Esta não é uma crónica sobre autocarros à frente da baliza. A preponderância do papel do momento defensivo em relação ao momento ofensivo nem sempre significa uma equipa de linhas rebaixadas a tapar todos os caminhos para o golo com unhas e dentes. Mas se fosse, ninguém podia censurar José Mourinho.
Sem Harry Kane e sem Son Heung-min, o treinador português deixava de ter o problema de não ter soluções de ataque no banco, para não as ter dentro de campo - o próprio o dizia em conferência de imprensa de antevisão ao jogo com o Leipzig. E o caso não era para menos, afinal de contas o sul-coreano, que se juntou ao ponta-de-lança inglês no role de lesionados dos londrinos, depois de ter fraturado o braço no jogo do fim-de-semana passado frente ao Aston Villa, soma 16 golos e 9 assistências esta época. Não é coisa pouca.
Sem as principais referências ofensivas, restava a Mourinho apostar em Lucas Moura para ocupar o centro do ataque, acompanhado pelo jovem Steven Bergwijn, contratado este inverno ao PSV e apelar ao público para ser o elemento aglutinador de todas aquelas peças que pareciam não estar bem no sítio certo.
No entanto, se o Special One quis fazer do fator casa o valor predominante a seu favor para esta primeira mão dos oitavos-de-final frente ao Leipzig, se alguém, nos primeiros 45 minutos, ligasse a televisão sem saber em que estádio decorria este jogo, diria sempre que os alemães jogavam em casa tal a força e intensidade com que entraram no encontro. Só nos primeiros 90 segundos, a bola podia ter entrado três vezes e tal só não aconteceu porque Davindson Sanchéz cortou uma bola, porque o poste desviou outra e porque Hugo Lloris estava aquecer para uma exibição digna de uma guarda-redes campeão do mundo.
Seria do guardião francês e do defesa colombiano a razão pela qual os Spurs sobreviveriam à primeira parte sem sofrer qualquer golo. Nos primeiros 45 minutos, o Tottenham apenas se mostrou vivo, no ataque, por Lo Celso. Primeiro quando o argentino assistiu Bergwijn para um remate de belo efeito de dentro de área que mereceu uma defesa atenta de Gulács, depois por uma arrancada maradoniana do ex Paris Saint-Germain e Bétis de Sevilha, de um lado ao outro do campo, embora esta tenha pecado pela inconsequência. Fora isso, numa defesa que se pedia que fosse a principal vitalidade de uma equipa, em que falhou a solidez e se pecou pela facilidade com que se perdia nas movimentações entre linhas de Timo Werner, Angeliño e Schick, ficam na memória duas enormes defesas de Lloris (9’ e 36’) e um grande corte de Sanchéz (41’).
O empate, sem golos, parecia caído do céu. Julian Nagelsmann, numa equipa guarnecida de grandes avançados, móveis, fortes, tão capazes de jogar em posse como em transição rápida, usava a sua defesa para criar jogo, queimando as linhas dos Spurs com grande facilidade, perante a incapacidade de Lucas Moura e Dele Alli de pressionarem os centrais adversários. Ao mesmo tempo, os alemães conseguiam sempre controlar os pupilos de Mourinho que cada vez que perdiam a bola eram 'enjaulados' num dos lados do terreno sem demonstrarem a criatividade necessária para sair de uma situação de inferioridade numérica.
O descanso trouxe lucidez ao jogo do Tottenham e Lucas teve mesmo nos seus pés uma boa ocasião de golo, mas quando os londrinos pareciam 'copiar' o Leipzig no momento de construção, passando a fazê-lo a três, com Davies a juntar-se a Sanchéz e Alderweireld no centro da defesa, eis que o defesa esquerdo do País de Gales, trava Laimer em falta (56') dentro da grande área. Na conversão da grande penalidade, Lloris, que até adivinhou o lado, não conseguiu desviar a bola que saiu com força e ao canto inferior direito do pé de Werner que chegou aos 26 golos esta temporada.
Os minutos seguintes deram destaque aos guarda-redes de ambas as equipas. Primeiro foi Gulács (62’) a negar o golo a Lo Celso e depois Lloris com uma grande defesa a impedir o segundo do Leipzig pelos pés de Schick que se mostrou como um dos jogadores mais importantes da balança que é a forma de jogar deste Leipzig.
Depois do golo, os alemães, baixaram linhas e assumiram um jogo de transição ofensiva rápida. Com mais espaço, o Tottenham conseguiu ser mais perigoso, mas falhou em chegar ao empate. Esteve perto de o fazer de bola parada, ora por Lo Celso, ora por Lamela, mas foi mesmo Lucas, de cabeça, quem esteve mais perto de fazer o golo.
Com uma derrota caseira na primeira mão, a vida de José Mourinho na Liga dos Campeões fica difícil. Sem Kane e Son o treinador português vai ter de se debater para conseguir encontrar um estilo de jogo que permita aos Spurs lutar pela eliminatória na Alemanha, tendo pela sua frente uma equipa que mostra poucas fragilidades, liderada por um treinador que em tempos foi apelidado de 'Baby Mourinho' e que, ironia das ironias, faz da defesa o seu melhor ataque.
O técnico do Tottenham tem agora uma missão espinhosa pela frente para tentar fazer aquilo que não consegue fazer desde a temporada 2013/14, a última em que conseguiu ultrapassar os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, na altura ao leme do Chelsea, tendo de derrotar, acima de uma grande defesa, de um grande ataque e, perante as adversidades e um futebol intenso do Leipzig, os seus próprios vícios táticos.
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