Cada vez que se perde um jogo, o processo é sempre o mesmo: ver o que se fez de errado, tentar não repeti-lo e, claro, levantar sempre a cabeça e prosseguir, que para a frente é que é caminho. Ora, depois de perder três jogos com equipas portuguesas na mesma época, Fatih Terim, com toda a sua enorme experiência, ou se esqueceu deste mantra (improvável) ou simplesmente não tem ferramentas para fazer melhor (quase certo).

Depois de perder no Dragão por 1-0 e em casa frente ao Porto por 3-2 - ambos jogos a contar para a Liga dos Campeões - o Galatasaray voltou a sentir o sabor da derrota frente ao Benfica na semana passada, saindo a equipa de Bruno Lage da Turquia com um muito vantajoso resultado de 2-1 para esta segunda mão.

A precisar de vencer por dois golos - o 1-0 não chegaria,  os dois tentos fora do Benfica davam vantagem aos encarnados - para não voltar a ser arredada de uma competição europeia, a equipa de Istambul deu o mote na antevisão da partida com os típicos chavões: “não temos nada a perder” avisou Fatih Terim, “vamos para cima deles” replicou Marcão, o defesa central contratado ao Chaves no mercado de inverno. No entanto, palavras leva-as o vento, e deve ter havido uma forte rabanada a caminho do estádio.

Da parte do Benfica, depois de ensaiar a estratégia arriscada, mas vitoriosa, de lançar vários jovens jogadores - muitos deles a estrear-se em competições europeias - no ambiente ensurdecedor do Türk Telekom Arena, Bruno Lage optou por ser bastante mais conservador, usando um onze semelhante ao que empregou na Vila das Aves.

Trazendo o mesmo quarteto defensivo que segurou essa vitória por 3-0 - Rúben Dias e Ferro no centro, André Almeida e Álex Grimaldo nas laterais - o técnico manteve Pizzi, assim como João Félix e Seferovic. As alterações de vulto viram-se no regresso de Florentino, que voltou a fazer um brilharete, juntando-se Gedson e Cervi, que também já tinham jogado na Turquia.

Com um Benfica a não precisar de atacar e um Galatasaray a não saber fazê-lo, estava o mote lançado para uma partida que não vai deixar memória, assemelhando-se até ao último jogo europeu disputado na Luz, a 12 de dezembro de 2018, frente ao AEK, dada a falta de qualidade que se evidenciou ao longo de 90 minutos.

Há que medir as coisas com os devidos contextos, é claro. Nessa partida frente aos gregos, o Benfica de Rui Vitória estava a seguir uma trajetória periclitante, que irremediavelmente resultaria na demissão do técnico alverquense. O jogo morno, desprovido de grande interesse até ao grande golo de livre de Grimaldo, nada mudaria no destino das duas equipas, podendo atribuir-se a parca qualidade do encontro disputado não só ao modelo esgotado de Vitória como também à falta de motivação das águias, que já tinham passaporte carimbado para a Liga Europa.

Florentino
Florentino créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

O ambiente que antecedeu este jogo foi diametralmente oposto. O Benfica de Bruno Lage, a atravessar um estado de graça com seis vitórias consecutivas e futebol de grande nível, apresentou-se na Luz com uma vantagem significativa perante o Galatasaray. No entanto, diga-se que, comparando alhos e bugalhos, o resultado dentro da panela foi o mesmo, porque o Benfica, a jogar com esse trunfo, mostrou-se um anfitrião relaxado perante um adversário trapalhão, tendo a combinação sucedido numa partida pouco intensa, propensa à sonolência, com raras ocasiões claras de golo - quase todas elas a pertencer aos encarnados, que as deitaram a perder com sucessivas falhas de decisão no último terço.

A primeira parte jogou-se sempre ao mesmo ritmo: o Galatasaray, com mais posse de bola mas sem qualidade na circulação, ou recorria ao “chutão” para a frente ou projetava-se para o meio campo benfiquista mas expunha-se à retaguarda, demonstrando uma deficiente transição defensiva. Em sentido contrário, o Benfica dava a iniciativa ao adversário, pressionava alto e tanto o quarteto defensivo como o seu meio campo - com Florentino à cabeça - iam recuperando muitas bolas. Contudo, cada vez que os encarnados partiam em contra-ataque ou, mais raramente, em posse, definiam sempre mal, e tanto Cervi, como João Felix, Seferovic ou Pizzi foram responsáveis por um verdadeiro festival de desperdício, notando-se uma certa displicência resultante, quiçá, da equipa estar a jogar com o resultado anterior a seu favor.

Este cocktail de ingredientes pouco entusiasmantes teve um saldo negativo ao intervalo: 9 remates das duas equipas, mas apenas um à baliza, responsabilidade das águias. Esse foi resultado de uma das poucas jogadas bem construídas pelo ataque encarnado: recuperando (mais) uma bola no meio campo, Florentino lançou João Félix pela esquerda, que trabalhou bem e passou para Pizzi, tendo este desferido um remate a meia altura para defesa atenta de Muslera. De resto, o outro lance moderadamente interessante foi um centro de Seferovic pela esquerda aos 35 minutos, com Marcão a responder com um corte atabalhoado que quase resultou em auto-golo.

Iniciada a segunda parte, seguiram-se outros 45 minutos quase idênticos, salvo um cada vez maior desespero do Galatasaray a obrigar a equipa pressionar cada vez mais o Benfica e obrigar os jogadores encarnados a cometer mais erros defensivos. Nada de maior, contudo. Salvo um verdadeiro disparate de Gedson - que perdeu uma bola à entrada da grande área para o avançado Diagne e que só não deu em golo porque este passou para Belhanda, que estava em fora de jogo - o Benfica foi quase sempre seguro a defender-se das iniciativas de Ndiaye, Belhanda e Feghouli, os jogadores mais inconformados dos turcos.

Mesmo com as alterações - Cervi a dar lugar a Rafa, João Felix substituído por Jonas e Pizzi a ser rendido por Gabriel -, o Benfica continuou a não ter clarividência na frente, não conseguindo materializar a sua superioridade em jogadas de perigo. No entanto, essa também não pareceu ser uma preocupação para os encarnados, que às tantas começaram a jogar com o relógio. Culpem-se as promessas turcas: ao invés de irromper uma armada otomana pela Luz dentro, apenas se viu um esquadrão de jogadores mal organizados que raramente importunou Odysseas Vlachodimos, obrigado a fazer a primeira defesa aos 74 minutos, fácil perante remate fraco de Onyekuru.

Nos dois únicos lances que se poderiam ter traduzido em golos, o árbitro romeno Ovidiu Hategan, que até tinha feito um trabalho positivo e com pouco azo a paragens desnecessárias, tratou de anular os esforços de ambas as partes e fazer imperar o nulo. Numa área, não viu um empurrão de Feghouli sobre Ruben Dias que merecia marcação de penálti; na outra, viu um fora de jogo inexistente sobre Diagne, que rematou para defesa incompleta de Vlachodimos, apenas para o recém-entrado Akbaba fazer um golo que só poderá celebrar nos seus sonhos.

Ao fim de 90 minutos, a equipa técnica turca muito que barafustou com a decisão errada do árbitro, mas tal veemência de pouco lhe valeu e Fatih Terim teve mesmo de regressar a Istambul com o amargo de não ter vencido qualquer jogo às equipas lusas, podendo contentar-se, ao menos, com o facto de ter conquistado esta competição nos idos anos de 2000 (e com um conjunto melhor de jogadores, é certo). Já o Benfica, naquilo que mais pareceu um jogo de treino prazenteiro do que um partida de uma competição europeia, assegurou a sua continuidade na prova e vai agora aguardar o sorteio.

Benfica
Benfica créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Se há provas de que o campeonato turco está claramente uns furos abaixo do restante panorama europeu, diga-se que o seu melhor marcador (à data deste texto) por larga margem, mostrou-se uma completa nulidade na Luz (e já pouco tinha feito na Turquia). Mbaye Diagne, senegalês que já fez parte dos quadros da Juventus - apesar de nunca ter calçado pelos italianos - “nem a cheirou”, como se diz em bom português, sendo efetivamente uma unidade a menos nos turcos, jogando a andar ou parado. De resto, e como o destino é cruel, talvez não fosse ele o visado neste texto escarnecedor se a sua única grande oportunidade durante todo o jogo não tivesse sido (mal) anulada. E ainda assim, o golo não teria sido seu.

Florentino, a vantagem de ter duas pernas

Não querendo papaguear a crónica que o colega Abílio dos Reis mui habilmente teceu na semana passada, a verdade é que a realidade surge em espelho com o passado, e o objeto refletido desta fez foi Florentino Luís. Tal como na Turquia, o jovem médio voltou a ser a unidade evidência do Benfica, sendo dos poucos a mostrar acerto em todas as ações que tomou. Dirá a estatística que o seu colega Gedson conseguiu um melhor doseamento entre ataque e defesa, mas também se desequilibrou e não mostrou a tranquilidade do compincha a meio-campo. Numa fase em que talvez estejamos a assistir ao ocaso de Fejsa, o miúdo pode vir a ser o médio-defensivo titular por vários anos.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

É honestamente difícil escolher um bom momento ao longo destes 90 minutos, sendo que a única jogada bem construída que vem à memória - lançamento de Florentino para João Félix, que deixa para Pizzi rematar à entrada da área - é coisa que qualquer equipa de futebol profissional está capacitada para fazer. Assim sendo, lembremo-nos que é das pequenas coisas que a vida é feita, como o cabrito que Grimaldo malvadamente fez a um jogador do Galatasaray, a finta de corpo de Feghouli que deixou André Almeida à nora ou a simulação de Seferovic - uma “cueca” autoinfligida - para deixar a bola para Félix.

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

Num jogo que conseguiu ser uma melhor ode às más decisões que uma viagem de finalistas em Benidorm, uma das piores terá sido certamente um remate frouxo que Pizzi fez aos 40 minutos de jogo. Talvez fruto de uma sinapse incompleta, entre passar a bola para Seferovic à sua direita ou pontapear em arco para a baliza de Muslera, o internacional português ficou a meio caminho entre as duas decisões e rematou vagamente na direção do suíço.