A Liga dos Campeões já lá vai. Quer para a turma de Lisboa, quer para o histórico da antiga Constantinopla, hoje Istambul. No caso dos encarnados, há novo treinador, novo sistema tático e uma equipa com o team spirit à la "Super Wings". Foi como se, de há dois meses para cá, houvesse uma catarse emocional no plantel, pela batuta do novo maestro, Bruno Lage, que injectou novo ânimo no clube e nos seus adeptos. (E, vou só especular um pouco neste ponto, mas trouxe também uma ou duas coisas engraçadas de Carlos Carvalhal — analogias — para as conferências de imprensa.)

Ora, Lage parece ter devolvido não só a alegria aos jogadores que já iam frequentemente a jogo, mas também remodelou o lado anímico daqueles que estavam sem espaço. No entanto, ainda que assim fosse, hoje tratava-se de um jogo de contexto diferente. Era dia de estreia, dia de nervosismo (para ele e não só) e dia de arrancar bem na eliminatória. Era preciso contar com a experiência de todos. Isto, vá, na teoria. Na prática, o treinador encarnado sabe os jogadores que tem e, apesar de se debutar nas competições europeias, isso não o impediu de deixar Grimaldo, Pizzi e Jonas em Lisboa, apostando noutros jogadores menos convocados. "A época é longa", disse em conferência de imprensa de antevisão para justificar a decisão de deixar o trio (de pedras basilares) em casa. Mas não se ficou por aí.

É que no início desta quinta-feira, as dispositivos móveis munidos de aplicações que permitem a troca de mensagens instantâneas, eram testemunhas de um autêntico frenesim enquanto espalhavam o onze inicial escolhido por Lage, para ir a jogo na Türk Telekom Arena, reduto do Galatasaray. Ou não tivesse este apostado num 11 inicial que, no mínimo, ninguém estava à espera. Foram seis as mexidas relativamente à equipa que no último jogo venceu o Nacional por 10-0, a contar para o campeonato nacional.

Tirando os casos de Yuri Ribeiro e Salvio, que ninguém duvidava que figurassem entre os titulares via não-convocatória de Grimaldo e Pizzi, outros há que muito poucos esperavam nos eleitos ao 11 inicial: falamos dos caso de Gedson Fernandes, Florentino e Corchia. Ou seja, o Benfica alinhou com Vlachodimos, Sebástien Corchia, Ferro, Rúben Dias, Yuri Ribeiro na defesa; Florentino Luís, Gedson Fernandes, Cervi e Salvio no meio-campo; João Félix e Seferoviç a assumirem as despesas do ataque. Quer isto dizer que o Benfica, para além de se apresentar com seis novidades, fê-lo com seis jogadores da formação. E, ainda assim, deu um passo gigante na eliminatória esta noite frente ao Galatasaray.

Galatasaray vs Benfica
créditos: EPA/TOLGA BOZOGLU

Findos os 90' percebeu-se que as peças do xadrez mudaram, só que a interpretação de Lage do jogo ficou. Uns atletas melhor que outros (Corchia revelou sempre dificuldades, Florentino fez um jogo tremendo) conseguiram uma vitória que foi bem saborosa para o treinador digerir, porque no final tudo acabou por correr bem (em certas alturas ficou a sensação que a coisa podia ter corrido de maneira totalmente diferente). Houve vitória, golos e os mais novos do Seixal estiveram à altura da chamada, num terreno bem complicado.

Para além da estreia nas competições europeias de Florentino, Yuri Ribeiro e Ferro, a equipa conseguiu resistir ao sempre difícil ambiente de Istambul e a exibição foi francamente positiva. Especialmente nos momentos decisivos em que não se podia falhar. Salvio, que nem estava a ser particularmente feliz no capítulo ofensivo, não vacilou na hora de marcar o penálti. E mesmo quando o Benfica teve as suas dificuldades para sair a jogar, especialmente na primeira fase de construção, Florentino voltou a mostrar-se forte ao nível do desarme e encheu o meio-campo na hora de defender, secundado por Yuri Ribeiro, que mesmo tendo tido dificuldades no capítulo defensivo, mostrou-se ativo na hora de atacar.

Para mais, tal como aconteceu na segunda parte, os encarnados marcaram quando o adversário estava em crescendo. Qualquer altura é boa para fazer golos, mas há momentos que transformam um jogo. Esta noite, a equipa de Lage marcou dois em dois desses momentos. A jogar em casa, o Galatasaray tentou assumir, sem surpresa, as rédeas do jogo e mostrou-se pressionante. Só que sofreu dois golos quando estava por cima. Além disso, ainda que os turcos tenham tido mais bola, os encarnados acabaram com mais remates (enquadrados e feitos).

Recorde-se que, apesar da vitória, do lado oposto, havia uma equipa turca que também está a atravessar um bom momento. À partida para esta primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa, o Gala está em 2.º lugar do respetivo campeonato e vinha de presságio resultadista bem agradável: seis vitórias em sete jogos disputados. No entanto, fazendo aquela análise básica à estatística, esta revelou um pouco daquilo que foi o jogo de hoje: a média de golos marcados é inferior a 2 (41 em 21 jogos) e a de sofridos é de superior a 1 (sofreu 23 em 21 jogos). Neste jogo, as debilidades defensivas ficaram novamente patentes e voltaram a exibir os números dessa média registada para a nível doméstico: sofreram mais que um golo.

Mas o Galatasaray até não começou mal. Aos 17’ e 19’ a bola rondou com muito perigo na zona da baliza do grego Odysseas Vlachodimos. No primeiro momento, a defesa do Benfica ficou toda parada à espera de um fora-de-jogo que nunca veio e que podia ter dado golo turco. Já na jogada quase imediatamente a seguir, acontece a primeira situação de verdadeiro perigo. Combinação do lado direito entre Martin Linnes (o norueguês obrigou Cervi a trabalho defensivo redobrado) e Feghouli, com o último a cruzar com perigo para o miolo da defesa benfiquista. Rúben Dias cortou de carrinho (com as costas), a bola sobrou para Onyekuru, sendo que o extremo, descaído da esquerda para o centro, rematou cruzado para o poste mais distante. Vlachodimos ficou a olhar, mas nada podia fazer caso fosse na direção da baliza.

Estávamos numa fase do jogo em que o Benfica mal conseguia passar da linha do meio-campo. Sempre a criar mais perigo pelo lado de Yuri Ribeiro, o Galatasaray tomava conta do encontro. Os encarnados, diga-se, não entraram mal. Mas Florentino foi obrigado várias vezes a compensar algum desacerto posicional de Gedson Fernandes e isso estava a custar um pouco à equipa. Se é verdade que este último desequilibra na fase de transição uma vez que é rápido a sair com bola e assim dá início a contra-ataques, no momento defensivo em que é obrigado a fazer pressão acaba por várias vezes por estar em zonas onde já estava Florentino Luís. Foi assim até ao lance do primeiro golo do jogo, a favor dos encarnados, aos 25'.

O lance teve início de forma pujante e contra a corrente daquilo que se estava assistir nos últimos 10 minutos. Numa transição rápida, Florentino Luís começa a jogada, oferece a bola a João Felix, este fá-la chegar até à asa esquerda aos pés de Yuri Ribeiro, que galgou terreno e cruzou à procura de Seferović. Marcão (reforço de inverno e ex-Chaves) cortou o lance com o braço. O árbitro não teve dúvidas e assinalou de pronto grande penalidade. Chamado à marca dos 11 metros, Salvio (que neste jogo ergueu a braçadeira de capitão com as ausências de André Almeida e Jardel) mostrou frieza e rematou rasteiro, junto ao poste esquerdo, para abrir o marcador e dar a liderança na eliminatória ao Benfica. Muslera, guardião uruguaio, ainda adivinhou o lado, mas não conseguiu chegar à bola. 

Um golo é bem vindo seja em que momento for, mas este não podia ter chegado em melhor altura. A muralha encarnada resistiu como pôde às ameaças do Galatasaray, que pressionava alto, embora sempre a explorar os flancos (com o virtuosismo de Belhanda e Fehgouli) para criar perigo.

Já a segunda parte começa com uma substituição forçada e mais um contratempo para Lage. Salvio (48') fez sinal ao técnico a explicar que não estava em condições de continuar. É então que Gabriel (ex-Leganés, que parece outro jogador desde que o novo treinador do Benfica o colocou no miolo do seu 4-4-2) entra para o seu lugar e Gedson passa para a direita. Contudo, poucos minutos depois, aos 54', o Galatasaray faria o empate (Não que estivesse relacionado uma coisa com a outra).

Nagatomo, que é um destro a jogar na esquerda, faz um cruzamento para o meio da área e o central Luyindama aparece nas alturas (e nas costas de Yuri Ribeiro, que parece nem ter saltado) para cabecear e fazer o golo. A equipa turca tinha entrado melhor e capitalizou a sua superioridade. Porém, naquele momento em que se pensava que na "segunda parte os encarnados não conseguiam continuar com os seus contra-ataques, causar perigo ou até passar a linha de meio campo", dez minutos depois, aos 64', Seferović começa a correr sobre a direita, a corresponder a um passe longo de Rúben Dias que solicitava as costas da defesa turca, ganhou na luta de corpo a corpo a Marcão e fez um golo em arco, com o seu pé esquerdo, de belo efeito.

Após o segundo golo encarnado, o Benfica pôde controlar o jogo. Não houve lances de real perigo e o Galatasaray nunca conseguiu transformar a posse de bola em golo. Apesar da juventude, a equipa portuguesa conseguiu manter a solidez defensiva e controlar os contra-ataques dos homens da casa. Houve tempo para Cervi ceder o lugar a Krovinovic para este aumentar os minutos nas pernas e Samaris estancar o miolo (saiu Gedson Fernandes).

Salvio e Seferović fizeram os golos, mas há outra boa notícia no meio do bom resultado: Florentino Luís mostrou que Lage pode contar com ele. Tem carinha de adolescente, mas fez uma exibição de homem completo. Intercetou, desarmou e passou com grande qualidade, num jogo que ditou a sua estreia em competições europeias. Os olhos estavam atentos ao que João Félix podia fazer, só que, hoje, a noite teve o timbre de outro jovem. De resto, foi a primeira vitória do Benfica na Turquia e, no décimo de jogo com Lage, os encarnados somaram a nona vitória.

Agora, cabe ao Benfica resolver a eliminatória no seu reduto, a 21 de fevereiro, no Estádio da Luz, em jogo da segunda mão.

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

O remate do Diagne aos 20’, sem ângulo e com desacerto. Matulão, o típico Jogador-Alvo do Football Manager, enviou a bola para a bancada num lance que, não estando eu na cabeça do jogador, quero acreditar que o próprio não teve fé que aquilo que ia dar em golo. É certo que é um jogador forte no jogo aéreo e que consegue disputar muito bem a bola entre os centrais, mas... não pareceu dos mais astutos na hora de rematar à baliza. 

Fica na retina o cheiro a bom futebol

A exibição de Florentino Luís. Tem apenas 19 anos, mas na hora de se estrear a titular pela equipa principal e logo num ambiente terrível para os adversários como é a Türk Telekom Arena, com 50 mil alminhas a puxar pelos galões da equipa da casa, mostrou que pode ser opção e que pode ajudar a equipa — já e não apenas no futuro. Fez de tudo um pouco e nunca perdeu a compostura. Porque uma coisa é tê-lo feito contra o Nacional num jogo em que o resultado já estava decidido, outra bem diferente é fazê-lo na Liga Europa, na Turquia, numa fase a eliminar. Belíssimo jogo do jovem do Benfica.

Odysseias, a vantagem de ter um bom par luvas

A defesa do grego aos 85’, num lance de bola parada que parecia que ia dar golo antes mesmo do cabeceamento, é daquelas que vale tanto como um remate certeiro na baliza contrária (e aqui segurou mesmo a vitória). Era o segundo tento do Galatasaray e o segundo da conta pessoal de Christian Luyindama. Uma grande defesa que valeu uma grande vantagem para a Luz.

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

O jogador que não apanhou Seferoviç. Bem tentou acompanhar, mas o suíço este ano parece estar decidido a manter a boa forma. Hoje, voltou a ser novamente decisivo e foi preponderante a desgastar os defesas com as suas correrias. No lance do segundo golo, só parou mesmo de correr quando fez balançar a rede.