“Todos sabemos que o teletrabalho está a criar novas condições para os trabalhadores e para as empresas e é por isso que, aliás, existe a questão do direito de desligar, porque se uma pessoa está em teletrabalho, isso não pode significar que não haja distinção entre o seu tempo de trabalho e a sua vida privada”, afirma em entrevista à agência Lusa, em Bruxelas, o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit.
Numa altura em que muitos países impõem a manutenção do teletrabalho como forma de combater a covid-19, o responsável europeu da tutela assinala que esta “é uma questão muito importante porque afeta as condições de trabalho e, principalmente, a saúde das pessoas”.
“As pessoas não são robôs e não podem trabalhar 24 horas, não podem ser contactadas 24 horas por dia em sete dias por semana”, salienta.
Para Nicolas Schmit, é então necessário criar “um princípio geral, um direito geral” que estabeleça esta desconexão.
Notando estar ainda em discussões com os parceiros sociais, o comissário europeu não especifica como será a abordagem do executivo comunitário sobre esta matéria, mas admite que esteja em causa uma nova regulamentação sobre este direito a desligar.
“Temos de discutir nos próximos meses como isso pode ser melhor implementado ao nível europeu, mas também ao nível nacional e também ao nível das empresas”, indica Nicolas Schmit à Lusa.
O direito a desligar do trabalho traduz-se na separação entre a vida pessoal e profissional do trabalhador, a fim de salvaguardar a saúde física e mental.
Isto significa que, fora do horário laboral, o trabalhador deverá ter o direito de não atender chamadas, responder a e-mails ou proceder a qualquer outro contacto de trabalho.
A pandemia de covid-19 veio esbater esta divisão entre a vida pessoal e profissional, com muitos dos trabalhadores a estarem constantemente conectados, ainda que fora do horário de trabalho.
Em janeiro passado, o Parlamento Europeu adotou uma resolução pedindo à Comissão que apresentasse uma lei para permitir aos trabalhadores desligar-se digitalmente do trabalho durante as horas não laborais e que estabelecesse normas mínimas para o trabalho remoto.
“Temos que ter algumas limitações claras aqui, mas essas limitações e o trabalho e a forma como são organizados, devem ser, a meu ver, muito discutidas com os parceiros sociais porque todos os tipos de empresas são diferentes”, salvaguarda Nicolas Schmit.
O comissário europeu diz, ainda assim, existir já uma lei europeia sobre a organização do tempo de trabalho, “que tem de ser respeitada”.
Embora não exista legislação na UE que aborde especificamente o direito a desligar ou o teletrabalho, a diretiva europeia relativa ao tempo de trabalho estipula um limite máximo de 48 horas de trabalho semanal.
Estabelece ainda um mínimo de 11 horas contínuas de descanso diário, bem como um descanso semanal e quatro semanas de férias anuais remuneradas.
Acresce a diretiva comunitária relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, que confere aos trabalhadores com filhos e aos cuidadores o direito de solicitar regimes de trabalho flexíveis para prestação de cuidados, como o teletrabalho.
O direito a desconectar está, normalmente, consagrado nos códigos de conduta das empresas ou noutras formas acordadas entre empregadores e trabalhadores
Ainda assim, alguns países como França, Itália, Espanha e Bélgica dispõem já de legislação específica.
Em Portugal esta questão ainda não está regulada, mas existem já debates nesse sentido.
A lei portuguesa estabelece apenas o “direito ao repouso”, enquanto o Código do Trabalho refere que o empregador deve proporcionar ao trabalhador condições que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida pessoal.
O Código de Trabalho português prevê, por seu lado, que sejam aplicadas as mesmas regras de limites do período normal de trabalho para o trabalho presencial e à distância.
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