“Nós nunca informámos o Comité Paralímpico que havia casos positivos. Deixe-me só dar um exemplo. Imagine que estamos a conversar sobre circulação rodoviária: há um limite de velocidade de 100 km/hora, a GNR não comunica aos condutores que estão abaixo dessa velocidade. Comunica aos que ultrapassaram essa velocidade, no caso de o radar os detetar”, comparou.
Manuel Brito reagia assim às críticas dos responsáveis do Comité Paralímpico de Portugal (CPP), nomeadamente do seu presidente, José Lourenço, que ainda em Paris, e antes de ser conhecido o positivo do ciclista Luís Costa, bronze no contrarrelógio da classe H5, tinha defendido que a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) devia ter garantindo que os resultados das análises feitas ainda em Portugal aos 27 atletas paralímpicos que participaram em Paris2024 estavam disponíveis antes da partida para França.
“Quando viemos para aqui, vínhamos convencidos de que os resultados das análises feitas em Portugal não demoravam esta eternidade, que soubermos agora são 20 dias, o que me parece um prazo excessivo”, afirmou José Lourenço, em 08 de setembro, data em que só era público o positivo de Simone Fragoso.
Depois de três participações como nadadora, Fragoso, de 41 anos, preparava-se para competir no torneio de powerlifting, mas foi afastada da competição na sequência de “um resultado analítico adverso” num controlo antidoping realizado em 31 de agosto, em Paris.
“Há uma coisa que eu não comento nem comentarei, o relacionamento institucional com o Governo, com o movimento desportivo. Não faço, nem farei. Portanto, as afirmações são de quem as fez e eu tenho por hábito, quando há uma dificuldade ou quando há uma divergência, agarro no telefone e telefono. Não falo pela comunicação social”, salientou o presidente da ADoP, em entrevista à agência Lusa.
No entanto, instado a pronunciar-se sobre o eventual atraso no processamento das amostras, Brito recordou que não pode interferir no Laboratório de Análises de Dopagem (LAD).
“O sistema antidopagem assenta em três pilares: o Colégio Disciplinar Antidopagem, que é o nosso tribunal, digamos, para questões disciplinares. A ADoP, que faz os controlos antidopagem, organiza a instrução dos processos disciplinares, faz a educação, etc., e o laboratório. O laboratório não é nosso. O laboratório é do Instituto Ricardo Jorge, que é do Ministério da Saúde. E, portanto, eles têm de obter as normas da AMA [Agência Mundial Antidopagem] e cumpriram. […] Não tendo sido comunicado nenhum caso adverso, estavam cumpridas todas as datas possíveis”, reforçou.
Ainda assim, numa alusão à sugestão de José Lourenço de que a ADoP “deveria ter antecipado o controlo dos atletas, ou seja os atletas não deveriam ter feito análises no dia 23, mas sim 20 dias antes”, para que os resultados fossem conhecidos antes de Paris2024, Manuel Brito lembrou que “as normas e as recomendações” da AMA dizem que os testes têm de ser realizados “o mais próximo possível das datas de realização dos Jogos” Paralímpicos.
Brito salientou ainda que o organismo ao qual preside “não tem nada a ver” com os processos disciplinares em curso relativamente a Luís Costa e Simone Fragoso.
“Não é um assunto da ADoP, porque […] os casos positivos que se registaram foram de controlos feitos em França, em Paris. A ADoP foi a primeira entidade a saber que havia resultados adversos. Porquê? Porque antes de seguir um processo disciplinar tem que se saber se o atleta tem ou não uma autorização de utilização terapêutica e isso está com a ADoP. São dados clínicos, portanto eu não posso saber. Tinha que ser a médica que coordena, que é responsável por essa área, que tinha que dar a informação. Demos a informação e, a partir daí, desenvolve-se o processo disciplinar, as suspensões, etc., e os eventuais recursos que os atletas têm direito, legitimamente”, esclareceu.
Do ponto de vista temporal, segundo o responsável máximo da luta antidopagem em Portugal, “compreende-se ou sabe-se” que as substâncias detetadas nos controlos de Costa (clortalidona, um diurético que é “um agente mascarante”) e Fragoso (esteroide) “foram introduzidas durante os Jogos” Paralímpicos, que decorreram entre 28 de agosto e 08 de setembro.
“Recebemos os relatórios, não poderei falar sobre isso, porque são confidenciais e, como digo, os atletas têm direito à sua defesa. Isso é sagrado. […] Sendo a ADoP a primeira a saber que havia um problema, dando nós a chave para a continuação, que é dizer que não havia uma autorização terapêutica, a partir daí foi-nos comunicado que havia uma irregularidade, havia um resultado adverso e, que ao mesmo tempo, informaram o chefe da Missão, a ADoP, no caso do ciclismo, por exemplo, a UCI [União Ciclista Internacional], a AMA, e estas entidades foram informadas todas ao mesmo tempo. Agora, o processo disciplinar não é connosco, não sei muito mais e se soubesse também não podia dizer”, concluiu.
"Do ponto de vista logístico, foi um ano complicado"
Em ano de Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a ADoP desdobrou-se em controlos fora e em competição, tendo, à data, recolhido 1.667 amostras (1.389 de urina, 168 para o passaporte biológico e 110 de hormona de crescimento.
"No caso dos Jogos Olímpicos, surgiu um problema muito complicado, que foi uma exigência, por cima das exigências e dos 'standards' da Agência Mundial Antidopagem [AMA], mas colocada pela World Athletics. Por exemplo, cada atleta que poderia ir aos Jogos - candidato, ainda não estava determinado - tinha que ter sete controlos fora de competição", recordou.
"Do ponto de vista logístico, foi um ano complicado", admitiu o presidente da ADoP.
Em março, a World Athletics determinou que os atletas de Portugal, Brasil, Equador e Peru teriam de enfrentar controlos antidoping mais apertados fora de competição para serem elegíveis para os Jogos Olímpicos Paris2024, após recomendação da Unidade de Integridade do Atletismo (AIU), que considerava insuficiente o número de testes naqueles países.
"Nós cumprimos com muita dificuldade, muita dificuldade, porque a própria AMA não exige isso. E houve países que não cumpriram e puseram a World Athletics em tribunal e ganharam, caso do Brasil", exemplificou.
Do "ponto de vista operacional", a determinação da federação internacional de atletismo, que Manuel Brito conheceu pela imprensa, "levantou problemas muito difíceis".
"No fundo, é a World Athletics - o atletismo é muito importante nos Jogos -, a defender-se de escândalos diversos, de corrupção, de casos de dopagem, etc. Mas as autoridades antidopagem não estavam propriamente avisadas. Ora, isso veio introduzir, além dos problemas normais que temos em cumprir com as exigências dos Jogos Olímpicos ou Paralímpicos, um acréscimo de dificuldade", reconheceu.
O presidente da ADoP garante que tudo foi feito "para que nenhum atleta estivesse em risco de não ir" a Paris2024.
"Vejam o que era a frustração, além do escândalo obviamente, mas a frustração de um atleta que tinha marcas para ir aos Jogos Olímpicos não ir porque [...] a ADOP não teve a oportunidade de fazer um controlo", elucidou, detalhando que "esse problema preocupou bastante entidades diversas".
Assim, e apesar de um reforço de três pessoas ao longo deste ano, foi desafiante cumprir as metas estabelecidas pela World Athletics algo que, na opinião de Manuel Brito, só foi possível graças à equipa "coesa" da ADoP e também à colaboração de organismos antidopagem estrangeiros.
"Alguns [atletas] foram apanhados à saída do avião, no aeroporto. Casos extremos. Outros, pedimos a colegas que estão no estrangeiro. Em Espanha, nos Estados Unidos - nós temos permuta com colegas, eles também nos pedem. Como se sabe, há muitos atletas estrangeiros que estão em Portugal e nós fazemos controlos a pedido dos colegas estrangeiros e tudo isto é feito numa base fraterna, nem implica custos nem nada de uns e de outros, o que implica é fazer-se. Foi muito, muito difícil, muito difícil e isto obedeceu a um planeamento muito rigoroso do responsável pelo planeamento das ações dos controlos antidopagem, o diretor executivo [António Júlio Nunes]", destacou.
Manuel Brito recordou que os responsáveis do controlo antidopagem -- "os médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico que fazem os controlos" -- não são profissionais da ADoP, acumulando esta função com as suas profissões.
"[Os controlos] têm que ser nas folgas, têm que ser fora de horas, às sete da manhã, às seis, portanto, isso implica um planeamento muito difícil e eu só tenho que louvar os trabalhadores da ADoP por essa magnífica prova de amor à camisola", concluiu.
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