Antes da partida, Bruno Lage disse que o jogo frente ao Leipzig tinha de ser encarado sem medo. "Não podemos olhar para trás, nem para o que ganhámos e perdemos. Não podemos olhar para as nossas exibições fantásticas ou para o que temos feito de menos bom. Não podemos ter medo. Independentemente da competição, do adversário e da camisola, não podemos ter medo de nada”, sublinhou.
Foi sem medo que Lage renunciou à sua crença de equipa tipo da Liga dos Campeões que tinha apresentado até agora, composta por jogadores com menos minutos e habitualmente fora dos onzes titulares, como Jardel, Tomás Tavares e Gedson. Ao invés, apresentou na Alemanha a melhor versão possível do SL Benfica com André Almeida a fazer a estreia nesta edição da liga milionária, Ferro e Rúben Dias a formar dupla, Pizzi, o melhor jogador da equipa, a titular, e um meio campo com Gabriel e Taarabt que era precisamente a melhor bandeira da campanha ‘sem medo’ dos encarnados em Leizig que, de resto, se apresentava no habitual 4-4-2 com Chiquinho e Carlos Vinícius a fazer dupla na frente.
O futebol das águias era bonito: boa circulação de bola, boa variação de flancos, boa transição ofensiva. Uma equipa sem medo de sofrer para poder sair para o ataque em situações cirúrgicas. E isso deu frutos. Aos 20 minutos, numa transição rápida, Grimaldo lançou Taarabat, o marroquino combinou com Vinicius que já dentro da área cruza a bola para um corte incompleto de Upamecano que deixa a bola à mercê de Pizzi, que não se fez rogado, finalizou a jogada e fez o seu 14º golo na época, ficando a apenas um de atingir o seu melhor registo de sempre.
Este novo Benfica deixava no ar questões em relação a todos os outros jogos: esta equipa tinha futebol para enfrentar Leipzig, Lyon e Zenit sem as desilusões que foi semeando jornada após jornada. E se as alterações se iam justificando - por exemplo, aos 28 minutos André Almeida já tinha bloqueado mais cruzamentos do que Tomás Tavares em quatro jogos - o falhanço de Nkunku na cara de Odysseas Vlachodimos apenas três minutos depois do golo inaugural, antecipava a falta de sorte dos alemães no jogo.
Aliás, o minuto 36 é perfeito exemplo disso: primeiro um penálti de Grimaldo sobre Nkunku por assinalar, na sequência do mesmo lance um remate cruzado em arco de Sabitzer que obrigou Vlachodimos a uma defesa épica e depois um golo anulado — e bem, por fora de jogo na sequência do canto por parte do mesmo jogador.
Azares que o Benfica fazia esquecer na solidez do seu guarda-redes e nos pés de Pizzi que aos 45 minutos podia ter feito o 0-2 num remate de belo efeito que parte do lado esquerdo da grande área e terminou na barra do Leipzig.
Ao intervalo, os encarnados tinham um remate enquadrado com a baliza e um golo marcado contra um Leipzig perdulário com cinco. Os alemães lideravam todos os números, excepto aqueles que realmente importam, os do marcador.
A segunda parte começou praticamente com um golo anulado à equipa comandada por Julian Nagelsmann, por falta assinalada sobre Vlachodimos, seguida, sete minutos depois, de mais uma grande intervenção do guarda-redes grego a uma boa oportunidade de Marcel Sabitzer, novamente negado.
O Leipzig pressionava, mas o Benfica continuava a ser inteligente, sem medo, a saber esperar atrás pelo momento certo de saída para o ataque. Assim foi aos 59 minutos, passe de Taarabt, a completar-se a si mesmo, com a escorregadela do internacional alemão Klostermann e a isolar Carlos Vinicius que se estreou a marcar na Europa e fez o nono tento na presente temporada.
Os alemães tentavam, mas esbarravam numa daquelas regras absolutas que o universo faz e que nos fazem dizer: “este não é o teu dia”. Rúben Dias meteu-se no caminho de Werner aos 68 minutos e impediu o golo. Depois, Patrik Schick tentou picar sobre Odysseas e falhou a baliza. Se aos 79, Ferro tirou o golo a Forsberg, dois minutos depois, o médio ofensivo sueco, na cara do guarda-redes, não acertou bem na bola.
Um minuto após o último susto, Bruno Lage, treinador que precisava de vencer para depender apenas de si para garantir o apuramento para os oitavos de final da Liga dos Campeões, decidiu tirar Vinicius e colocar Raúl de Tomás em campo, uma opção estranha de refrescar o ataque quando a pressão adversária recaía sobre as linhas mais recuadas dos encarnados, onde os alemães tinham fixado arraiais. Contudo, a estranheza dessa opção deu lugar à ilusão de que o Benfica, que nunca venceu na Alemanha para a Liga dos Campeões, somando apenas duas vitórias em terrenos alemães nas competições europeias — uma vitória em Estugarda por 2-0 em 2012 e uma vitória por 1-0 em Leverkusen no ano seguinte —, poderia sair da Red Bull Arena com um resultado histórico, não fosse o remate do meio-campo de RDT ter sido desviado com as pontas dos dedos de Mvogo que tinha entrado para o lugar de Gulácsi, que saiu lesionado no lance do segundo golo do Benfica.
Mas não, a estranheza chegou para se instalar definitivamente quando, depois de o Leipzig ter reduzido a desvantagem por intermédio de uma grande penalidade — falta de Rúben Dias sobre Schick, que se habilitava a fazer um golo com uma jogada individual de se tirar o chapéu, e que Forsberg converteu — Bruno Lage, aos 90+3, num período de compensação de nove minutos, tirou Pizzi, o melhor elemento encarnado em campo, para colocar Caio Lucas, um extremo de pendor ofensivo que até ao momento tinha apenas somado 248 minutos distribuídos por oito jogos, em todas as competições.
Lage entrou sem medo e isso valeu-lhe o melhor futebol do Benfica na Europa nesta edição da Liga dos Campeões. Mas se a adrenalina sedenta de imortalidade é catalizadora de grandes feitos, roubando-nos o bom senso da precaução, também o é de grandes erros. Num momento que se pedia uma decisão "rui vitoriana" de colocar um médio-defensivo em campo, quando Florentino, titular habitual dos encarnados, estava no banco, a entrada de um atacante é inexplicável.
Perfeitamente explicável tornou-se o empate 2-2 com que terminou o jogo. Ao minuto seis do tempo extra, Werner cruzou e Forsberg saltou sozinho, numa falta de marcação gigante, e, de cabeça, bisou na partida, repondo justiça na partida, colocando fim à ilusão europeia e devolvendo os pés dos adeptos benfiquistas à terra, já que, há precisamente um ano, também num jogo da quinta jornada da fase de grupos, saíram da Alemanha desolados depois de uma derrota por 5-1 na casa do Bayern Munique.
O "general sem medo" deu ao Benfica a ilusão de que o projeto europeu podia ser renegociado, que a equipa se podia reerguer com base numa ideia de um futebol inteligente com os melhores ativos em campo, mas acabou com ela quando não soube ter medo, defender a sua baliza e entender que a mortalidade é válida em cada minuto do jogo, até no último.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
O falhanço de Nkunku frente a frente a Vlachodimos ao minuto 23, três minutos depois do Benfica ter inaugurado o marcador, foi de sorte idêntica ao Grupo de Contanto do Livre. Os membros da direção do partido podiam ter passado o dia todo a ligar que Joacine não ia atender o telemóvel e os alemães podiam rematar as vezes que quisessem que a bola ia entrar. Acontece que ao fim de 90 minutos, um destes problemas resolveu-se.
Pizzi, a vantagem de ter uma alcunha inspirada em Zidane
Justamente apelidado de Pizzedine pelos adeptos encarnados, Pizzi é sem dúvida o melhor elemento do SL Benfica. Com o internacional em campo o jogo é outro. Vimo-lo ser o melhor jogador encarnado em campo e a sair para dar lugar a Caio Lucas naquela que foi provavelmente a pior decisão tomada na história daquele estádio.
Fica na retina o bom jogador de futebol
O primeiro golo do Benfica é uma jogada coletiva ótima, de primeiro toque. O que mostra que o Benfica tinha futebol para não desiludir nos redutos difíceis do Vizela e do Leipzig.
Nem com VAR assinalava aquele penálti
Ao minuto 36, Grimaldo empurrou Nkunku em plena área. Uma grande penalidade indiscutível que não foi assinalada pelo árbitro espanhol Jesús Gil Manzano, que nem consultou o VAR. Foi estranho, incomodativo e que me revoltaria se acontecesse num save de Football Manager.
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