Em acórdão proferido na semana passada, a que a agência Lusa teve hoje acesso, a Relação de Lisboa deliberou "julgar improcedente recurso interposto pela assistente FC Porto - Futebol SAD" e confirmar a decisão do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, proferida em 28 de fevereiro de 2019, de não levar a julgamento os jornalistas Vítor Serpa e Nuno Raposo pela prática do crime de ofensa a pessoa coletiva.
Em causa estava o facto de nos dias 1 e 2 de março de 2018 o jornal desportivo ter publicado notícias sobre a apresentação à Procuradoria-Geral da República (PGR) de uma denúncia anónima de corrupção e fraude relativa a um jogo de futebol entre o Estoril Praia e o FC Porto, que colocava em causa a segunda parte do desafio, que foi interrompido ao intervalo, em 15 de janeiro desse ano, numa altura em que a equipa da Linha vencia por 1-0.
A notícia, da autoria de Nuno Raposo, indicava também que o Ministério Público iria analisar os factos alegados na denúncia e só daria início ao procedimento criminal se neles "encontrar consistência".
O jogo em causa foi interrompido ao intervalo devido a problemas na estrutura da bancada norte do Estádio António Coimbra da Mota, que levaram à evacuação da mesma, com os adeptos portistas a serem encaminhados para o relvado, tendo sido retomado em 21 de fevereiro desse ano, com os ‘dragões’ a darem a volta ao resultado para 3-1, com um golo de Alex Telles e dois de Soares.
De acordo com o historial dos factos constante dos autos do acórdão da Relação, a queixa à PGR dava conta de uma suposta reunião entre um executivo da Traffic, empresa que "detém a maioria do capital da SAD do Estoril", um empresário e um dirigente do FC Porto, que terá tido lugar num lugar num hotel de Lisboa, na véspera da segunda parte do jogo, em 20 de fevereiro, alegadamente, para "combinação de resultado".
Na edição de 02 de março de 2018, A Bola voltou ao assunto, noticiando que "Dragões confirmam transferência de 784 mil euros uma semana antes do jogo" e que o diretor de comunicação "Francisco J. Marques explicou que foi para pagar dívidas de 2017, entre elas negócios de Carlos Eduardo e Licá".
O jornal noticiou ainda que "Estorilistas garantem total confiança em jogadores e colaboradores" e que "Estoril e FC Porto desmentem corrupção tendo em vista a segunda parte do jogo".
Ao recorrer da não pronúncia dos jornalistas pelo Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, a assistente FC Porto recorreu para a Relação alegando, entre outras considerações, que as imputações feitas pelo jornal desportivo são "indubitavelmente falsas e objetivamente ofensivas do bom nome e credibilidade do FC Porto - Futebol SAD", assegurando que os "clubes não combinaram entre si, diretamente ou por interpostas pessoas, o resultado do jogo que disputaram".
Considerando que, ao difundir o conteúdo da denúncia anónima através de A Bola, os dois jornalistas/arguidos ofenderam a "credibilidade e o prestígio" do clube e da SAD, o FC Porto pediu no recurso para a Relação que Vítor Serpa (diretor) e Nuno Raposo fossem pronunciados, em coautoria, de um crime de ofensa àquela instituição desportiva.
Os desembargadores da Relação Ricardo Cardoso (relator) e Artur Vargues consideraram que "a publicação dessas notícias configura o exemplar exercício da liberdade de imprensa e do direito de expressão", entendendo que "o que consta dos títulos e artigos em causa que foram publicados, cabem dentro do direito de liberdade de expressão (...) dado que o que foi publicado teve uma finalidade informativa baseada na realidade, que era a existência de uma denúncia, que cumpria ao MP investigar".
"Não cumpre aos tribunais domesticar a imprensa ou estabelecer limites à mesma (censura), pois as instituições têm de compreender que a Justiça, tal como uma balança, é um equilíbrio de valores, não se destinando a se sobrepor aos outros, e muito menos com argumentos de exemplaridade", adianta o acórdão.
Segundo o acórdão, "não se pode evitar que os jornalistas tenham ‘carta branca’ para publicarem o que bem entenderem, porque é esse mesmo o seu estatuto e função, nos termos da Constituição" e, "caso violem o dever de verdade e de isenção que sobre os mesmos pesa, determina a lei que sejam julgados de acordo com as suas responsabilidades".
"Em resposta a notícias desagradáveis (...) não se pode responder calando-se os jornalistas, ou castigando-os injustamente, submetendo-os a julgamento (...) apenas para que sirvam de exemplo, mas antes se devendo dar compreensão pelas instituições da necessidade de haver lugar aos possíveis desmentidos, às necessárias explicações e os pertinentes esclarecimentos, sempre com verdade, probidade e lhaneza, como forma de contribuição para uma melhor informação", assinala.
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