Costuma dizer-se - e a história recente tem-no provado - que, para se assumir como candidata ao título da NBA, uma equipa deve ocupar um lugar no top-10 dos rankings de Eficiência Ofensiva (E.O.) e eficiência defensiva (E.D.). Com cerca de um quarto da fase regular da temporada nos livros de História, apenas três conjuntos podem fazer um visto nesse objetivo de mostrar consistência e competência nos dois lados do campo: Milwaukee Bucks (1.º na E.O. e 6.º na E.D.), Toronto Raptors (2.º na E.O. e 7.º na E.D.) e Denver Nuggets (8.º na E.O. e 3.º na E.D.). Sim, também os Los Angeles Clippers estão, hoje, no top-10 desses dois rankings, mas defensivamente só entraram nesse lote restrito esta madrugada, após o triunfo sobre os Phoenix Suns, portanto vamos exclui-los desta discussão.
Que os Bucks e os Raptors iam ser equipas fortes no Este, ninguém duvidava. Mais surpreendente é o que os Nuggets estão a fazer. Numa duríssima conferência Oeste - a mesma onde os Lakers têm 10 vitórias e 9 derrotas, os San Antonio Spurs somam 10 triunfos e 11 desaires e os Houston Rockets são penúltimos com apenas nove vitórias em 20 partidas -, as 14 vitórias dos Nuggets em 21 jogos saltam à vista. Desde logo porque os colocam na 3.ª posição da conferência, mas também porque algumas dessas vitórias foram perante adversários cotados, como os campeões Golden State Warriors e os Boston Celtics.
Mas o mais surpreendente é a forma como essas vitórias foram conseguidas: com base na defesa. Na última época, em que falharam o acesso aos playoffs depois de perderem frente aos Minnesota Timberwolves no último jogo da fase regular, os Nuggets foram o 6.º melhor ataque da liga (111,3 pontos marcados por cada 100 posses de bola), mas registaram a 8.ª pior defesa da prova (109,9 pontos sofridos por cada 100 posses de bola dos adversários). A receita era simples. No ano passado, ganhavam jogos a marcar mais pontos do que os outros. Ponto final.
O que mudou de uma temporada para a outra, afinal?
Olhando para o plantel, pouco ou nada mudou. A equipa do Colorado contratou o base Isaiah Thomas, que ainda não se estreou devido a lesão, e escolheu o promissor "rookie" Michael Porter Jr., que... ainda não se estreou devido a lesão. E saíram dois jogadores que tinham espaço na rotação, o extremo Wilson Chandler e o extremo/poste Darrell Arthur, para além de Kenneth Faried e o seu pesado contrato. E há mais. O extremo Will Barton, elemento do cinco inicial, lesionou-se ao segundo jogo da época. Ou seja, entre o deve e o haver, os Nuggets ficaram mais curtos. Ou estão mais curtos, pelo menos para já.
Olhando para o ataque, pouco ou nada mudou. As peças (principais) são as mesmas e o treinador é o mesmo. Os esquemas ofensivos são idênticos. Os Nuggets gostam de baixar o ritmo de jogo, explorar com paciência os 24 segundos de ataque e procurar boas situações de lançamentos. Se na época passada tinham uma média de 97,8 posses de bola e 25,1 assistências por jogo, este ano - mesmo com a introdução da regra dos 14 segundos de ataque após ressalto ofensivo - têm 98,8 posses de bola e 26,5 assistências por partida. Para uma equipa sem um verdadeiro base puro - o melhor passador é o poste sérvio Nikola Jokic -, passam muito a bola (305,7 passes por jogo, número que sobe para 324,3 nas vitórias). Lançam (e convertem) praticamente o mesmo número de triplos (de 11,5/30,9 em 2017/18 para 10,2/29,9 em 2018/19, relativamente baixo para a média da liga) e, também em contraste com a moda que privilegia os lançamentos longos, continuam a apostar no jogo interior (53.5 pontos por jogo na área restritiva, acima dos 49.0 da última temporada). E os três melhores marcadores da época passada (Nikola Jokic 18.5, Garry Harris 17.5 e Jamal Murray 16.7) são os três melhores marcadores desta época e com registos muito parecidos (Murray 17.5, Harris 16.8, Jokic 16.4).
Olhando para a defesa, aí sim, muita coisa mudou. O técnico Mike Malone, que sempre se assumiu como um treinador de cariz defensivo, esteve com a cadeira quente no ano passado, graças à pior defesa da liga em vários rankings: os Nuggets foram a pior equipa da NBA na percentagem de lançamentos de campo permitida aos adversários (47,6%) e também ocuparam a desconfortável 30.º e última posição na percentagem de triplos dos oponentes (37,8%). Este ano, isso mudou. Para melhor. Muito melhor. Os novos esquemas defensivos, assentes em trocas em todos os bloqueios e com ajudas mais pronunciadas quando essas trocas envolvem Nikola Jokic, reconhecidamente fraco no meio campo defensivo, estão a resultar. A formação de Denver é 6.ª na percentagem de "tiros" permitidos (44,6%) e orgulhosamente líder do ranking da percentagem de lançamentos de três pontos dos adversários (31,4%). E se, no ano passado, lideravam nos lançamentos de dois pontos contestados (40,0 por jogo), mas eram apenas 14.º nos triplos contestados (23,1 por jogo), este ano inverteram as prioridades e preferem contestar os lançamentos de longa distância (3.º com 26,9 por partida) do que os mais curtos (27.º com 36,5 por encontro).
Numa era marcada pela moda do "small ball" e obcecada pelos "analytics", em que os triplos são sobrevalorizados, os Nuggets não entregam o ouro ao bandido. Decidiram apostar na defesa, quase exclusiva, do lançamento exterior dos adversários e, no ataque, obrigam as outras equipas a fazer algo a que não estão habituados: defender as áreas mais próximas do cesto. O garimpeiro Mike Malone foi obrigado a peneirar o que já tinha em mãos e descobriu a pepita Monte Morris para juntar a um banco de suplentes (Mason Plumlee, Trey Lyles, Juancho Hernangomez e Malik Beasley) que se julgava insuficiente e tem polido os lingotes do cinco inicial. E numa organização que nos habituou a uma postura "low profile", já nem o silêncio é de ouro.
Malone disse recentemente que os adeptos das outras equipas são bem-vindos a Denver, desde que levem uma derrota na bagagem [«Take that L on the way out»], num dos melhores "soundbytes" desta época. Ninguém ganha nada em novembro e ainda está bem presente o que aconteceu na temporada passada, pelo que, mais do que embandeirar em arco pelo início promissor, os Nuggets preferem fechar a época com chave de ouro. Será este um ano dourado em Denver?
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