Tem a palavra António Ferreira (Antarte-Feirense), um dos três primeiros multados em 250 francos suíços (cerca de 232 euros), por ter atirado o bidon fora de uma das zonas previstas para o descarte de “lixo ou outros objetos” na primeira etapa.

“Foi erro meu. Nós temos zonas para descartar o lixo, zonas que estão previamente marcadas, eu vi que estávamos nessa zona, mas nem sempre é possível ir ao bidon e deitar fora. Eu vi que a zona ia acabar, tínhamos passado para aí 50 metros, e eu achei que não iria fazer mal, deitei o bidon fora e acabei por ser visto e multado”, relata à agência Lusa.

O miúdo de 21 anos reconhece que é “difícil não deitar o lixo para o chão”, mas realça que acha correto haver essas zonas, de modo a evitar que os ciclistas estejam permanentemente a ‘livrar-se’ dos resíduos durante toda a etapa.

“Mas também acho que devia haver um critério um bocado mais flexível, porque estava mesmo perto da zona. A medida não é exagerada e devemos ser castigados quando não cumprimos as regras. Vou ter mais cuidado e estar atento a onde as zonas abrem e fecham”, promete António Ferreira.

A cumprir a sua terceira temporada no pelotão, o ciclista da Antarte-Feirense acredita que, “com todas as preocupações ambientais que existem hoje em dia, já não tem sentido” os corredores irem “pelo percurso fora a deitar plástico constantemente para o chão”.

“No meu caso, é mesmo só os bidons, porque os papeis das barras e assim, ou objetos mais pequenos, consigo guardar nos bolsos e chegar ao fim com eles”, revela.

O contrário acontece com César Fonte, o experiente corredor da Kelly-Simoldes-UDO para quem o problema são precisamente os ‘pequenos resíduos’.

“Já não é de agora que, quando era para deitar os bidons fora, tentava deitar quando via pessoas, como forma de lembrança para quem estava a ver. No que tem a ver com os bidons, acaba por não ser estranho, o mais estranho é o lixo dos géis, barras, comidas de prata”, enumera.

O ciclista de 34 anos explica que os restos de géis, por serem mais líquidos, ao serem colocados nas camisolas, causam desconforto por ficarem a colar, mas, ainda assim, defende que esta “é uma boa medida”.

“Também temos que pensar trazer as medidas ecológicas para o ciclismo, embora seja complicado, porque as zonas de descarte não existem em quilómetros seguidos: há agora e só passado 20 ou 30 quilómetros é que há outra. Muitas vezes até, no meio do pelotão, acabam por não se ver essas indicações e só quando os ciclistas que vão na frente começam a atirar o lixo é que percebemos”, conta.

As normas da União Ciclista Internacional (UCI), que entraram em vigor em 01 de abril, penalizam os ciclistas que atirem resíduos fora das zonas determinadas para o efeito, uma medida que tem como objetivo tornar o ciclismo uma modalidade mais ‘verde’ e que sofreu várias ‘atenuações’ desde a polémica gerada pela expulsão do suíço Michael Schär (AG2R) na Volta a Flandres.

“É uma medida um bocado complicada de cumprir. Por exemplo, na primeira etapa, a primeira zona de descarte era ao quilómetro 30 e a segunda zona era ao quilómetro 90. É impossível para cada um que vai buscar água ao carro levar os bidons de toda a gente e trazer novos. É mesmo impossível”, garante Joaquim Silva.

Para o líder da Tavfer-Measindot-Mortágua, as pessoas da UCI que idealizaram esta medida “já há muito tempo que não andam de bicicleta, nem andam no pelotão”, e desconhecem que, “muitas vezes, é muito difícil levar os bidons para trás”.

“Quando não conseguimos entregá-los, temos de os meter no bolso ou na camisola. Por exemplo, como aconteceu na quinta-feira: foram-nos buscar um bidon de água e um bidon de sais e nós tivemos de tirar os nossos dois bidons e fomos 40 quilómetros com eles nos bolsos. É muito inconveniente, realmente. Acho que não fazia mal que essa medida fosse adaptada, para quando se visse gente, entregarmos os bidons. Faz todo o sentido deitar os bidons para as pessoas. Muitas vezes até é isso que traz mais gente à estrada”, vinca.

Joaquim Silva lembra que “as pessoas gostam de ter interação com os ciclistas, nomeadamente a de agarrarem um bidon”. “Nos finais, muitas crianças vêm ter connosco, e nós damos os bidons porque não podemos negar o pedido de uma criança. Às vezes, são esses gestos que fazem as crianças virem a gostar de ciclismo e com essas regras fica difícil”, completa.

Contudo, hoje, no dia em que o pelotão da 82.ª Volta a Portugal escala a Torre, os comissários da corrida permitirão que, dentro dos últimos 50 quilómetros, “desde que seja um prémio de montanha”, os ciclistas possam deitar os bidons fora das zonas de descarte, se virem gente.

“Isso facilita muito, porque numa etapa como a Serra [da Estrela], levar um bidon ou nem que seja meio por ali acima, são 250 gramas que pesam. E nós, muitas vezes, andamos a lutar para perder 500 gramas e levar 250 subida acima é um contrassenso”, aponta o candidato da Tavfer-Measindot-Mortágua à geral final.

Entre contentes e descontentes, César Fonte é aquele que melhor resume a situação: “Temos de nos habituar. Claro que no início custa, mas é uma regra como tantas outras e só temos de cumprir”.

* Por Ana Marques Gonçalves (texto) e Nuno Veiga (fotos), da agência Lusa