A final da Taça Inglesa que opôs Leicester e Chelsea teve grandes momentos. O remate impressionante de Youri Tielemans (que viria a dar a vitória às raposas) ou as duas defesas de classe mundial de Kasper Schmeichel (que confirmariam o triunfo) são disso exemplo. Mas hoje falamos de outro momento que marcou não só o jogo, mas o futebol inglês. Falamos pois do caloroso festejo dos jogadores com Aiyawatt Srivaddhanaprabha, também conhecido como Khun Top, proprietário do clube.
Após Schmeichel arrancar Khun Top da bancada, o contraste entre a relação do mesmo com jogadores e equipa técnica, comparativamente aos restantes proprietários dos outros clubes da liga inglesa, está à vista de todos. A ligação já vem dos tempos do seu pai Vichai, que morrera num acidente de helicóptero em 2018. O Leicester, mais do que um clube, é uma família e essa mesma ligação é ímpar entre os restantes clubes ingleses de topo.
A pouco mais de um mês da tentativa de criação da Super Liga Europeia de futebol e dos protestos dos adeptos perante proprietários sem consideração pela sua opinião e principalmente pela história dos clubes, nesta ocasião pudéssemos observar o oposto. Os próprios jogadores do Leicester City fizeram questão de trazer Khun Top para o relvado para com eles festejar o tão prestigiante troféu.
Mas o que diferencia a gestão do Leicester dos restantes para que isso aconteça?
Horas antes da final da FA Cup, os adeptos do Tottenham, que não estavam envolvidos na mesma, protestaram à porta do seu estádio contra Daniel Levy, proprietário dos Spurs. O propósito foi lembrar a Levy que em 20 anos venceram apenas apenas uma Taça da Liga.
Em Manchester, "Glazers Out" é uma das afirmações de ordem. Os protestos já levaram ao adiamento do Man Utd v Liverpool há duas semanas, mas agora os adeptos do United ganham cada vez mais força para enfrentar aqueles que apelidam de sanguessugas e interesseiros.
Quanto ao Liverpool, as faixas "£nough is £nough, FSG Out" vão fazendo alusão à exploração do clube com o intuito único fazer lucro são recorrentes. No Arsenal, a polémica já vem de há muitos anos. A luta dos adeptos contra a indiferença de Stan Kroenke já fez e continuará a fazer correr muita tinta.
Porém, isto não se verifica no que toca ao Leicester. Os donos assumiram o clube como uma família, remando numa só direção e dedicando-se, primeiro Vichai e agora Khun Top, aos jogadores, ao staff, à formação e à comunidade. Tudo isto leva ao crescimento do clube e dos laços que os ligam.
No vídeo acima pode ouvir-se Rio Ferdinand, ex-capitão do Manchester United, a explicar melhor tudo isto: "Num tempo em que as relações entre proprietários, jogadores e adeptos estão tão fraturadas, vermos o que estamos a ver aqui é tão refrescante. Não acho que haja outro clube que tenha uma ligação maior de cima a baixo [na sua estrutura]. Ele [Khun Top] defende o clube, defende os seus treinadores e dá a cara por isso. Essa é a diferença".
Olho para o negócio
O que vimos na celebração é apenas o resultado de um caminho. Caminho esse que tem tanto de positivo dentro como fora do campo. No que toca ao futebol, a estratégia do Leicester tem sido de comprar barato, desenvolver e vender caro mais tarde.
No verão passado a venda de Ben Chilwell ao Chelsea, rendera 50 milhões de libras. Para o substituir, Timothy Castagne chegou por apenas 18. James Justin, um jovem talentoso recrutado ao Luton Town em 2019, por uma quantia que poderá chegar aos 8 milhões de libras, é também uma opção para ambas as alas e já um promissor futuro internacional inglês.
Em 2018, foi a vez de vender Riyad Mahrez ao Manchester City por 60 milhões de libras. James Maddison, por 20 milhões, seria o substituto escolhido. O médio já tem neste momento um mercado sólido e poderá render os mesmo valores do que o argelino num futuro próximo. No mesmo ano, Harry Maguire tornou-se o central mais caro da história do futebol — foi com 80 milhões de libras que o United "convenceu" o Leicester a trocar o patrão da defesa por Caglar Soyuncu, de apenas 13 milhões de libras.
Recuando cinco anos até a janela de transferências após o título inglês, o Leicester vendia a jóia da coroa, N’Golo Kante, por 30 milhões de libras para o Chelsea. (Em retrospetiva, acrescentemos, foi a preço de saldo.) Para o seu lugar viria, por 15 milhões, Wilfred Ndidi, que após valorização e excelentes prestações, faz parte dos rumores de transferência do presente final de temporada. Esperando a abordagem de outros clubes, o Leicester já se encontra perto de contratar Boubakary Soumare, médio do Lille, por apenas 20 milhões de libras.
Isto revela, em minha opinião, uma capacidade de aceitar o risco que estabiliza todo o processo futebolístico e de negócio, que deveria ser seguida por muitos outros clubes.
Fora de campo
A somar à visão que tem para o negócio, o Leicester, na pessoa de Khun Top, complementa o seu trabalho de forma crucial fora do terreno de jogo. Tudo começara na era de Vichai, onde a comunidade viria a beneficiar da generosidade do homem forte do Leicester. Disso são exemplos milhões de libras doados à Universidade de Leicester e ao hospital público Royal Infirmary, também ele em Leicester.
Khun Top era conhecido por oferecer regularmente aos adeptos — que com ele partilhavam o amor pelo futebol e pelo Leicester City — cerveja, bolos e cachecóis, particularmente em dias de jogo onde as temperaturas eram mais baixas do que o habitual. Adicionalmente, muitas foram as vezes que organizou viagens para os jogos fora sem quaisquer custos para os fãs dos Foxes.
Seguindo as pisadas do pai, o filho continua a ajudar regularmente a comunidade, na maioria das vezes através da LCFC Foxes Foundation, que recentemente passou a ser chamada de The Vichai Srivaddhanaprabha Foundation que tem como propósito primário ajudar instituições de caridade.
Há pouco mais de um ano, Khun Top pagou 75 quartos de hotel a um grupo de adeptos que ficou retido em Calais, durante a tempestade Ciara. O grupo viajava para apoiar o clube “satélite” do Leicester na Bélgica, o OH Leuven.
A família Srivaddhanaprabha é não só um exemplo a seguir, como é uma luz ao fundo do túnel no mundo do desporto. A elite desportiva há muito que entrou num beco sem saída em que só os mais ricos sobrevivem. Contudo, o ser mais rico, neste caso, não significa retirar a autenticidade do desporto. À luz do que podemos observar na maioria dos proprietários de clubes de futebol e Inglaterra em particular, o Leicester tem a sorte de ser a exceção que confirma a regra.
Esta semana na Premier League
Nem de propósito, e depois da derrota frente ao Chelsea para o campeonato, Leicester, Chelsea e Liverpool terão os holofotes apontados para os seus encontros. Com o quarto e último lugar de acesso à Liga dos Campeões ainda em aberto, a última jornada será o o palco de todas as decisões.
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