No decorrer da gravação de um documentário é normal que existam conversas, excertos, que não são aproveitados por não pertencerem ao contexto do mesmo. Quando entrevistámos o cineasta António-Pedro Vasconcelos (APV) no âmbito da série "Chegámos Lá, Cambada", o realizador de filmes como "Jaime" ou "Os Gatos Não Têm Vertigens" contou-nos uma história sobre Jorge Jesus, treinador que deixou recentemente o Sporting CP para embarcar numa aventura saudita, que agora recuperamos.
"Eu sou muito amigo e totalmente fã do Jorge Jesus", começar por dizer APV, "acho-o provavelmente o melhor treinador do mundo, não tenho grandes dúvidas". Declaração de intenções feita, portanto.
Mas voltemos a APV. "Tivemos uma conversa e estivemos a falar [sobre a forma] como ele via o treino e como eu encarava o meu trabalho e chegámos à conclusão que eram parecidos. O futebol e o cinema são a coisa mais parecida que há." Confusos? APV explica. "Passam-se ambos dentro de um retângulo - o relvado e o ecrã -, o que atrai as pessoas são os atores e os jogadores, os protagonistas. Mas por trás dos atores e dos jogadores há um trabalho, que é fundamentalmente um trabalho do realizador e do treinador. Depois, um futebol e um filme têm cerca de 90 minutos [e] dantes até havia intervalo [no cinema] (...). Um bom jogo de futebol e um bom filme têm suspense até ao fim. E por aí fora..."
Explicadas as parecenças, voltemos a JJ e às suas conversas com APV. "O que se aprende com ele a falar como ele vê o futebol e treina, é uma coisa incrível. São lições de borla que eu tenho", prossegue o realizador de "Call Girl", para depois contar uma história que o próprio Jorge Jesus lhe confidenciou. "Quando os jogadores vêm trabalhar comigo pela primeira vez", conta-nos António-Pedro Vasconcelos, citando o próprio Jesus, "a primeira pergunta que lhes faço é: ' tu tens ideia, num jogo inteiro de futebol, quanto tempo é que tens a bola nos pés ou na cabeça? Que tu tocas na bola?' (...) No máximo, dois minutos e meio. No máximo." E JJ dá depois um exemplo: "O Cardozo [antigo avançado paraguaio do SL Benfica] marcou três golos e tocou na bola [durante] 50 segundos [no jogo]".
Mas continuemos com a história. "E dizia-me o Jesus: 'eu depois fico à espera que eles me digam 'ó mister, mas porque é que me está a perguntar isso? (...) Porque é que isso é importante?'", relata APV, antes de rematar com a resposta de JJ."'Ora pensa lá... se calhar é porque os outros 87 minutos e meio são mais importantes'. Isto é brilhante", confidencia o realizador, adepto confesso do SL Benfica.
"'Quando tocas na bola'", prosseguiu APV, citando JJ, "'ou tu tens talento ou não tens talento. Podes melhorar. E vais melhorar, inclusivamente, se trabalhares melhor os outros 87 minutos e meio, se em cada momento do jogo estiveres no sítio certo'".
Como é que a conversa termina? Voltando à comparação entre. "Eu acabei a dizer mais uma razão [pra o futebol] ser igual ao cinema: sabe quanto é que rende um dia de filmagens? Dois minutos e meio. (...) Um dia inteiro [de filmagens] rende dois minutos e meio."
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