O primeiro dia aulas na Cheung Kong Graduate School of Business começou às 8h30 e terminou às 21h30, com uma noite pela frente… para refazer tudo o que havíamos preparado, o chamado TPC - Trabalho de Casa! Porquê? Porque não estamos em Silicon Valley, Berlim ou Londres, estamos na China e claramente não estávamos sincronizados com a sua visão: “A Chinalização da Economia!”. Para os chineses não existe a questão do “se” esta “Chinalização” vai acontecer, apenas não “sabem” quando será total! Para mim, a frase do dia acerca do impacto de certas tecnologias e a forma como a inovação por vezes altera o “status quo”, citando o CEO da Xiaomi: “Quando chega um tufão, até os porcos voam!”
A primeira aula foi focada em aspectos culturais, porque sem percebermos a história e a evolução dos conceitos económicos em uso, não temos como perceber um país que aparenta ser comunista, mas cuja prática é sobretudo capitalista. Por muito que estejamos informados, nada como ouvir na primeira pessoa, compreender a evolução e conhecer a perspectiva chinesa dos principais assuntos económicos que envolvem o país.
Recordei algumas aulas do meu curso de História em Coimbra, alguns assuntos que abordei à data na cadeira de Teoria da História, leccionada por um dos professores mais brilhantes que tive, o Prof. Doutor Fernando Catroga. Hoje falámos muito do “Fim da História”, de Fukuyama, pelas palavras do reitor fundador da CKGSB, que partilhou as suas conversas com Fukuyama, com quem não concorda, nas suas diferentes visões. Uma aula muito elucidativa sobre os “pré-conceitos”, mas muito clarificadora no “como” perceber as melhores abordagens ao mercado, nos modelos de negócios, estruturas empresariais, processos de investimento e princípios base para parcerias.
Houve um diálogo muito interessante sobre as vantagens de “imitar” vs “inovar” que gerou um diálogo aceso, porque os empreendedores europeus e o ecossistema asiático têm visões diferentes no que toca a “imitar” e “inovar”. Trata-se de um tema cuja compreensão e aceitação de diferentes visões são particularmente complexas, mas em que ficou claro o porquê das visões e de como gerir este assunto nas relações comerciais.
Em qualquer pitch de Investimento / Parceria / Venda há mil e uma receitas, já todos o fizemos, já todos alterámos e com a experiência acumulada “julgamo-nos” profissionais, mas depois há a China e um guru Deles Ban, o maior investidor em Israel, que nos faz perceber que tudo o que sabes tem valor, mas na China tens de “mandar abaixo e fazer de novo”. Porquê? A sociedade é diferente, a cultura vigente tem ambições de curto prazo e o foco de investimento, independentemente da área, obedece a uma lógica própria. Não menos relevante é alguém que representa um fundo de investimento com reputação global ouvir, conversar e partilhar ideias simples, que podem fazer toda a diferença, em oportunidades que vão de um “Handshake Pitch” a um “Sales Pitch”, com todas as variáveis intermédias: “Elevator Pitch”, “Pitch 5’” ou “Pitch 30”.
Os exercícios de fazer diferentes pitch, gravar, contar as palavras, resumir, escolher keywords e ir vendo a evolução, mas sobretudo perceber quais são os “triggers” emocionais e de relação apresentados por um profissional que foi empreendedor, curiosamente numa área que conheço bem o “mobile travel”, e que é agora um investidor de escala global. Uma experiência memorável. Aliás, uma manhã de aprendizagem memorável, com direito a pastéis de nata no intervalo… enfim, aqui podemos falar de uma imitação, sem inovação, que só satisfaz quem não conhece os verdadeiros!
Se a manhã foi de aulas teóricas a tarde foi de aulas práticas. Uma tarde no centro de Xangai na sede da Fosun, que tem vários investimentos em Portugal - que aliás citou na apresentação do seu portefolio -, em que nos foi dada a conhecer a estratégia global de investimento, bem como dos fundos que a multinacional tem sob gestão para “Early Stage” e “Growth”. Muito elucidativo e que culminou com a oportunidade para os empreendedores europeus falarem dos seus projetos, startups e sonhos, com feedback imediato sobre a adequação ao mercado chinês, partilha de ideias ou empresas do ecossistema. Marcante, porque responsáveis de diferentes áreas da Fosun estiveram disponíveis, quer formalmente, quer informalmente para nos ouvir e colaborarem com os seus comentários, que naturalmente tornam a experiência muito enriquecedora.
A segunda reunião da tarde, que se prolongou até ao final do jantar, foi com a maior aceleradora da China, a China Accelerator, com uma apresentação formal dos seus programas, portefolio e estratégia, mas que evoluiu depois, durante o jantar, para discussões sobre questões muito interessantes. A mais especulativa, dada como certa na China, diz respeito ao fim das aplicações móveis nativas, com a integração de funcionalidades nas aplicações de mensagens. No caso chinês o WeChat é a prova dessa evolução, deixa de haver aplicações, há uma única que vai acumulando funcionalidades. Neste campo, o Facebook ou WhatsApp estão ainda a anos-luz, sendo que tudo isto está relacionado com questões de dinâmica económica mais complexa, desregulação propositada em alguns sectores, etc.
Um dia muito intenso onde se criticou muito a Europa, a América e a China, com as idiossincrasias de todos e cada um, onde se percebeu os pontos de contacto dos países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), mas sobretudo o que os torna tão interdependentes em alguns casos, o que faz deles o que são no contexto de um economia global!
… no final do dia, obviamente que ficou muito por dizer, mas aprendemos imenso. Para mim se tivesse vindo só pelo que aprendi hoje, já tinha valido a pena! Se forem todos os dias assim, será óptimo.
Claramente fazer negócios na China, exige especial preparação, e particular necessidade de conhecer aspectos da sua história e cultura, sob pena de falharmos. O mercado é grande? Sim, mas a competição é enorme. Quem mostra o que faz pode ser copiado? Vai ser copiado, sim, mas há muita coisa por fazer na China. Mais importante é perceber em que somos mais fortes, onde podemos adicionar valor, só assim se pode vencer. Há casos de sucesso de empresas europeias na China e são os casos de quem fez muito bem o trabalho de casa. Neste mercado não há lugar para wannabes doutorados em pesquisas em motores de busca.
Hoje já posso despedir-me com Nihao [cumprimento semi-formal em mandarim].
Mas também até breve.
Durante uma semana, Alexandre Pinto está a participar num programa para emprendedores promovido pela Cheung Kong Graduate School of Business. A viagem, o programa e a experiência vão ser relatados aqui no SAPO24 dia a dia.
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