O filantrocapitalismo está a disseminar­-se nas empresas tecnológicas, mas será um simples interesse norte­americano ou pode ter impacto no resto do mundo? Mark Zuckerberg e a esposa Priscilla Chan resolveram criar uma empresa com fins filantrópicos, no início de Dezembro. O modelo que escolheram foi criar a Chan Zuckerberg Initiative (CZI), uma Limited Liability Corporation (LLC) ou corporação de responsabilidade limitada.

Na declaração entregue às autoridades financeiras pelo Facebook, a empresa explica que o seu fundador vai, "durante a sua vida, dar ou de outra forma dirigir substancialmente todas as suas acções no Facebook, ou o resultado líquido após impostos dos rendimentos das vendas de tais acções, para desenvolver a missão de avançar o potencial humano e promover a igualdade por meio de actividades filantrópicas, de advocacia pública e outras para o bem público".

Zuckerberg irá controlar a votação e a alienação de quaisquer acções detidas pela iniciativa, tendo revelado que "pretende vender ou dar não mais de mil milhões de dólares em acções do Facebook a cada ano nos próximos três anos". Zuckerberg tem cerca de 4 milhões de acções da chamada Class A e cerca de 419 milhões de acções Class B, doando 99% dessas acções que, com a mesma percentagem de Chan, podem totalizar 45 mil milhões de dólares. Os "cínicos", como lhes chamou a Quartz, questionaram o modelo da entidade, ­uma LLC e não uma fundação. As vantagens financeiras são diversas e o controlo da entidade também. De qualquer das formas, neste modelo a CZI não irá fugir ao pagamento de impostos e mantém o controlo de investir tanto em entidades com fins lucrativos como não-lucrativos. Mas os seus financiadores continuarão ricos.

A decisão de Zuckerberg surge numa altura de "ansiedade sobre o crescimento do chamado filantrocapitalismo", como dizia a revista The New Yorker. No entanto, e apesar da proporção da transferência dos resultados accionistas do Facebook para a CZI, a decisão não é inovadora em termos de doações.

Na grande lista de filantropos de empresas tecnológicas, percebe­-se a existência de diferentes modelos.

Em Outubro passado, o recém-­nomeado director-­geral do Twitter resolveu dar aos funcionários um terço das suas acções na empresa, então avaliadas em cerca de 197 milhões de dólares.

As acções disponibilizadas por Jack Dorsey ­- o equivalente a 1% do valor da empresa ­- serviriam segundo alguns "cínicos" para acalmar e segurar as equipas internas, após a empresa ter anunciado pouco antes o despedimento de 300 funcionários. E Dorsey manteve ainda assim 2% das acções do Twitter, rede social avaliada recentemente em 17 mil milhões de dólares.

Assim, tanto Facebook como Twitter indexam os seus modelos filantrópicos aos resultados do valor das acções das empresas: quanto mais estas se valorizarem, mais o resultado será interessante para os beneficiários das doações.

O caso da Gravity Payments: calculismo, ou apenas a ideia dum tolo bem intencionado?

Mas há ainda um outro modelo dentro das empresas, como revela a fantástica história do CEO que queria pagar 70 mil dólares a todos os seus funcionários. Daniel Price, director­-geral da empresa de processamento de cartões de crédito Gravity Payments, anunciou em Abril passado que o ordenado mínimo na empresa seria de 70 mil dólares anuais, revelando também que iria diminuir o seu vencimento de 1,1 milhões de dólares para 70 mil dólares, por forma a concretizar essa ideia.

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A empresa tinha então cerca de 120 funcionários, com uma média anual de vencimentos de 50 mil dólares. O plano, na realidade, apenas duplicava o valor do vencimento a 30 pessoas e aumentava­-o a 40 que ganhavam abaixo desses 70 mil dólares. Não implicava despedimentos, subida de preços nas ofertas comerciais ou cortes nos vencimentos dos outros executivos, porque "mais de metade do custo seria assegurado pelo corte" no vencimento de Price ou pelos lucros da empresa.

A revelação da proposta fez aumentar o interesse mensal de clientes de 30 para 2.000 em duas semanas -­ um impacto enorme no chamado custo de aquisição por cliente ­-, levando à contratação de mais 10 pessoas.

Apesar da apresentada visão de combate à desigualdade interna, Price foi processado pelo irmão Lucas, que detinha 30% da empresa, alegando que Price recebia demasiado em vencimentos da Gravity (50 mil dólares anuais em 2011 e um milhão no ano seguinte, segundo várias notícias, tendo recusado uma proposta de consultores da empresa para receber acima dos 1,1 milhões de dólares em 2013).

O vencimento de Price era "atípico" para este tipo de empresa, quando o próprio revelou que o lucro da empresa em 2014 foi de 2,2 milhões de dólares. Mas ele também declarou que o seu vencimento obtinha uma "aprovação unânime e total" do conselho de administração, apesar da objecção de Lucas a estas declarações.

O anúncio da empresa gerou um enorme envio de currículos.­ 4.500 só na primeira semana após as notícias iniciais,­ mas Price foi também inundado com convites para artigos noticiosos, por agentes para escrever um livro (uma alegada proposta de 500 mil dólares, que irá ser concretizada) ou "cortejado por mulheres nos media sociais", onde conseguiu mais de meio milhão de interacções. Alegadamente, terá contratado a agência William Morris Endeavor Entertainment para fazer discursos a 20 mil dólares cada um.

Como é que ele se lembrou desta generalização de um elevado ordenado para os seus funcionários? Após ler um artigo de 2010, dos prémios Nobel Daniel Kahneman e Angus Deaton, que mostraram como o bem-­estar emocional melhora à medida dos vencimentos, até chegarem aos 75 mil dólares anuais.

Mas também pelo funcionário Jason Haley, que ganhava em 2011 cerca de 35 mil dólares anuais. Em tempos, Price confrontou­-o e obteve uma respostainesperada: "Estás a roubar-­me". Isto porque, na opinião de Haley, os resultados de Price na empresa estavam correlacionados com o facto de ele, enquanto funcionário, "não ganhar o dinheiro suficiente para ter uma vida decente".

Price poderá ter tido outra visão. O irmão Lucas apresentou uma queixa judicial "duas semanas após o anúncio de Price" à empresa, mas este terá tido conhecimento do processo duas semanas antes. Em resumo: a proposta "magnânima" terá ocorrido um mês após Dan Price saber que "o irmão o processou por, no substancial, ser ganancioso".

O processo deve ir a tribunal em Maio de 2016, mas "70 empregados da Gravity ganham agora mais do que antes. Foi o altruísmo ou um caro processo judicial que motivou isso?"

Meses depois, dois funcionários deixaram a empresa (Haley não foi um deles) e esta duplicou a facturação e os lucros, ainda segundo a Slate. A Gravity "perdeu alguns clientes: uns objectaram quanto ao que parecia uma declaração política que os pressionava a aumentarem os ordenados" dos seus próprios funcionários, enquanto "outros temeram um aumento de preços ou reduções de serviço".

Vários empresários vão estar atentos a esta questão. A experiência de Dan Price "irá ser saudada seja como um golpe de génio mostrando que os empresários têm pago mal a sua força de trabalho, em detrimento das suas empresas, ou como uma prova positiva de que a Gravity está a ser gerida por um tolo bem intencionado".

Há diferentes modelos para a filantropia, como se pode ver. O que interessa são os resultados. Nestes três casos, isso está por provar. Anne Petersen, presidente da Global Philanthropy Alliance, explicava à The New Yorker, que a filantropia americana costumava ser sobre a doação local, mas que "houve uma tendência evidente em direcção à doação internacional", tendência que acredita continuar como dominante. A opção da CZI vai nesse sentido, ao contrário dos outros dois exemplos.