Mesmo que se tenha dado um empate frente à relegada Polónia, o timoneiro de Portugal ultrapassa a média de vitórias do melhor selecionador português do Século XXI: Luís Filipe Scolari. O septuagenário canarinho (que poderá estar prestes a sagrar-se campeão do Brasil pelo Palmeiras) somou 44 vitórias em 74 encontros, nos cinco anos ao comando das Quinas. Já Fernando Santos atingiu a fasquia das 38 vitórias em 61 encontros, numa média de 62,2%, superior a Luís Filipe Scolari e ao 3º classificado do pódio, Humberto Coelho (16 vitórias em 24 jogos).

Mas na realidade será que Fernando Santos merece elogios pelo registo alcançado nestes últimos quatro anos? Terá Portugal se transformado numa equipa mais coesa e sólida perante os maiores a nível Mundial?

Vejamos então qual é a pegada humana do treinador no passado, presente e futuro da Seleção Nacional.

Da mudança interna à primeira real glória em 2006

Durante décadas Portugal viveu sob a ideia de que os títulos mundiais de sub-20, o 3.º lugar no Mundial de 1966, a meia-final no Euro 1982 ou o vice-campeonato em 2004 serviam para atestar o sucesso nacional como uma seleção de topo ou, pelo menos, entre as 10/15 melhores a nível mundial.

Se o século XX ofereceu bem pouco a Portugal em termos de lugares honráveis da selecção sénior, já o XXI tem sido de uma toada completamente diferente: semifinalista no Euro 2000, finalista no Euro2004, 4.º lugar no Campeonato do Mundo de 2006, semifinalista no Euro2012 e 3.º lugar na Taça das Confederações 2017.

A honra mais importante viria com o Campeonato da Europa ganho em 2016, com Fernando Santos ao leme. Igualmente, Portugal não falhou qualquer fase final, um cenário completamente contrário ao que se passou no século anterior.

créditos: AFP PHOTO / FRANCK FIFE

Isto significa que finalmente se encontrou uma consistência em termos de sucesso geracional, aparecendo uma e outra vez novos atletas a vingarem nas Quinas.

Seja Cristiano Ronaldo, João Moutinho, Rui Patrício, Raul Meireles, José Bosingwa, Ricardo Carvalho, Bernardo Silva, William Carvalho, João Cancelo, André Silva, Nani, Hélder Postiga, Fábio Coentrão ou João Mário, foram pelo menos 30 jogadores a destacar-se por Portugal nos últimos 14 anos (falamos só de jogadores que se estrearam só no Século XXI e que passaram pelas camadas jovens de clubes portugueses) e este pormenor prova que algo de bom se passou em termos de cativação, formação e lançamento de novas estrelas tanto a nível de clubes, academias ou selecções.

Contudo, faltava sempre o factor X, fosse na hora de marcar uma grande-penalidade decisiva, de inventar ou marcar um golo contra uma equipa amuralhada dentro da sua área, o que impediu que as Quinas ouvissem o hino na recepção de prémios.

Se Luís Filipe Scolari conseguiu, em boa parte, ganhar a estima dos seus jogadores, mas sem o sucesso final desejado, já Carlos Queiroz e Paulo Bento começaram bem para depois se seguir um desastre não só táctico mas também emocional.

O último, que durou até ao descalabro na corrida ao Euro2016, foi acusado uma e outra vez de fazer escolhas duvidosas, como foi com Fábio Coentrão, Hugo Almeida, Nani ou Hélder Postiga em 2014 (chegaram todos ao Mundial em baixo de forma e munidos de lesões), criando um sentimento de desconfiança do público e falta de união dentro da equipa.

Ou seja, Fernando Santos recebeu uma equipa em 2014 desmembrada, com claros sinais de falta de confiança nas suas capacidades e desconexa dentro de campo. De lá para cá, foram os tais 61 jogos e 38 vitórias e apenas 11 derrotas e 12 empates (é quem detém o melhor registo em comparação com os três anteriores), um título europeu, um 3.º lugar na Taça das Confederações e apuramento para mais duas fases finais das provas FIFA/UEFA.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

A caminhada para o levantar do troféu de Campeão da Europa em 2016 foi tremida no início, com os tais três empates na fase de grupos que criaram uma onda de censura. Contudo, Fernando Santos mantinha-se sereno e sempre focado nos jogos seguintes.

Apesar do que a maioria do público gosta de lembrar, Portugal foi melhor que a Croácia, Polónia ou País de Gales durante as eliminatórias, mostrando-se com uma confiança total nos momentos decisivos, sempre crente das suas capacidades, mesmo que a qualidade e a estratégia de jogo não estivessem assentes no Futebol Total clássico de Rinus Michels ou o contemporâneo de Maurizio Sarri.

Na final, completamente dominados taticamente pelos Bleus, foi necessário um Rui Patrício no pico das suas capacidades e um eixo defensivo em modo sobrevivência até ao prolongamento. Depois, todos sabem a história de Éder, de Cristiano Ronaldo inquieto e de Fernando Santos, mais uma vez, impávido e sereno.

O factor emocional e mental foram decisivos, sentindo que a dominada taticamente Selecção Nacional era enorme no que toca ao espírito de sacrifício e de luta, algo incutido por Fernando Santos.

Campeões Europeus, com o Engenheiro a assinar por baixo como selecionador português, contra todas as previsões iniciais. A vitória frente à França foi um ponto final na sequência de 10 derrotas consecutivas, duas das quais com o actual timoneiro nacional.

Mas, e pegando nesse jogo com a França, qual é o atual registo de Portugal contra as maiores seleções mundiais?

O fim de registos negativos e o futuro próximo de 2019

Com Fernando Santos no comando das Quinas desde 2014, foram quebrados alguns “borregos”, como com a França (41 anos e 10 derrotas consecutivas), Argentina (2014 marcou apenas a 2.ª vitória portuguesa em oito jogos) e Itália (40 anos e 10 resultados negativos consecutivos até a vitória por 1-0 em 2015).

Nos 16 jogos considerados (Dinamarca, Suécia, Suíça, Polónia e Sérvia foram excluídas da comparação entre os 4 selecionadores), Portugal ganhou por seis ocasiões, perdeu outras seis e empatou por quatro vezes. 13 golos marcados (sempre pela margem mínima) e 16 sofridos (ante a Holanda em 2018 foi a mais negativa).

Paulo Bento somou apenas 3 vitórias (os inesquecíveis 4-0 contra a Espanha) e terminou com 5 derrotas e 2 empates e Carlos Queiroz não tem contabilidade para se registar (duas derrotas, uma por 6-2 com o Brasil e 1-0 contra a Roja).

Só Luís Filipe Scolari fica à frente de Fernando Santos, com 9 vitórias, 7 derrotas e 1 empate, 24 golos concretizados e os mesmos consentidos.

Neste momento, Portugal tem vitórias frente a todas as grandes nações do futebol europeu e solidificou nos últimos 4 anos esse registo, mostrando-se quase imbatível em confrontos a contar (só a Suíça, no apuramento para o Mundial é que bateu os campeões europeus por 2-0).

Pelo meio do reinado de Fernando Santos foram lançados na Seleção Nacional 38 jogadores, ocupando também o primeiro lugar nessa frente. As críticas infundadas que o Engenheiro está na mão de agentes ou que opta sempre pelos mesmos nomes é uma falácia que vale a pena discutir.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Desde o primeiro onze escolhido pelo Engenheiro até ao que atuou frente à Itália em novembro de 2018 foram processadas 10 trocas, mantendo-se só Rui Patrício. Podendo o leitor não estar satisfeito com a comparação (uma vez que três desses jogadores já se retiraram) façamos então frente-a-frente do 11 que alinhou na final do Euro2016 e a formação eliminada ante o Uruguai no Mundial 2018.

Rui Patricio, Raphael Guerreiro, José Fonte, Pepe, Cedric Soares, William Carvalho, Adrien Silva, João Mário, Renato Sanches, Cristiano Ronaldo e Nani em 2016;

Rui Patricio, Raphael Guerreiro, Pepe, Ricardo Pereira, William Carvalho, Adrien Silva, João Mário, Bernardo Silva, Gonçalo Guedes e Cristiano Ronaldo em 2018;

Processaram-se três alterações com a entrada de Bernardo Silva, Gonçalo Guedes e Ricardo Pereira, atletas que estavam em topo de forma e que realizaram uma boa temporada nos seus clubes. Por isso, trocas mais que justas.

No apuramento para a fase final da Liga das Nações, Fernando Santos fez profundas mexidas ao dar a titularidade a João Cancelo, Mário Rui, Ruben Neves, Pizzi e André Silva (o ponta-de-lança foi mais suplente do que titular no Mundial), o que demonstra a não-aversão do selecionador a fazer trocas e de procurar outras soluções para as Quinas.

Não só isso, como também mostrou capacidade de montar outra estratégia de jogo, evidenciado no encontro com a Itália, Polónia ou Croácia em 2018. Futebol mais ágil, de controlo da posse de bola, de assumir a responsabilidade ofensiva com um futebol cativante na construção, de fases de ataque e de eficiência no meio-campo.

A opção por João Cancelo vai nesse sentido, o da vontade de dar outra fluidez de jogo e sentido de profundidade de ataque à faixa direita defensiva, que se viu algo maniatada durante a titularidade de Cédric Soares (mais comprometido defensivamente, ou, pelo menos, mais crente no sacrifício pela equipa).

No pós-Mundial 2018 houve outro desafio mais complexo para Fernando Santos: Cristiano Ronaldo.

O extremo português não foi mais convocado desde o Mundial e só voltará a envergar a camisola das Quinas em 2019. A imprensa tem sido irredutível na tentativa de procurar uma razão mais controversa e continua a fazer a mesma pergunta em todas as conferências de imprensa, “porque é que Cristiano Ronaldo não foi convocado?”.

Mais uma vez, e sempre na mesma nota que evidenciou nos últimos 4 anos, Fernando Santos mostrou-se impávido e sereno, mais focado no futuro das Quinas e em atingir os objetivos do que saciar a curiosidade para o caos da imprensa nacional (distinguir entre procurar uma explicação do que perseguir uma suposta não-verdade).

Ao contrário de Luís Filipe Scolari, Carlos Queiroz ou Paulo Bento, selecionadores que fomentaram alguns problemas internos e até com jogadores, Fernando Santos tem sido um gestor de homens compacto, inteligente e confiante, onde o futebol por vezes cinzento não tira a capacidade de quererem chegar cada vez mais longe.

2019 está à distância de um mês, duas semanas e poucos dias, e Portugal já tem a possibilidade de em Junho próximo levantar um novo título, mesmo que seja um em quase caráter experimental.

Será que o tempo de Fernando Santos em Portugal explica-se somente por sorte nas vitórias conquistadas, um Cristiano Ronaldo insaciável, um Éder lendário e uma defesa dura? Ou há bem mais por detrás de uma equipa que afinal não empatou tanto como se gosta de apontar (Scolari, Carlos Queiroz e Paulo Bento têm uma média superior de empates)?

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