A NBA e a associação de jogadores chegaram a um entendimento, no mês passado, para a realização do All-Star e o anúncio oficial foi feito esta quinta-feira. O objetivo é claro: assegurar as receitas da transmissão televisiva de um dos espetáculos desportivos mais mediáticos da época. A cidade escolhida foi Atlanta, onde está a sede da estação televisiva que detém os direitos de transmissão do evento - o All-Star, este ano, seria disputado em Indianapolis, mas foi inicialmente adiado por causa da covid-19 -, e o programa foi ajustado para que concursos e jogo se realizem no mesmo dia.

Apesar do acordo entre liga e associação que representa os atletas, muitas foram as vozes que se levantaram contra todo o processo, incluindo as das superestrelas LeBron James, Kawhi Leonard e Giannis Antetokounmpo. Com uma média diária a aproximar-se dos 100 mil casos de covid-19 nos Estados Unidos, a NBA afirma que as regras e restrições para os elementos presentes nas festividades do All-Star serão rígidas, até porque ninguém quer que as principais estrelas do jogo fiquem infetadas e, dessa forma, desfalquem as respetivas equipas por um período alargado.

Para garantir o espetáculo e as narrativas que fazem correr tinta nos «media», as equipas do All-Star serão novamente escolhidas por um capitão de cada uma das duas conferências e a NBA vai voltar a apostar num sistema de «Elam ending» para o final do jogo, ou seja, um último quarto não cronometrado e com o objetivo de chegar a uma pontuação previamente definida, num evento em que liga e associação de jogadores vão utilizar para doar mais de dois milhões e meio de dólares a universidades historicamente ligadas à comunidade afro-americana e a fundos de apoio à luta contra o novo coronavírus.


Ouça aqui o episódio desta semana do Bola ao Ar, podcast sobre NBA produzido pela MadreMedia e apresentado por João Dinis e Ricardo Brito Reis:


Todas as ideias são boas para melhorar o All-Star, sobretudo o jogo, que se transformou numa exibição descolorida, em que as estrelas da liga não se aplicam no meio-campo defensivo e se limitam a exibir o reportório atacante, numa sequência infindável - e sem piada - de afundanços e «alley-oops». Mas a NBA pode aprender com... a própria NBA e tornar o jogo All-Star num evento ligeiramente mais competitivo e, em especial, com muito mais interesse gerado um pouco por todo o planeta. Como? Seguindo o exemplo do que já faz há seis anos com o jogo das «Rising Stars».

Em 2015, a liga instituiu que o jogo entre as estrelas emergentes - «rookies» e atletas de segundo ano - fosse disputado num formato em que os Estados Unidos da América defrontam uma seleção do Resto do Mundo. O resultado? Os adeptos têm verdadeiramente uma equipa pela qual torcem e os próprios jogadores encaram a partida um pouco mais a sério ou não fosse uma das narrativas que sempre gravitou na NBA a da sobranceria dos norte-americanos em relação a jogadores estrangeiros. Quanto a resultados nestes seis anos? Três vitórias para os EUA e três triunfos para o Mundo.

Convém recordar que, nos anos mais recentes, tem sido evidente o cada vez maior impacto dos atletas estrangeiros na NBA. Giannis Antetokounmpo ganhou o prémio de Most Valuable Player nas últimas duas temporadas, o grego foi distinguido com o Defensive Player of the Year na época passada, sucedendo ao francês Rudy Gobert (vencedor em 2017/18 e 2018/19), o camaronês Pascal Siakam foi o Most Improved Player há dois anos, numa época de 2018/19 que teve no esloveno Luka Dončić o Rookie of the Year, um ano depois do australiano Ben Simmons.

Mesmo esta época, o sérvio Nikola Jokić e o camaronês Joel Embiid juntam-se a Antetokounmpo, Dončić, Gobert e uma mão cheia de norte-americanos na corrida a MVP, num ano em que 107 dos 450 atletas da NBA são não-americanos e representam 41 países diferentes. Um em cada quatro atletas da liga são estrangeiros e este cenário com mais de uma centena de atletas internacionais é uma tendência com vários anos. Não haverá já base de recrutamento suficientemente alargada para fazer uma versão EUA vs. Mundo no próprio All-Star Game? Sim, há.

Olhando para o jogo deste ano, podemos assumir como praticamente certa a presença de Jokić, Embiid, Antetokounmpo, Dončić, Gobert e Simmons, embora existam argumentos mais do que válidos para incluir também os canadianos Jamal Murray e Shai Gilgeous-Alexander, o camaronês Pascal Siakam, o lituano Domantas Sabonis e o montenegrino Nikola Vučević. Só aqui já estão onze atletas de topo da liga. Acrescente-se o letão Kristaps Porziņģis ou o argentino Facundo Campazzo e temos doze nomes dignos de uma seleção mundial.

Pelos EUA, imagine-se um cinco composto por Steph Curry, Damian Lillard, Kawhi Leonard, LeBron James e Kevin Durant, e um banco de suplentes com Kyrie Irving, James Harden, Bradley Beal, Devin Booker, Jaylen Brown, Jayson Tatum, Bam Adebayo e Anthony Davis. Uma autêntica Team USA. O problema é mesmo ter que deixar de fora tanto talento - Paul George, Donovan Mitchell, Zion Williamson, Brandon Ingram, Jimmy Butler, Khris Middleton, para além de De'Aaron Fox, Julius Randle, Jerami Grant, Fred VanVleet, Zach LaVine, Ja Morant e CJ McCollum.

A NBA nunca deverá adoptar este formato no jogo principal, não só pela quantidade de norte-americanos que ficariam de fora e as respetivas implicações financeiras - as nomeações para All-Star são sinónimo de bónus nos contratos dos jogadores -, mas também pela vergonha que significaria uma derrota dos EUA. Uma coisa é o jogo dos miúdos e outra é o evento principal. No entanto, seria, sem qualquer dúvida, um enorme sucesso de audiências. E se é o dinheiro que justifica a decisão de avançar para o All-Star, esta era uma oportunidade de ouro para fazer o teste.