, estávamos diante de Maksud Kasimov, um jovem de 18 anos que vivia em Moscovo e que tinha ido até Kratovo para tentar o autógrafo do seu ídolo, Cristiano Ronaldo.

“Não tive sorte, só deixavam entrar media e pessoas da Federação”, disse-nos. Na sua mala levava uma camisola do Real Madrid para o capitão da seleção portuguesa autografar. “Tenho uma coisa que vos quero mostrar”, diz-nos. A camisola, amolgada, já tinha sido estreada com tinta de caneta por um português, André Silva. Foi numa concentração da seleção, num treino aberto, que Maksud recebeu a assinatura do ponta de lança da seleção portuguesa e do AC Milan. “Ele foi dos poucos a interagir com o público, eu na altura estava de muletas e ele veio direito a mim, fiquei tão nervoso que só consegui dizer ‘gracias’”, confessou-nos.

créditos: MadreMedia

As muletas são memórias de tempos difíceis. Kasimov sonhava ser jogador de futebol profissional, extremo-esquerdo. Seguir as pisadas do ídolo português. Chegou, inclusive, a receber uma proposta de contrato do CSKA. Mas uma lesão no joelho que o colocou numa lista de espera de um ano para ser operado, e a falta de apoio da família, atiraram-no para fora dos relvados. “Eu era bom. Não sou eu que o digo, mas sim as pessoas que me viam jogar, eu era muito bom. O meu sonho era ser jogador de futebol e ninguém me apoiou”, lamentou.

Agora Maksud tem outro sonho, o de passar nos exames e entrar na universidade pública de Moscovo para o curso de Economia e tornar-se num dos melhores do mundo nessa área. “Queres ser o Ronaldo da economia?”, pergunto. “Sim”, diz entre sorrisos, “agora sim”.

O sonho é ter dinheiro para viajar pela Europa e pelo mundo num roteiro que inclui Lisboa. “A minha namorada esteve lá, em Lisboa, e disse-me que é uma cidade muito romântica. Já estive em Espanha, mas quero muito conhecer Portugal”.

A paixão por Ronaldo começou em 2014 quando o Real Madrid se tornou no seu clube ao conquistar a La Décima (a 10ª Liga dos Campeões da sua história). “Não apoias um clube cá?”, pergunto. “Não, porque qualquer um que eu escolhesse apoiar na escola iam-me perguntar porque é que escolhi o Lokomotiv e não o CSKA, ou porque é que escolhi o CSKA e não o Spartak… Não quero essas confusões, por isso prefiro apoiar um clube estrangeiro”.

A paixão por Portugal, essa, vem da paixão por CR7. “Vou apoiar Portugal no Mundial, fiquei muito, muito feliz quando ganharam o Europeu em 2016”. Mas e a Rússia, perguntamos quase em coro no dia em que a seleção anfitriã voltaria a entrar em casa para o segundo jogo do torneio. “Depois do primeiro jogo temos mais esperanças, mas não sei. Os resultados nos últimos anos fazem com que as pessoas não tenham muita esperança. Vamos ver. Tenho a Rússia e Portugal”, sorri.

Uma escolha difícil uma vez que é um dos jogos possíveis de acontecer nos oitavos-de-final, entre uma equipa do Grupo A e outra do Grupo B. “Aí não sabia quem apoiar. Era quase como me pedirem para escolher entre mãe e pai”, responde meio atrapalhado.

Maksud tinha o sonho de conhecer Cristiano Ronaldo. Sonhou ser Ronaldo, mas não o deixaram. Mas durante uma hora de viagem sentiu-se um pouco mais perto de qualquer um deles e ficou a promessa de que não desistiria. “O Vardy também começou tarde não é?”, diz entre sorrisos.

De Kratovo a Portugal foi uma hora de distância.


Diário da Rússia é uma rubrica pela voz (e teclas) de Abílio Reis e Tomás Albino Gomes, equipa do SAPO24 enviada à Rússia para fazer cobertura do Mundial. Um diário que é mais do que futebol, porque a bola não se faz só de bola, mas também das pessoas que fazem a festa. Acompanhe a competição a par e passo no Especial "Histórias de futebol em viagem pela Rússia".

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