Em entrevista à agência Lusa, o diretor de estudos específicos por país do departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) diz que as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), que apontam para uma queda em Portugal de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020, vão em linha com o que a OCDE já previa, mas são um cenário central.
“O que os números do FMI mostram claramente é que no melhor dos cenários vamos ter a maior recessão mundial, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, talvez mesmo desde a Grande Depressão”, sublinha o economista.
Ainda assim, o antigo ministro da Economia no governo liderado por Pedro Passos Coelho alerta para que se não se conseguir arranjar um tratamento eficaz contra o vírus rapidamente “é muito possível que se verifique um cenário de uma segunda vaga [da pandemia] daqui a uns meses em muitos países” e, se for esse o caso, é essencial estar preparado.
“Se isso acontecer, o que interessa é estarmos preparados para minorar o impacto. Se tivermos outra vez os países não tão preparados como deviam, sem os meios de proteção, não só dos profissionais de saúde, mas também das populações, é muito provável que esta pandemia possa causar uma recessão ainda maior”, alerta o economista.
Álvaro Santos Pereira diz ainda que a confiança total só regressará aos agentes económicos quando houver uma vacina ou um tratamento eficaz para a pandemia, e que, até lá, a recuperação da atividade económica não será igual em todos os setores.
“Se conseguimos um tratamento eficaz, a confiança vai voltar. E quando isso acontecer vamos reagir de uma forma bastante forte. E a economia vai recuperar”, mas enquanto isso não acontecer, haverá setores que “vão continuar com negócios, no mínimo, muito reduzidos”, adverte o economista, exemplificando que áreas como a dos cruzeiros, a aviação, o turismo ou a restauração “vão continuar a ser bastante afetadas”.
Álvaro Santos Pereira diz esperar que as previsões agora conhecidas estejam erradas e que a realidade mostre uma recessão menos profunda e uma recuperação mais rápida. Mas lembra que os números que vão sendo conhecidos um pouco por todo o mundo “não são animadores”.
“Estamos a falar, por exemplo, nos Estados Unidos”, refere o economista, que num mês viu mais de 22 milhões de americanos a cair numa situação de desemprego.
“O desemprego em quatro semanas aumentou mais do que a recuperação de toda a criação de emprego nos últimos 10 anos. Em quatro semanas destruíram-se mais empregos do que se criaram em dez anos. E a economia tem estado numa expansão contínua nos últimos dez anos”, explica o antigo ministro.
“Estamos a falar de magnitudes e uma rapidez que não conhecíamos até agora, portanto, é muito provável que, quer em Portugal, quer na Europa, ou noutros países, infelizmente, os cenários sejam muito realistas. Ainda há muita incerteza, mas recessões acima de 5% quase de certeza que vão acontecer”, lamenta o economista.
O responsável por um dos departamentos da OCDE exemplifica ainda com outros dados: se a recessão em Portugal atingir os 8%, como prevê o FMI, será uma queda maior à registada “durante todo o período da ‘troika'”.
“Obviamente, também estamos à espera, se tudo correr bem, de uma recuperação da economia muito mais dinâmica. Mas obviamente isto vai gerar muito desemprego, falências de empresas e obviamente vai causar-nos bastantes problemas ao nível do défice e da dívida”, conclui.
O “Grande Confinamento” levou o FMI a fazer previsões sem precedentes nos seus quase 75 anos: a economia mundial poderá cair 3% em 2020, arrastada por uma contração de 5,9% nos Estados Unidos, de 7,5% na zona euro e de 5,2% no Japão.
Para Portugal, o FMI prevê uma recessão de 8% e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020.
“Há uma resposta europeia mais eficaz”, mas ainda “não chega”
Álvaro Santos Pereira diz que a resposta europeia à atual crise provocada pela covid-19 está a ser “muito mais eficaz” do que a anterior, mas que “não chega” e que sem mutualizar dívida os países terão problemas.
“Há uma resposta europeia muito mais eficaz do que na anterior crise financeira. A Europa já teve uma resposta importante através do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Eurogrupo. Mas, dito isto, é importante dizer que não chega. A Europa vai ter que aumentar a parada e vai ter que ajudar mais países a sair desta situação”, diz o economista, atualmente na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), onde ocupa o lugar de diretor de estudos específicos por país do departamento de Economia.
O antigo ministro da Economia no governo liderado por Pedro Passos Coelho lembra que na anterior crise a resposta da Europa foi muito diferente, desde logo a do BCE, cuja primeira reação foi aumentar taxas de juro e cortar crédito à economia.
Agora é diferente, assegura o responsável da OCDE, lembrando que a primeira reação do BCE foi abrir a ‘torneira’ do crédito, acabando com os limites de compra de dívida.
“Só a resposta do BCE ajudou-nos a comprar bastante tempo. Ajudou-nos bastante e vai continuar a ajudar”, sublinha o economista.
Álvaro Santos Pereira diz ainda que já se pôs fim, temporariamente, ao teto de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental e que na questão dos auxílios de Estado se admitiu que os Estados podem capitalizar empresas em dificuldade.
“Agora fala-se muito na TAP, em 2011, 2012, também. A TAP estava muito endividada, tal como muitas outras empresas públicas, só que por questões de [regras sobre] auxílios de Estado, o Estado português não podia injetar dinheiro na TAP ou noutras empresas públicas. Não podia, mesmo que tivesse dinheiro através do programa de ajustamento”, recorda o economista, adiantando que agora já se podem capitalizar as empresas, o que constitui “uma diferença abismal.”
O terceiro aspeto positivo que o economista vê na resposta europeia foi o acordo alcançado pelos ministros das Finanças da União Europeia (UE) ao recomendarem que os Estados-membros possam recorrer às linhas de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) com a única condição de que esse dinheiro seja utilizado nas despesas de saúde decorrentes da crise causada pela covid-19.
“Foi uma porta que se abriu. E, quando se abre uma porta na Europa, isso quer dizer que foi um grande avanço”, assegura Álvaro Santos Pereira.
O economista garante, contudo, que é preciso ir mais longe, até porque a crise económica provocada pela covid-19 não permite que todos os países consigam reagir da mesma forma.
“Exatamente devido à questão da dívida pública alguns têm mais margem para avançar com medidas do que outros”, adverte o antigo ministro, lembrando que “o esforço financeiro que vai ser exigido, não só em relação à questão de saúde, como de recuperação da economia, especialmente no combate ao desemprego, vai ser de tal ordem que muitos governos, por si só, não terão meios para o fazer sem terem de se financiar.”
E, neste cenário, a Europa terá de fazer mais do que já fez, esclarece Álvaro Santos Pereira, lembrando que uma hipótese é deixar cada país financiar-se por si.
Nessa hipótese, explica, a dívida pública em percentagem do PIB de cada Estado vai aumentar “inevitavelmente 15, 20, 30% do PIB”, os ‘spreads’ da dívida de alguns desses países também vão aumentar “e voltamos às questões que já vimos alguns países enfrentar na anterior crise”, de dificuldade de acesso aos mercados, afirma.
A outra hipótese é existir “um mecanismo em que a Europa pode ajudar a adiar esta questão”, adianta o economista.
Neste cenário, Álvaro Santos Pereira aponta duas opções: “utilizar o MEE, reforçado, utilizado para a dívida que está a ser criada pela pandemia, sem mais condicionalidades, e podendo ser usado não só para financiar as despesas de saúde, mas também para financiar a recuperação económica e especialmente o combate ao desemprego”.
A outra possibilidade seriam os chamados ‘coronabonds’, que não seria mais do que “a Europa mutualizar os custos orçamentais desta dívida que será criada”, explica o antigo ministro.
Um caminho que Álvaro Santos Pereira reconhece ser “muito difícil de fazer” porque há países que “não querem essa via”, mas que o economista acredita não ser impossível, uma vez que “está a ser debatido” e “há países importantes dentro da UE que o defendem.”
“Com a opção do MEE sem condicionalidade, provavelmente, será mais fácil chegar a um acordo”, admite o economista, concluindo que uma outra possibilidade seria “uma combinação dos dois.”
Governo está a “tentar parar o incêndio” para depois reagir com mais medidas
Álvaro Santos Pereira diz que as iniciativas tomadas pelo Governo para minimizar a crise causada pela covid-19 são as medidas “padrão” para parar “o incêndio”, mas que, depois, terão de ser tomadas outras para estimular a economia.
As medidas adotadas pelo Governo são “as medidas padrão adotadas em toda a Europa”, sublinha, em entrevista à Lusa, o diretor de estudos específicos por país do departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), adiantando que esta organização analisa “as medidas que os vários países tomaram nas últimas semanas” e a conclusão a que chega é que são “medidas praticamente universais na grande parte dos países: ‘lay-off’, para tentar segurar as pessoas nas empresas com menos custos, deferimento de impostos, deferimento de contribuições sociais, deferimentos pagamentos de juros…”
“No fundo, está a parar-se o incêndio para que se possa reagir”, adianta o economista, assegurando que “quando se sair do confinamento, quando se começar a ver o tempo que isto vai durar e, principalmente, que empresas não aguentaram, o desemprego que existe, quando se começar a perceber um pouco mais essas variáveis, vão ter de haver medidas para estimular a economia”.
E à cabeça das medidas a implementar, Álvaro Santos Pereira aponta para aquelas que permitam ajudar as empresas a manter postos de trabalho e a voltar a contratar.
“Terá de haver medidas para apoiar a contratação, porque vai haver mais desemprego. E vão ter que haver medidas para que pessoas não sejam despedidas, especialmente os que têm relações de trabalho mais precárias”, explica o antigo ministro da Economia no governo liderado por Passos Coelho.
O economista diz que vai ser preciso aumentar “flexibilidade” no trabalho e exemplifica com algumas dessas medidas: “renovação extraordinária dos contratos a prazo ou utilização novamente de uma forma mais abrangente do banco de horas, quer coletivo ou individual.”
“Este tipo de mecanismo vai ter que aumentar para aumentar a flexibilidade, para ajudar as empresas a recuperarem neste período de crise”, assegura o economista.
Além deste tipo de medidas, o antigo governante diz ainda que serão adotadas medidas para apoiar setores específicos da economia portuguesa que tenham sido mais afetados, como o turismo, a aviação ou a restauração, e também poderão surgir medidas para regiões que também tenham sido mais afetadas pela crise.
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