Como qualquer outro campeonato, a liga portuguesa é pautada pelos grandes jogos. Os clássicos e derbies são sempre motivo de alvoroço no país, com as equipas a entrarem em campo pressionadas a fazer ali uma das melhores exibições da temporada. Estes são jogos decisivos, especiais, 90 minutos que exigem que os jogadores se transcendam. O passado, esse, mostra-nos que há jogadores historicamente talhados para estes encontros e outros que, apesar do sucesso nas restantes jornadas, parecem desaparecer nos momentos decisivos.
Numa altura em que pelo menos seis jogos entre os chamados três clubes grandes estão garantidos até ao final da temporada, ditados pelo avanço de todos os grandes até às fases finais das duas competições internas, Taça de Portugal e Taça da Liga, propomos três comparações, uma por cada grande, sobre aqueles jogadores que ficaram para história dos jogos grandes e dos outros, aqueles que demoraram sempre a aparecer nos momentos decisivos.
O ‘Incrível Hulk’ e o ‘fantasioso’ Brahimi. Quem fica à frente de quem?
Na segunda década do Século XXI, o FC Porto teve vários jogadores de alta categoria no ataque, desde 'Cha Cha Cha' Jackson Martínez, a 'El Tigre' Falcao, passando pelo atual fantasista Yacine Brahimi. Contudo, houve outro jogador que mexeu por completo com o universo azul e branco, de seu nome Givanildo de Sousa, e de alcunha, Hulk.
O canarinho que tanto atuou na ala esquerda como direita ao serviço do FC Porto, representou o emblema nortenho durante quatro épocas, tendo saído no início da quinta, marcando ainda dois golos no campeonato, antes da transferência para o Zenit. Em termos de números alinhou num total de 169 encontros e foi responsável por 78 golos e 60 assistências.
Considerado o melhor jogador da Liga NOS por duas ocasiões e melhor marcador em 2010/2011 em Portugal, Hulk foi um dos melhores jogadores a passar pelos campeonatos nacionais, com números estratosféricos para alguém que alinhou sempre como extremo.
A saída do Incrível abriu um problema que ainda hoje não foi resolvido nas alas do FC Porto, mesmo com a chegada de Yacine Brahimi em 2014, que nunca atingiu os números ou exibições do brasileiro.
A diferença de números globais (Hulk: 169 jogos; 78 golos e 60 assistências. Brahimi: 192 jogos; 48 golos e 40 assistências) entre os dois permite traçar uma diferença grande. Sendo que o único argumento plausível de ser trazido para a discussão, é que durante os últimos quatro anos não teve colegas de equipa da mesma qualidade que os de Hulk, mas mesmo assim seria um argumento algo ténue, até pelas prestações do canarinho.
Hulk sempre foi um jogador eficiente, categórico na forma como abordava os adversários e extremamente dinâmico, munido de um pontapé que assombrava qualquer guardião, enquanto que o argelino tem um drible genial, cria dores de cabeça aos seus adversários diretos, mas peca muito na hora de decidir, como se viu em Alvalade, no jogo do passado domingo, num dos últimos lances do jogo.
No que toca aos Clássicos, também há uma esmagadora diferença entre ambos. E também a favor de Hulk (ver caixa).
É notória a diferença com Hulk a ter concretizado 14 golos e assistido por 10 ocasiões, enquanto Brahimi só marcou um golo e realizou 4 assistências, números desoladores para um jogador de suposta alta categoria.
Contra factos e números não há argumentos e Brahimi é na realidade um dos jogadores mais “pobres” do ataque do FC Porto em termos de eficácia e decisão em jogos grandes, algo que foi sentido nos últimos 4 clássicos… felizmente para os dragões apareceu Alex Telles para criar lances de ataque com pés e cabeça.
De 'Pistolas' a Tacuara, quem decidiu mais?
O Benfica teve, nos últimos anos, diversos estrangeiros como protagonistas da equipa. Pablo Aimar, Ederson e Witsel são bons exemplos disso, mas dois estrangeiros destacaram-se pelos golos marcados: Jonas 'Pistolas' e Óscar Tacuara Cardozo. O brasileiro tem sido o abono de família da equipa encarnada nos últimos anos e o paraguaio foi-o durante sete temporadas na Luz.
Ambos são goleadores natos, Jonas marcou pelo Benfica 131 golos em 167 jogos (0,78 golos/jogo) e Cardozo fez 172 golos em 293 jogos (0,59 golos/jogo). O brasileiro tem-se mostrado um goleador mais afinado do que o paraguaio, mas todos lembramos o paraguaio como um dos maiores artilheiros encarnados. Porquê?
A resposta é simples: a performance em jogos grandes (ver caixa)
Vemos que, apesar da maior quantidade de golos, nos jogos contra os grandes Jonas não aparece. Pelo contrário, Tacuara brilhou nos encontros maiores, principalmente contra Sporting e Porto. Já Jonas apenas contra o Braga exibe a veia goleadora, sendo que contra leões e dragões o brasileiro perde a capacidade de decidir.
Tal pode ser explicado por uma diferença de abordagem das respetivas equipas, mas não só. Nestes encontros vemos Jonas esconder-se do jogo, rematar menos, distanciar-se mais do protagonismo. Com Cardozo assistia-se o oposto. Víamos o avançado a tomar conta dos jogos, fazer sentir a sua presença na área adversária e decidir.
Cardozo sempre foi um jogador temido pelos rivais. Já Jonas começa a ser sinal de pouca eficácia nos jogos grandes. O brasileiro tem sido monstruoso no clube da Luz, mas peca nos momentos mais altos da equipa. Tacuara é o oposto, passava vários jogos sem marcar e por vezes fazia os adeptos desesperar pela falta de mobilidade, mas conseguia sempre aparecer no momento certo.
Também nas assistências, área onde seria de esperar uma liderança de Jonas, vemos pouca ação do brasileiro. Jonas tem apenas duas assistências contra os dois principais rivais, mesmo tendo o jogo a passar por si a todo o momento. Cardozo tem poucas assistências, como seria de esperar, mas compensa com a veia goleadora.
Os dois são os maiores goleadores estrangeiros do Benfica e não podiam ser mais diferentes. Cardozo era um jogador de força, de área, um matador “à antiga”. Jonas é um avançado cheio de perfume, de técnica, que vem atrás buscar jogo e construir. Também nos momentos das grandes decisões são diferentes com um a agigantar-se e outro a esconder-se.
Entre o ‘Levezinho’ e o ‘Gigante Holandês’, quem manda em Alvalade?
O Sporting sempre foi famoso pelos avançados de enorme qualidade como são os casos de Manuel Fernandes, Beto Acosta, João Vieira Pinto, os Bota de Ouro Yazalde ou Jardel, ou recuando no tempo, o eterno Peyroteo, ainda hoje detentor da média de golos mais elevada no mundo.
No entanto, nos últimos anos de história do clube, os grandes avançados da equipa podem reduzir-se a dois nomes: Liedson, o ‘Levezinho’, e Bas Dost, o ‘Gigante Holandês’.
Mas qual dos dois pode ser considerado o melhor? Bas Dost apresenta números superiores ao nível da finalização, tendo praticamente o mesmo número de golos que tem de jogos na Liga Portuguesa. No entanto o avançado holandês é um jogador que não participa no jogo, tem claras debilidades na progressão com bola e na construção do jogo. Neste aspeto particular, o Levezinho é o jogador que mais encantava os sportinguistas, uma vez que desempenhava um papel que ia muito mais além do que a de goleador.
Liedson jogava e fazia os outros jogarem, dando outra dinâmica ao futebol leonino, abrindo ainda espaço para jogadas e golos absolutamente magistrais, ações que não se espera que sejam repetidas por Bas Dost, um jogador com uma forma de estar em campo completamente paradoxal.
Quando olhámos para os Clássicos, os números dão ainda mais razão ao que foi dito em cima (ver caixa).
Nos derbies, Liedson era o tormento dos defesas encarnados e fazia de Luisão a sua vítima favorita. Nove golos em 14 jogos são números extraordinários, principalmente quando nos lembramos da qualidade e da alegria que os mesmos trouxeram. O número de assistências também mostram que Liedson conseguia ser decisivo em mais capítulos do jogo do que o holandês (basta pensar, já no FC Porto, no seu último ano em Portugal, a assistência para Kelvin decidiu um campeonato).
Nos jogos com o Porto, ambos os avançados tiveram sempre enormes dificuldades, fruto de ambos terem apanhado quase constantemente equipas do Porto muito superiores às equipas do Sporting onde atuam, no entanto, mesmo aí, Liedson “conseguiu molhar a sopa”, algo que Bas Dost ainda continua a tentar, depois de ter falhado outra vez no último encontro.
O Braga obriga a uma leitura diferente, uma vez que os guerreiros do Minho de agora é uma equipa bem mais exigente que a dos anos de Liedson. Neste caso, Bas Dost tem sido imperial somando já quatro golos em outros tantos jogos contra os bracarenses. Já ultrapassou o luso-brasileiro com menos oito encontros disputados. Mas mais uma vez perde no capítulo das assistências, continuando a provar que Liedson era mais completo enquanto jogador.
Como tal, Bas Dost é um matador, mas necessita de uma equipa a trabalhar para ele, enquanto que Liedson foi durante muitos anos o motor do Sporting e o homem que carregava a equipa às costas, sendo mais completo e mais útil à construção do jogo da mesma. Algo que as próprias diferenças anatómicas ajudam também a explicar.
Comentários