Olá, Pep. Eu sei que tu és um homem com sentido de humor e cultura, permite-me que inicie esta missiva com uma pequena piada da Internet, um meme, como a nomenclatura online exige.
Em 2013, o produtor musical/máquina de “catchphrases” DJ Khaled lançou o seu sétimo álbum, Suffering from Success, em cuja capa surge com um ar cabisbaixo, não obstante a parafernália ostentativa de jóias e o casaco de peles que o envolve. Na altura, Khaled explicou que o intuito do nome e da fotografia do disco eram sérios, já que andava stressado de tanto trabalhar para produzir êxitos, mas essa mensagem perdeu-se no meio do luxo e passou a ser uma piada online, que ainda hoje vai surgindo aqui e ali.
Neste momento deves estar a perguntar-te, “ele deve estar louco, o que é que isto tem a ver comigo?” Tem, Pep, porque não obstante o meu intuito humorístico, o que pretendo dizer é que tu tens sofrido com o teu próprio sucesso.
Aquilo que fizeste no Barcelona foi algo talvez irreplicável. Quantos treinadores podem dizer que venceram uma Liga dos Campeões à primeira tentativa? E mais, de uma forma que alterou permanentemente o jogo como nós o conhecemos? Para não falar que tal aconteceu na mesma época em que ganhaste tudo o que havia para ganhar em Espanha, lá está, à primeira.
Tal feito seria difícil de dar seguimento, mas tu conseguiste. Depois de 2008/09, voltaste a trazer a taça para Camp Nou, passados dois anos (pobre Manchester United…). De resto, ganhaste mais títulos pelo teu clube do coração em quatro anos do que a maioria dos clubes ao longo de toda a sua história.
O problema é que já se passaram nove anos desde que deixaste a Catalunha e não mais voltaste a encontrar aquilo que tão ardentemente tens procurado. Há dois lados da tua história: o génio que tem dominado os campeonatos por onde tem passado e o treinador que nunca mais conseguiu chegar a uma final europeia desde 2011.
É injusto, eu sei. Já é difícil ganhar uma Liga dos Campeões, quanto mais duas. Aliás, só três colegas teus é que ganharam mais troféus do que tu. Mas o teu problema é exactamente esse: deixaste a bitola tão elevada que agora, para onde vás, a necessidade de ganhar mais uma Champions é te sistematicamente imposta.
Sabes que, aos olhos de muitos, a tua passagem pelo Bayern deixou hoje um sabor agridoce. A Bundesliga ainda não sabe bem o que lhe aconteceu, tal foi o atropelamento à concorrência enquanto lá estiveste, qual Panzer de sofisticação futebolística a levar tudo à frente (aliás, tal feito merece outra canção do DJ Khaled). Mas nas campanhas europeias, o tanque germânico atolou sempre na lama das semifinais contra adversários espanhóis. Primeiro foi a humilhação contra o Real Madrid, depois sentiste na pele o que o trio MSN era capaz de fazer pelo Barcelona e, no teu último ano na Alemanha, já depois de teres anunciado prematuramente a tua saída, caíste de forma inglória com o Atlético de Madrid.
Quando sentiste que já tinhas dado tudo aquilo que podias dar na Baviera, mudaste-te para Manchester, mas o fantasma perseguiu-te até Inglaterra. O City já era um nome a ter em conta antes de chegares, mas tu conseguiste fazer dele uma máquina de ganhar como nunca tinha sido imaginado. Ainda assim, o choque da queda contra o Mónaco, a eliminação contra o Liverpool e, especialmente, a agonia que o VAR te deu o ano passado contra o Tottenham, têm deixado mácula.
Por isso mesmo, a tua relação com a competição é ambivalente. Dizes que o teu período no Bayern não foi um fracasso, mas admites que a ausência de troféu para o City pode ser encarada enquanto tal. Recordas que as pessoas esquecem-se do quão difícil é vencer a competição, mas tal pode atribuir-se ao facto de escolheres projectos cuja hegemonia doméstica está tão cimentada que o que interessa são os prémios europeus, de tal forma que, antes de jogares com o Real Madrid em fevereiro, chegaste a admitir que podias ser despedido se perdesses com os merengues.
É que este ano, talvez mais do que nunca, a pressão está do teu lado, já que as coisas não foram famosas na Premier League. Talvez por isso, quando voltaste a levar a melhor sobre Zidane para chegares agora a Lisboa, estavas contente, ou melhor, aliviado, como há muito não te víamos.
O burburinho que corre no ar é que, sem alguns dos crónicos candidatos a vencer a Champions, este pode ser definitivamente o teu ano. Como sempre, passar a fase de grupos foi uma mera formalidade, mas a forma como o City eliminou o Real Madrid, de forma pragmática e eficaz, talvez seja sinal de que ouviste aqueles que te criticam de seres demasiado criativo nos jogos onde só interessa ganhar, de pensares demasiado quando devias confiar no plano já traçado.
Desde que tomaste conta dos Citizens, a defesa tem sido o teu calcanhar de Aquiles, mas este ano a tua equipa é das que menos golos sofreu em toda a prova. Será um sinal premonitório? À partida, tens todas as condições para chegar às meias finais. O Lyon não apresenta a mesma ameaça que outras equipas em prova. Mas também terás a noção de que não há equipas a menosprezar nesta fase da competição, até porque se os franceses estão nos quartos de final, e não a Juventus, é porque fizeram por isso.
Fora Aguero, tens a tua equipa preparada para tomar o Estádio de Alvalade com a máxima força e não te esqueças que tens um trunfo especial no Bernardo e no João, desejosos a comer relva para vencer a Champions no estádio — e no país — que os viu nascer enquanto jogadores, mas que não lhes deu oportunidades.
Como o destino gosta de pregar partidas, qualquer que seja a equipa que defrontes nas meias-finais, apenas servirá para alimentar a tua mitologia na Liga dos Campeões. Quer Bayern, quer Barcelona, a história do jogo girará sempre à volta do treinador forçado a eliminar, ou eliminado, por uma das suas ex-equipas.
Volto a repetir: é um trabalho duro, mas é um trabalho que amas. Mesmo que te acusem de seres uma fraude, de apenas escolheres equipas milionárias, de seres despesista, de apenas teres atingido a glória com os jogadores que tiveste no Barcelona.
A prova de que isso não é verdade é que nem todos são campeões nos grandes tubarões, nem da maneira como tu conseguiste sê-lo. Tanto que deixaste um vazio no Barcelona que apenas Luís Enrique conseguiu temporariamente preencher, ousando chegar aos mesmos picos que tu atingiste. E, em certa medida, o mesmo se pode dizer do teus três anos no Bayern, aos quais nem Ancelotti, nem Kovac, souberam dar seguimento.
Certamente sabes de tudo isto, mas enquanto não ganhares mais uma Liga dos Campeões, o parlatório continuará. No fundo, só há uma forma de calar os críticos e é, concomitantemente, a mesma solução para aliviar o peso do sucesso que carregas às costas: mais sucesso.
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