“A não divulgação de uma conta das administrações públicas para 2021 em contabilidade nacional compatível com o Orçamento do Estado aprovado pela Assembleia da República impede a quantificação do impacto orçamental de novas medidas aprovadas em sede parlamentar”, pode ler-se na Análise ao Orçamento do Estado Aprovado para 2021 hoje publicada pelo CFP.
A instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral afirma ainda que também é impedida a avaliação “de alterações a medidas que já constavam da proposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo Governo” na ótica contabilística que conta para Bruxelas.
A análise ao OE aprovado, realizada pela primeira vez pelo CFP, “tem em vista a promoção de uma maior transparência sobre as consequências das alterações introduzidas em sede parlamentar à proposta de OE inicialmente apresentada pelo Governo”.
No entender da instituição que escrutina as contas públicas nacionais, “a necessidade de se conhecer a versão final do documento aprovado na Assembleia da República (AR), quantificar os seus impactos orçamentais e financeiros, justifica-se desde logo pelo amplo poder de emenda que assiste, nesta fase do ciclo orçamental, aos grupos parlamentares”.
Essas propostas, caso aprovadas, podem “ter implicações significativas em termos de previsão de receita e despesa públicas e bem assim, eventualmente, sobre os demais agregados orçamentais (e.g. saldos e dívida pública)”.
“Por outro lado, este tipo de apreciação tornou-se ainda mais necessário no quadro atual da crise que estamos a viver, pois importa aferir bem e especificar o impacto das medidas aprovadas de combate à pandemia, não apenas sobre as rubricas de despesa nos mapas orçamentais respetivos (ou seja, em contabilidade pública), mas acima de tudo as suas consequências em termos agregados e de contas nacionais”, refere o organismo independente.
O Conselho das Finanças Públicas alega que “infelizmente, este objetivo aparece em grande medida frustrado pela insuficiência da informação que foi enviada pelo Ministério das Finanças, pese a sua atempada solicitação por parte do CFP e insistências realizadas”.
A instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral refere ainda que “a referida falta de informação atinente à ligação entre a contabilidade orçamental pública (ótica de caixa) e a contabilidade nacional (ótica de acréscimo) impediu o conhecimento, nesta última ótica contabilística, do saldo das administrações públicas para 2021 compatível com o OE aprovado”.
Em contabilidade pública (ótica de caixa), as alterações orçamentais “resultaram num impacto marginal”, segundo o CFP, que o quantifica em 10 milhões de euros, excluindo ativos e passivos financeiros, “e apenas 3,2 milhões de euros tiveram impacto no saldo em contabilidade orçamental pública”.
“Dada a dimensão e expressão financeira de cada uma das medidas de despesa aprovadas, e no seu conjunto, surpreende, pois, este resultado pouco significativo, o qual pode ter ficado a dever-se ou à sobrestimação da despesa na proposta inicial do OE, ou seja, antes de efetuadas as alterações, ou à eventual subestimação da mesma despesa na versão aprovada”, considera a instituição independente.
Assim, no caso de uma sobrestimação da despesa, “a proposta apresentada não refletiria assim, tão só, o ‘carry-over’ para 2021 de medidas anteriormente aprovadas mais as medidas de política novas previstas pelo Governo, mas também a incorporação ‘ex ante’ de efeitos orçamentais de outras tantas medidas novas, ainda por conhecer, discutir e aprovar em sede parlamentar”.
Já no caso de uma subestimação da mesma despesa na versão aprovada, “as propostas de alteração aprovadas nesta sede não estão refletidas nos mapas”.
“Neste caso é paradigmático o caso da Segurança Social, cujos mapas não sofreram qualquer alteração não obstante as alterações aprovadas na AR”, assinala o organismo independente de escrutínio das contas públicas.
“De uma forma ou de outra, surgem dúvidas quanto à confiabilidade dos mapas, iniciais ou finais”, considera o CFP.
“O CFP nota que todas estas dificuldades no acesso à informação (e na qualidade da informação prestada) se têm vindo a acentuar desde o transato ano de 2020, tal como oportunamente assinalado quer no seu relatório sobre o programa de estabilidade, quer no relatório sobre a proposta de OE para 2021″, refer ainda no documento hoje conhecido.
O organismo independente afirma tratarem-se de “falhas no respeito pelo princípio da transparência orçamental constante do artigo 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental e em especial no cumprimento de deveres de informação previstos nos artigos 73.º e 74.º da mesma Lei”.
“A pandemia e as circunstâncias de exceção não podem ser usadas para justificar toda e qualquer fragilização dos mecanismos de escrutínio público e democrático”, refere o CFP.
Contabilizados 3,2 milhões de euros de impacto na despesa de caixa após alterações no Parlamento
O parlamento adicionou ao Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) um impacto de 3,2 milhões de euros (ME) de despesa na ótica de caixa, segundo o Conselho das Finanças Públicas, que não conseguiu calcular a ótica de compromissos.
"As alterações aos mapas da lei aprovadas no OE/2021 tiveram um impacto na despesa efetiva de 3,2 ME, conduzindo a um agravamento do défice no mesmo montante", pode ler-se no mesmo documento.
No entanto, o organismo independente presidido por Nazaré da Costa Cabral refere que "a indisponibilidade de uma conta das AP [Administrações Públicas] para 2021 em contabilidade nacional compatível com o orçamento aprovado pela Assembleia da República não permite conhecer o impacto orçamental das medidas propostas que asseguraram a viabilização do OE aprovado para 2021".
Assim, a informação disponibilizada pelo Ministério das Finanças (MF) "apenas possibilitou a análise na ótica da contabilidade orçamental pública, faltando informação que permitisse ao CFP uma apreciação completa do OE2021".
As Finanças adiantaram ainda ao CFP que a informação por si facultada "não corresponde a uma verdadeira previsão, uma vez que, no caso da administração central, a conta deste subsetor reflete as dotações máximas autorizadas legalmente, decorrentes das alterações às dotações orçamentais efetuadas pelo parlamento".
Tendo em conta estas circunstâncias, e em contabilidade pública, "excluindo ativos e passivos financeiros, as alterações nos mapas orçamentais aprovados face às constantes na proposta de lei totalizaram 10 ME, sendo que apenas 3,2 ME tiveram impacto no saldo".
"A expressão mais significativa dessas alterações ocorreu ao nível da despesa com ativos financeiros com uma redução da sua dotação em 476,6 ME", referentes à anulação da transferência para o Fundo de Resolução capitalizar o Novo Banco.
Segundo o CFP, os 10 milhões de euros identificados estão distribuídos "por três alterações com impacto nos subsectores da Administração Central (AC) e no subsector da Administração Local (AL)".
"A maior alteração, no montante de 6,8 ME, concentrou-se no subsector da AC e destinou-se ao aumento do orçamento da Direção-Geral das Artes", sendo que no mesmo subsetor regista-se "o reforço de verbas afetas à Entidade da Transparência no montante de 0,6 ME".
"Por último, com impacto no subsector da AL e também no subsector da AC verifica-se o aumento em 2,6 ME da verba destinada ao Fundo de Emergência Municipal".
O CFP adiantou ainda que "a informação facultada pelo MF não permite efetuar uma ligação entre a ótica de caixa e a contabilidade nacional, impedindo o conhecimento do saldo das administrações públicas para 2021 compatível com o Orçamento de Estado aprovado".
"É este o indicador objeto de escrutínio pelas instituições europeias, no âmbito da supervisão orçamental a que cada Estado Membro da União Europeia está sujeito", lembra o CFP.
O CFP refere ainda que "o apuramento do impacto previsto com as medidas de política para 2021 aprovadas pela AR teria sido relevante e beneficiaria a transparência do processo orçamental".
Entre essas medidas que não conseguiu contabilizar, a instituição independente destacou a antecipação da atualização extraordinária de pensões para 1 de janeiro de 2021, o alargamento dos beneficiários do novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, a prorrogação por seis meses dos períodos de concessão do subsídio de desemprego que terminem em 2021 e aumento do seu limite mínimo, e ainda a remuneração dos trabalhadores abrangidos pelo 'lay-off' a 100%.
Acrescendo a medidas que já constavam parcialmente da proposta do Governo, o CFP elencou também que não conseguiu contabilizar o impacto do regime especial e transitório de pagamento em prestações de IRC ou IVA em 2021, da suspensão dos pagamentos por conta, da avaliação dos suplementos das forças de segurança e atribuição do subsídio de risco e suplemento remuneratório.
"Foram também aprovadas medidas adicionais na área da Saúde, nomeadamente a atribuição de um suplemento remuneratório de 200 euros por exercício de funções de autoridade de saúde (artigo 49.º), o investimento nas instalações dos centros de saúde (artigo 276.º) e a recuperação das consultas nos cuidados de saúde primários (o artigo 277.º prevê a atribuição de um incentivo excecional para esse efeito)", que também não foram contabilizados.
O mesmo sucedeu com reforço de profissionais nos cuidados de saúde primários, nos cuidados intensivos e nas unidades de saúde pública.
"Como se depreende pelos exemplos acima referidos, o impacto orçamental decorrente do conjunto de alterações entretanto introduzidas e aprovadas pela AR não terá sido despiciendo e a ausência de informação sobre esta matéria prejudica a transparência orçamental e a própria missão do CFP", refere a instituição no relatório hoje divulgado.
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