Estávamos a 14 de dezembro de 2019 quando o Shakhtar Donetsk pisou pela última vez um relvado em jogos oficiais. Depois da vitória por 2-1 no terreno do Zorya (que lhe valem, de resto, liderança isoladíssima da liga ucraniana com 14 pontos de vantagem sobre o grande rival Dínamo Kiev, o campeão da Ucrânia não mais atuou e passou o último mês em estágio na Turquia.

Por tudo isto, os ucranianos podiam apresentar-se como uma incógnita para o clube da Luz, como fez questão de referir José Boto, responsável pelo scouting da equipa ucraniana (ele que já passou pela mesma função no clube da Luz), ao jornal Record. Contudo, o inverso não se verificava, ou seja, o Shakhtar parecia saber bem aquilo que esperar do conjunto de Bruno Lage. Na conferência de imprensa de antevisão da partida, Luís Castro, técnico português que comanda os ucranianos desde o início da época, tentou adivinhar o onze das águias.

“Vai jogar Vlachodimos, Tomás Tavares, Rúben Dias, Ferro, Grimaldo, depois o Florentino e o Taarabt. Fica a dúvida da posição 10, se com o Chiquinho ou o Rafa, depois o Pizzi e o Cervi (ou o Rafa) nas alas. Não sei se vai guardar o Pizzi para o Gil Vicente, assim como o Vinícius. Depende muito como o Lage vai encarar este primeiro jogo. Se arrisca tudo ou vai guardar balas para o segundo jogo. Mas acho que vai ter três jogadores no meio-campo”, referiu o técnico que na temporada passada orientou o Vitória de Guimarães. Não se enganou.

Rafa ficou no banco (jogou Cervi), Vinicius também (Seferovic tomou o seu lugar), Florentino “fez” de Weigl com Taarabt ao seu lado. Do lado do Shakhtar, o fantasista ucraniano Konoplyanka ficou no banco com o ataque a ser entregue à tripla Taison-Junior Moraes-Marlos e tendo Alan Patrick a municiar o ataque a partir do meio-campo.

Quanto ao jogo, foi preciso esperar até aos 20 minutos para se assistir a um lance de verdadeiro perigo e que até deu em golo. Um mau passe de Florentino permitiu a Alan Patrick correr quase todo o campo, assistir Junior Moraes, este rematou em arco para defesa de Vlachodimos e, na recarga, o brasileiro naturalizado ucraniano Marlos rematou para o fundo da baliza encarnada. Contudo, o golo seria anulado por fora de jogo, apesar de ter tido o condão de “acordar” as equipas, principalmente o Shakhtar. Isto porque, logo de seguida, Kovalenko arrancou pela direita, driblou para dentro e, com o seu pé esquerdo, rematou para mais uma defesa do guardião benfiquista.

Não obstante, teríamos de aguardar até aos 43 minutos para assistir a uma verdadeira jogada de perigo por parte do Benfica. Uma arrancada de Cervi pela esquerda permitiu ao argentino assistir Pizzi e este, dentro da área e após trabalho individual, rematou de pé esquerdo ao lado da baliza de Pyatov.

Depois do intervalo, o Shakhtar entrou decidido a colocar-se em vantagem na eliminatória e, não fosse novamente Vlachodimos, que disse "presente" depois de um remate de Junior Moraes, podia ter aberto o marcador em Kharkiv. E se primeiro foi o guardião grego a salvar os comandados de Bruno Lage, depois foi a vez do poste vestir a pele de "salvador", quando a mira de Ismaily (velho conhecido do futebol nacional, com passagens pela Olhanense e pelo SC Braga antes de ingressar no futebol ucraniano) mostrou-se demasiado "apurada" num remate que acabaria no ferro benfiquista e evitaria o golo do conjunto de Donetsk.

O golo adivinhava-se para o conjunto ucraniano e foi o que acabou por acontecer. Aos 56 minutos, nova jogada pela esquerda, desta vez conduzida por Taison, que cruzou a bola para Junior Moraes tocar curto para Marlos, este tocou novamente curto para Alan Patrick, e o médio brasileiro formado no Santos rematou à entrada da área sem hipótese para Vlachodimos.

Só que depois surgiu Tomás Tavares. O menino de 18 anos, bastante castigado durante a partida em virtude das arrancadas de Ismaily e Taison pelo seu flanco, foi assitido por Taarabt e, dentro da área, fez um túnel ao defesa do conjunto ucraniano e rematou; a bola foi defendida, sobrou para Cervi e entre ressaltos veio novamente parar aos pés do jovem lateral encarnado, que a empurrou para o fundo da baliza. Golo? Nem por isso.

O VAR anulou o tento devido a falta sobre Cervi, o árbitro apontou para a marca de grande penalidade e Pizzi abriu mesmo a contagem para o lado das águias, empatando a partida, estavam decorridos 67 minutos.

Parece confuso? Pois, é porque é.

O VAR veio para ajudar o futebol - ou, pelo menos, é essa a sua premissa. Uma premissa assente na justiça do resultado. Por isso mesmo, que sentido faz anular um golo ao Benfica para assinalar penálti a favor dos encarnados logo depois? Regras à parte, parece algo que beneficiaria o infrator e que talvez valesse a pena rever... Mas adiante.

O Benfica tinha aqui o tónico ideal para voltar a um jogo de onde parecia alheado desde o início da segunda parte, mas a verdade é que foi o Shakhtar a marcar novamente. Um duplo erro de Rúben Dias (que não conseguiu aliviar a bola na sua zona defensiva e depois permitiu a recuperação do conjunto ucraniano) deu a Kovalenko a oportunidade de recolocar o conjunto de Luís Castro em vantagem e o internacional ucraniano não desperdiçou.

Teria o campeão nacional capacidade para reagir? Teria, mas de forma insuficiente. Um dos mais inconformados foi Grimaldo, que já tinha tentado a sua sorte num remate de muito longe de pé esquerdo que passou por cima da trave, e que pouco antes dos 10 minutos finais rematou de pé direito (isso mesmo, leu bem) à entrada da área para uma defesa apertada de Pyatov.

O final do encontro trouxe o último sufoco benfiquista, ainda que nem sempre com o discernimento necessário para criar verdadeiro perigo junto da baliza do conjunto ucraniano, pelo que o resultado não mais se alterou.

Numa partida em que o Shakhtar Donetsk pareceu quase sempre melhor, o Benfica acaba por levar para Lisboa um resultado que permite sonhar com a passagem à próxima eliminatória da Liga Europa. Não vai ser o Carnaval desejado pelos encarnados, mas o samba ucraniano do conjunto de Luís Castro não permitiu mais ao conjunto da Luz.

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Rúben Dias tem sido um dos esteios das águias nas últimas épocas mas é impossível dissociar o segundo golo do Shakhtar do seu duplo erro, primeiro ao não conseguir aliviar o esférico, depois ao deixar-se antecipar por Junior Moraes (irmão de "outro" Moraes, de má memória para o clube da Luz), que "só" teve de assistir Kovalenko para o 2-1.

Adel Taarabt, a vantagem de ter duas pernas

É uma história incrível e uma das maiores vitórias de Bruno Lage desde que assumiu o clube da Luz. Adel Taarabt, médio fantasista marroquino feito box-to-box de excelência, é um deleite para os olhos numa equipa que atravessa talvez o pior momento da época (e um dos piores da chamada Era Lage). Tal como referiu o jornal inglês Guardian num artigo recente, Adel reinventou-se depois de quatro anos em que praticamente não jogou e, no meio do deserto de ideias que às vezes parece ser o jogo do Benfica quando defronta equipas de maior nomeada (não rematou à baliza na primeira parte, por exemplo), foi uma espécie de farol de bom futebol que nesta noite pisou o relvado em Kharkiv.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

A jogada do golo do Shakhtar é quase um tiki-taka vindo do Leste, ainda que com um toque de samba. De Taison para Junior Moraes, de Junior Moraes para Marlos, de Marlos para Alan Patrick. Futebol que parece simples (ainda que possa ter existido alguma passividade benfiquista...) e que foi o suficiente para abrir o marcador. A escola de samba de Donetsk não se devia sair mal no Carnaval que está aí à porta.

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

Vlachodimos foi adiando os golos ucranianos o mais que pode. O guardião grego fez várias intervenções que, não tendo sido espalhafatosas ou revestidas daquela espetacularidade amada pelas câmeras de TV, foram tremendamente eficazes. Contudo, nada havia a fazer nos dois golos ucranianos. O primeiro mais em jeito, o segundo mais em força, ambos bastante fora do alcance do dono da baliza benfiquista.

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