“Felipão” ou “sargentão” são alguns dos nomes que Luiz Filipe Scolari colecionou ao longo da carreira. Carismático, controverso, “paizão”, líder nato e homem de fé são algumas das características que saltam à vista neste antigo defesa central sem grande destaque que virou treinador de sucesso.
“Durão” de voz doce, soma uma carreira recheada de títulos, um trajeto que foi, também ele, um tanto ou quanto pincelado com alguns percalços que reforçam esta caracterização de personalidade forte.
Com uma breve passagem pelo Japão (Jubilo Iwata), um longo trajeto no Brasil, campeão mundial pela seleção canarinha e com títulos em clubes brasileiros, campeonatos, taças e Copa dos Libertadores, do “quase” com a seleção portuguesa, da saída do Chelsea ao titulo no Uzbequistão, ao “pior momento da sua vida” na derrota frente à Alemanha (7-1), no Mundial do Brasil, em 2014, o Grémio foi a última paragem no futebol brasileiro.
Depois, tal como muitos outros treinadores com curriculum, deixou-se seduzir pelo futebol chinês. E o resto tem sido uma história que Scolari conhece. Voltou a ser campeão.
Ao SAPO24 conta que em 2011 esteve para ir onde hoje está, o Guangzhou Evergrande, atual hexacampeão chinês. Uma situação familiar adiou o “sim”. Mas o casamento consumou-se em 2015. O sucesso desta aliança está patente nas duas Ligas Chinesas, uma Supertaça, uma Taça da China e uma Liga dos Campeões da Ásia.
Confiante que a China irá liderar o futebol na Ásia, sublinha a forma como a qualidade do jogador chinês combina com a excelência dos grandes nomes do futebol mundial que ali chegam. E sobre o tipo de jogador estrangeiro que ele quer? Atacantes. Porque é o atacante que decide. “Eu não quero espetáculo. Eu quero é decidir”, conta-nos.
O Luiz Felipe Scolari foi para a China há dois anos, quando não se falava tanto de contratações milionárias nem dos desejos do país se transformar numa potência. Como é que tem assistido à evolução do campeonato?
O Guangzhou Evergrande é hexacampeão. A equipa foi montada com jogadores da segunda e primeira divisão, atletas inteligentes, com visão. Há três ou quatro anos que o campeonato tem mudado. No primeiro destes seis anos de campeão, o Guangzhou venceu tranquilamente. No segundo e terceiro também. A partir do quarto, o quinto e o sexto, as dificuldades foram muito maiores...
É esse o espelho da evolução da liga chinesa?
Antes tínhamos três ou quatro equipas que disputavam o título desde o início do campeonato, ‘palmo a palmo’. Agora são, no mínimo, seis que competem desde o primeiro até ao último jogo quase que ao mesmo nível. Um ponto abaixo, um ponto acima...
...está mais competitivo?
Eu cheguei no 5.º ano. Nessa época, o Guangzhou venceu o campeonato na última partida e no ano passado venceu a Liga na penúltima partida.
Principalmente a contratação de jogadores estrangeiros que vêm dar toque final aquilo em que os chineses melhoraram. E os chineses melhoraram muito!
Como é que define um jogador chinês?
São jogadores inteligentes, dedicados, com alguma cultura tática, se for bem desenvolvida. É muito fácil trabalhar com eles.
Há um choque cultural ou o futebol é mesmo uma língua universal?
Nós temos que aprender a cultura chinesa. Eles vão aprendendo a nossa cultura futebolística, mas, para nós, conviver com uma cultura chinesa milenar, uma cultura fabulosa, é também uma grande aprendizagem.
A redução do limite de jogadores estrangeiros a atuar em campo de 4 para 3, trocou-lhe as voltas?
Para a nossa equipa, sim. Temos, no total, quatro estrangeiros sul-americanos e dois asiáticos. E desses seis jogadores, só podem jogar três. E isso mostra, mais uma vez, como a equipa não vai contratar ninguém. Tenho bons jogadores.
Mas acha que a aposta vai ter o efeito desejado de melhorar a formação do jogador chinês?
Depende. Se é só para colocar um jogador sub-23 em campo um minuto e depois substitui-lo, não muda nada. Agora, se a partir do ano que vem tivermos competições de campeonatos sub-15, sub-16, sub-17, sub-18, sub-19… Aí pode mudar. Mas não há campeonato de formação.
Esse é o primeiro passo, mas devem ser dados mais 9 para se chegar aos 10 passos. E esses 9 passam pela formação. Mas aí é a parte da direção que tem de ser organizada e estudada para que possa criar esses campeonatos. Isso não nos compete [equipa técnica]. Nós temos agora de estudar como iremos colocar um ‘menino’ sub-23 para ser titular, e montar uma equipa que tenha um reserva dos sub-23. Isso vai ser feito, o resto não depende de nós.
Dos estrangeiros. A grande maioria que tem rumado à China são sul-americanos - argentinos, brasileiros ...
Não, nem tanto. Há alguns de origem africana, muitos do leste europeu, técnicos e jogadores. Existe uma ‘mescla’ muito grande. Não são só sul-americanos.
Mas quando se fala em contratações milionárias, são quase sempre sul-americanos (Tévez, Óscar, Lavezzi, Jackson Martinez…)
A direção do Guangzhou Evergrande aposta muito em jogadores sul-americanos porque no início, há seis anos, eles contrataram Muriqui, Elkeson, Paulão... E esses jogadores deram resultado. E como tal eles continuaram a aposta. Paulinho, tem dado ótimos resultados, Goulart, maravilhosos resultados, Alan, excelentes resultados.
Que tipo de jogadores vindos do estrangeiro é que as equipas chinesas procuram mais?
Eu, como técnico, vou procurar [para o] meio-campo e ataque. Não quero defesas.
Para o futebol espetáculo?
Porque decide. Eu não quero espetáculo. Eu quero é decidir. E quem decide é [quem joga] do meio-campo para a frente.
Mas também decide quem evita os golos...
Se eu faço cinco golos, posso sofrer quatro. Mas eu tenho que fazer cinco golos. Agora, se eu ficar lá atrás e só sofrer um, não me adianta nada. Eu acho que em termos de defesas, na China, não há problema nenhum. E o Guangzhou está aí para mostrar isso. Há seis anos que é campeão e que nas suas contratações conta apenas com 1 defesa e 10 centro campistas e atacantes.
Falta a formação. Provavelmente, se for instituída a partir do ano que vem, daqui a 10 ou 15 anos será uma das maiores seleções de futebol da Ásia.
Acha que se pode bater daqui a poucos anos com os grandes clubes e seleções da Europa?
Na Ásia, a China deverá ser uma das grandes. Mas quanto a vencer a Europa... Até hoje quem venceu a Europa? Só a América do Sul. O futebol europeu é muito evoluído, muito forte. Chegar ao nível europeu... Isso, dificilmente.
O campeonato chinês é constituído por clubes recentes. A história também tem algum peso na identidade de um clube ou acha que isso hoje em dia é irrelevante?
Tem, mas depende principalmente do investidor. O nosso clube tem um projeto de há muitos anos, de uma empresa da área da construção imobiliária (Evergrande Real State Group), que depois se diversificou. Agora, na formação de um clube específico, não sei se a China vai ter essa possibilidade, sem ter uma empresa por detrás.
O que é que o levou para a China? O desafio de carreira ou o fator económico?
É o desafio. Eu já era para ser treinador do Guangzhou Evergrande em 2011. O atual diretor esteve 7 dias no Brasil a tentar convencer-me, mas eu tinha uma situação familiar a resolver e não fui. Quando recebi o segundo convite, do mesmo clube, sabendo como ele trabalha, aceitei.
A começar o terceiro ano, já nos poderá dizer: a China é a terra prometida para treinadores e jogadores?
Não é. A China é um lugar espetacular para se trabalhar, desde que realmente se queira fazê-lo com vontade. Vamos lá e damos o nosso melhor. E recebemos o melhor deles. Os chineses gostam do estrangeiro, gostam da pessoa desde que essa pessoa mostre que pode ajudá-los, dentro de um conceito não só profissional.
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