Dinis Fernandes esteve nos dois dias de contagem como escrutinador, em representação do Bloco de Esquerda. Foi distribuído pelas mesas 70 e 270, onde ficou responsável por contar os votos dos subúrbios e da cidade de Paris, enviados pela embaixada, explica ao SAPO24. Bernardo Vidal cumpriu o cargo de delegado em representação do Livre nestas eleições e também deixou o seu testemunho.

Ambos referem um ambiente de tensão e desconforto, que prejudicou o desenrolar normal dos trabalhos. Apesar das confusões, Bernardo Vidal acredita que o objetivo foi concretizado.

Atrasos e falhas de comunicação 

Nas meses de contagem de voto estavam três escrutinadores, um presidente e um vice-presidente, todos de partidos diferentes. A inscrição era feita por cada partido, que tinha o seu respetivo delegado, junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Segundo Bernardo Vidal, os números de mesa são distribuídos por cada partido, que comunica à CNE as informações, que por sua vez redige e imprime os alvarás entregues no início dos trabalhos. Estas credenciais servem para as pessoas saberem a mesa onde vão estar a trabalhar e, por isso, é necessário confirmar a identidade de cada voluntário no momento de entrega. Mas este processo foi mais demorado do que o esperado.

No início do primeiro dia, no momento de credenciação dos escrutinadores e responsáveis, muita gente faltou. Segundo Dinis Fernandes, a CNE não foi informada de que grande parte dos inscritos pelo partido Chega seriam substituídos por outros militantes, gerando alguma confusão nas filas durante a manhã.

"Não houve ninguém do partido Chega a recolher os alvarás, o que fez com que as pessoas tivessem de se dirigir à entrada. Quando chegaram, os membros de mesa, disponíveis para trabalhar, não eram aqueles que tinham sido indicados pelo partido Chega. Uma larga dezena de pessoas teve de ser substituída e isso é um processo demoroso", conta o militante do Livre.

Segundo o delegado, é comum substituir duas ou três pessoas, mas, neste caso, o número era maior. Ao que Dinis Fernandes acrescentou: “Faltava o vice-presidente e um escrutinador do Chega na minha mesa. Comprometeram-se a aparecer, mas acabaram por ser substituídos, sem avisar a CNE”.

A confusão na entrada para o pavilhão da FIL-Feira Internacional de Lisboa obrigou a organização a chamar a polícia, evitando a escalada da violência. Segundo Bernardo Vidal, os membro da CNE assumiram sentir-se inseguros com a pressão e a agressividade. "Gritavam insultos normais, como 'incompetentes', e 'vou acabar com isto tudo'", diz.

Em resposta ao SAPO24, a CNE confirmou que "os delegados de todas as candidaturas apresentaram substituições de membros de mesa no início do dia 27 de maio", no primeiro dia de contagem de votos, sem adiantar mais informação.

Incumprimento de regras e troca de insultos

Além disso, os voluntários contam que algumas regras não foram cumpridas. A lei exige que estejam sempre quatro pessoas, pelo menos, na contagem de votos, o que também não aconteceu, de acordo com Dinis Fernandes. “Não havia quórum e a contagem procedeu ilegalmente, com pessoas do Chega sozinhas a fazer esse trabalho”, refere.

Entre os colegas de mesa, Dinis conta que “a vice-presidente só chegou da parte da tarde, sob o argumento de que não a tinham deixado entrar porque não constava nas listas”, notando que “foi a última a entrar e a primeira a sair, apesar de ser obrigatório estar pelo menos um presidente ou um vice-presidente na mesa”, o que nem sempre acontecia.

As horas de almoço foram os momentos, segundo o escrutinador, em que mais pessoas se ausentaram da mesa, o que não impediu a votação de continuar. Bernardo Vidal explica que havia menos gente do que o previsto nas mesas, e devido aos atrasos, para não parar a contagem sempre que alguém se ausentava, cada mesa ficou responsável por se organizar.

Da mesa 270, onde esteve Dinis Fernandes, as acusações à conduta dos elementos do partido de extrema-direita elencam ainda “ofensas, empurrões, comentários inconvenientes, principalmente dirigidos à escrutinadora do Partido Comunista Português”. Bernardo Vidal dá o mesmo testemunho, referindo principalmente a agressividade para com militantes da CDU.

A par das confusões, o ambiente durante a contagem de votos era de enorme “pressão e desconforto”, confessa o escrutinador do Bloco. “A minha mesa foi cercada por delegados do chega, inclusive Pedro Pinto e o líder da juventude do Chega, que nos fixaram o tempo todo. Não é ilegal, mas é claramente muito desconfortável”, diz.

O mesmo refere Bernardo Vidal: "O chega chamou várias pessoas do partido para vigiar as mesas, pressionar e fotografar, e estão no seu direito, mas é desagradável levantarem protestos quando a culpa dos atrasos foi do seu partido". E adiciona: "havia um mau ambiente generalizado, mas rapidamente os responsáveis da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna e também da CNE conseguiam mais ou menos gerir a coisa".

"Quando tens pessoas de vários partidos e sensibilidades políticas é normal ter estas tensões, não é normal é causar um ambiente de tanto desconforto", termina Dinis Fernandes. Para Bernardo Vidal, "a sensação de que o Chega é dono do país e pode fazer o que quiser é preocupante" e marcou, de forma hostil, os dois dias de trabalho.