Para os mais desatentos ou para aqueles que desconhecem por completo o rugby nacional, existem três divisões: a Divisão de Honra (onde está o Campeão em título CF "Os Belenenses", o Grupo Desportivo de Direito ou a AEIS Agronomia, entre outros), o Campeonato Nacional 1 (CN1) e o CN2 (dividido num modelo competitivo regional que vai desde Tomar a Braga). Ou seja, três divisões compostas por 8, 10 e 14 formações, respetivamente, que jogam um pouco por todo o país.
Apesar das recentes dificuldades económicas, financeiras e logísticas da modalidade, a oval em território luso expandiu-se bem para o todo o território, faltando existir mais acerto para o Algarve (onde só existe o RC Loulé e o CRUAL) para além das Regiões Autónomas — onde não existe qualquer vislumbre de desenvolvimento do rugby. Mas essas são outras "lutas" que hoje não entram no calendário de jogo, portanto, voltemos para o assunto que interessa: o CN1.
A 2ª divisão de rugby em Portugal é mais interessante a nível territorial que a Divisão de Honra, pois alberga dois clubes do Alentejo (CR Évora e RC Montemor), um emblema da Margem Sul (Rugby Vila da Moita, que já caucionou a descida de divisão), outro do topo quase máximo de Portugal (CR Arcos de Valdevez), mais um da Cidade Berço (o Guimarães Rugby Union Football Club), para além dos cavaleiros do Vale do Tejo (o Rugby Clube de Santarém), os pelicanos do Oeste (o Caldas RC) e os lisboetas do Clube de Rugby de São Miguel e um dos titãs das modalidades a nível nacional, o Sport Lisboa e Benfica.
São por assim dizer 10 vizinhos (uns mais distantes dos outros) que coabitam num campeonato extremamente competitivo em termos de resultados e volte-faces, com momentos de espetacularidade única (sim, às vezes os grandes ensaios levam com uma pincelada de más placagens), uma intensidade física de qualidade (que prepara bem para o topo), entre outros apetrechos que alimentam o vapor de uma competição que tem sido algo "esquecida" pelas entidades responsáveis nos últimos anos (apesar de a nível web ser promovida por alguns sítios, entre o blog do Mão de Mestre ou o Fair Play).
Claro que o leitor pode e deve questionar o "porquê de se dar alguma importância a esta segunda divisão, quando é na Honra que estão os nossos internacionais e mais-valias?". É verdade que é na Divisão de Honra que temos os nomes fortes do rugby português como Sebastião Villax, Nuno Mascarenhas, João Bello, Jorge Abecassis, Vasco Ribeiro ou David Wallis, mas não é menos verdade dizer que também existe esse talento (ou promessa) no Campeonato Nacional 1. Vejamos alguns:
Entre Murteira e Roque há baluarte no Alentejo
Manuel Murteira, José Luís Cabral, José Leal da Costa (mais velho), José Roque são só quatro dos internacionais portugueses que estão a alinhar pelas equipas do Clube de Rugby de Évora e Rugby Clube de Montemor, respetivamente. Murteira e Leal da Costa saíram da "sua" Agronomia para ingressarem no clube que os plantou e fez crescer, recebendo-os agora num momento importante da vida no clube.
Já o Montemor tem em José Roque um nº8 muito jovem, com um talento espetacular que assusta pela agressividade que consegue colocar tanto na placagem ou na luta pelo breakdown, assumindo-se como um dos atletas que melhor sai da formação-ordenada ou que mais facilmente apresenta-se a correr ao lado dos mais rápidos da sua equipa.
Mas o talento das duas formações alentejanas não se fica por aqui, pois existe o Devorador de Ensaios Frederico Couto que já está praticamente nos 20 (são 100 pontos numa só época), para além de Manuel Nunes (asa dos mouflons, rápido, intenso e com um sentido de desafio único), Francisco Condeço da Silva, António Fonseca (ambos atletas eborenses), entre outros tantos.
Duas equipas que são guiadas por homens apaixonados pela modalidade e também conhecedores da mesma (falamos de João Baptista e Miguel Avó, que já explicaram as suas ideias em podcasts pelo Fair Play), para além de ter duas direções altamente apaixonadas no desenvolvimento do rugby no Alentejo!
José Luís Cabral a fazer estragos em Évora
Internacionais, promessas e resistentes para o futuro?
Para além do caso alentejano, encontramos outras promessas, antigos internacionais ou atletas que estão a redescobrir-se com o sonho de fazer algo mais no Planeta da oval. Casos de Rodrigo Aguiar (campeão nacional por Agronomia em 2007 e internacional português joga pelo RC Santarém), Viriato Teixeira (um panzer do CRAV complicado de parar), Samuel Lemos (o defesa do Guimarães RUFC mete o pé no "acelerador" e já não o veem mais), André Lemos (o atleta do CR São Miguel é dos jogadores mais jovens em Portugal a ultrapassar a centena de jogos), Tomás Lamboglia (abertura do Caldas RC é um talento com sangue argentino mas alma portuguesa), Francisco Bessa (o centro podia ter já chegado à Seleção Nacional caso tivesse seguido um caminho mais consensual, mas está no rugby pela paixão e descoberta), Frederico Melim (veterano do SL Benfica), Pedro Silva (abertura do RV Moita, é um comandante à Sexton), Paulo Marques (um pilarão que gosta de fazer mossa nas entradas), entre outros tantos que jogam e habitam nesta divisão.
São dezenas de atletas que poderiam ingressar na Divisão de Honra sem muitos problemas, até porque têm a capacidade de trabalho, mental e vontade (faltando só a intensidade, adaptação a um jogo mais rápido e extremamente físico em momentos cruciais) para chegar a esse pico. Contudo, qualquer um destes nomes não se vê fora destes emblemas do CN1 e estão aqui para ficar... ou subir, caso o seu emblema consiga a tão desejada promoção.E há talento de fora a jogar neste campeonato?
Talento, físico e rasgo este é Francisco Bessa
Das Fiji a Gales, o cardápio de estrangeiros interessantes do CN1
Mencionemos só alguns dos nomes que valem a pena vocês seguirem com mais atenção, até porque nunca se sabe até onde podem chegar, como aconteceu com o ex-agrónomo Chris Eves (Maori All Black e atleta dos Hurricanes, das melhores equipas do Hemisfério Sul), Samuel Henwood (idem ao seu colega), Julio Farias (o ex-Belenenses já não joga, mas chegou a marcar um ensaio aos All Blacks pela Argentina em 2011):
- Matt Ritani (SL Benfica) é um nº8 que tem tudo para se afirmar em Portugal e mesmo fora... dinâmico nas saídas da formação-ordenada, é como um rolo compressor com motor a nitro, sempre a dar às pernas, incansável e com um sorriso estampado na cara. Defende como poucos, sacrifica-se pelos seus colegas e apresenta uma postura humilde, inteligente e genial. Talvez o melhor reforço do CN1 em 2018/2019;
- Robert Delai (CR São Miguel) veio da AEIS Agronomia depois de findado o contrato e tem sido um dos "motores" da avançada dos bulldogs de Alvalade. Para além dos ensaios feitos em espaço curto, é a forma como se bate no contacto e pela voracidade com que ataca a bola na defesa que fazem do pilar um dos melhores avançados em Portugal;
- Vance Elliot (RC Lousã)... não encontram muitos como o talonador lousanense, que na sua terra-natal da Nova Zelândia ainda conquistou alguns títulos menores em clubes de província. É extremamente rápido, "grande" e difícil de parar, assumindo-se como um dos líderes da formação do centro de Portugal;
- Luan Almeida (RC Montemor) o canarinho está em Portugal e já vai com 11 ensaios na temporada. É um talento puro e duro das academias de rugby do Brasil, mais concretamente do seu Jacareí Rugby que tem caminhado bem pelo RC Montemor, onde a sua presença e disponibilidade física enchem o campo dos mouflons com qualidade;
- Rafael Morales (RC Santarém) querem um nº 10 que mete pontos de qualquer ponto do campo? Então não contem com o Rafael Morales, porque ele não sai de Santarém! O internacional brasileiro tem dos pés mais afinados em território nacional, conseguindo consecutivamente pôr a bola entre os postes de uma forma irritante que deixa os adversários desesperados;
Existem outros nomes como Matheus Daniel (internacional pelo Brasil), Oscar D'Amato, Esdale Litz, Thankgod Okafor, Felipe Rosa que merecem também uma atenção redobrada do leitor...e dos adversários;
O Melhor Ensaio da época foi de Ritani?
E o que há mais para saber?
Outros detalhes vão para treinadores como Rui Carvoeira (e Nuno Damasceno) com o selecionador Nacional de sub-18 a ajudar no alimentar do sonho de crescer do CR São Miguel. Um treinador exigente mas sempre pronto a mostrar o caminho das pedras aos seus atletas, que voltou em 2016 a uma "casa" que conhecia bem dos seus tempos como atleta.
A dupla dos encarnados do INATEL, Francisco Aguiar e Carlos Castro vêm com selo de sucesso, pois ambos já andaram pelas divisões superiores tanto como jogadores ou staff técnico e juntaram-se em 2017 para liderar o projecto do SL Benfica em regressar à Divisão de Honra.
E Patricio Lamboglia (sim, pai do nº10 do Caldas RC, mas acreditem que o filho joga porque merece e é um jogador especial) o mestre por detrás dos pelicanos que tem tentado levar o emblema do Oeste para outro patamar.
Para além disso, os melhores marcadores de ensaios a duas jornadas do fim da fase regular (e só colocamos aqui os jogadores que conseguimos obter os dados, sendo que atletas da Lousã ou Caldas não estão contemplados) são:
- Frederico Couto (CR Évora) com 20 ensaios; Luan Almeida (RC Montemor), Matt Ritani (SL Benfica), Thankgod Okafor (RC Montemor) todos com 11 ensaios; Diogo Pina (CR São Miguel), Paulo Machado (GRUFC) e Francisco Bessa (SL Benfica) têm também todos 10;
O Campeonato já tem os seus 4 finalistas fechados (mas até à 13ª jornada tudo podia ter sido diferente, caso o CR São Miguel tivesse conseguido manter-se na luta por exemplo) e a daqui a 3 semanas jogam-se as meias-finais e depois logo no fim de semana seguinte a final da competição.
Um dos ensaios do Campeonato com Miguel Martins a pautar a genialidade!
Argumentos finais do CN1
Existe uma frase muito repetida por jogadores estrangeiros em Portugal, principalmente por aqueles que andaram pelo Hemisfério Sul ou, mais concretamente, no Pacífico que vale a pena ter em mente: You Are Only As Strong As Your Weakest Link… ["só sabes o quão forte és através do teu elo mais fraco" em tradução livre]. Se as divisões em Portugal em qualquer modalidade têm uma diferença abismal, essa modalidade está destinada ao fracasso mais ano menos ano.
No caso do rugby português, o desenvolvimento de três divisões de qualidade (a Divisão de Honra tem de passar para o tradicional modelo das 10 equipas, uma vez que é o mais consensual e aplicado em outros países dependendo depois da dimensão geográfica e número de atletas) vai permitir à modalidade crescer de uma forma ímpar, sustentada e ideal.
Permitir que jogadores que não joguem na Divisão de Honra saírem sem problemas para um emblema do CN1 (como aconteceu com José Luís Cabral que saiu do crónico candidato ao título GD Direito para ir para a sua alma mater, o CR Évora) ou do CN1 para o CN2, trocar conhecimentos, apresentar debates, desenvolver training camps com o staff técnico nacional (desde que a FPR desenvolva um apoio logístico a esses treinadores com ajuda dos clubes), apoiar projetos de outrem, realizar taças regionais de fim ou início de época, podem ser soluções fáceis para se criar outro ambiente e competitividade em Portugal... Muito antes de pensar em alterações aos modelos competitivos, algo que tem sido refém de clubes e federação nos últimos 10 anos.
O CN1 tem mais duas jornadas na fase-regular, para depois termos direito às meias-finais que terão sempre o RC Lousã, RC Montemor, SL Benfica e CR Évora (como se apresentam antes da saída para a 17ª jornada) como finalistas. Vejam onde é o campo de rugby mais perto de vocês, ganhem curiosidade e descubram um campeonato onde alguns dos leitores até vão dizer "eu até podia jogar aqui", mas que afinal não é nem fácil, nem médio mas sim difícil (e não impossível) de alinhar nestes 10 "vizinhos" que se se entendem nesta divisão.
Em caso de interesse o calendário pode ver tudo aqui: CN1
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