Este é um tempo político muito interessante. Estamos no início do ano no calendário chinês e, em Pequim, os principais atores políticos estão em reuniões do congresso nacional. Um período de decisões estratégicas que irão influenciar a economia, sobretudo ao nível das empresas do Estado. A propósito de empresas do Estado e monopólio, não vou aprofundar agora esta questão, mas foi um tema de reflexão intensa durante o dia.
No mercado das telecomunicações fomos confrontados com uma realidade complexa de apreender na perspectiva ocidental. As três maiores empresas de telecomunicações são do Estado e o Estado promove rotatividade entre os CEOs destas três empresas. Ou seja, na visão asiática, há competição, mas "não demasiada", porque se eu for o CEO da ZTE, se crescer muito e começar, por exemplo, a provocar danos na China Mobile, amanhã pode haver rotatividade e cair-me esse problema nas mãos. Ou seja, competição mas "não demasiada". Outro dado relevante, além da rotatividade de CEOs entre empresas do Estado no mesmo espaço/indústria, é o facto de existirem sempre três empresas estatais no mesmo espaço/indústria, porque haverá competição sem monopólio. Este é o número ideal na visão chinesa.
No contexto empresarial, os docentes de hoje foram muito incisivos nos formatos e modelos de negócio mais comuns, com muitos exemplos em diferentes indústrias e serviços de empresas ocidentais que procuraram entrar no mercado: s que não resultaram e os casos de sucesso. Não vale a pena achar que vamos inventar a roda. Em cada um dos exemplos foram explanadas as estratégias desde o dia 1 até um dos três resultados possíveis: sair da China sem resultados, ser adquirido por empresa chinesa ou trabalhar em joint ventures. Há naturalmente cenários e exemplos de empresas ocidentais a vender para a China que para a sua economia tem resultados bons, mas para a realidade chinesa não são significativos. Aqui reside também uma oportunidade, para empresas mais pequenas, mas com capacidade para fornecer em quantidades suficientemente interessantes.
Depois de uma fase na China em que a estratégia foi "C2C" (Copy to China") que foi uma prática comum e considerada uma oportunidade de desenvolvimento (traduzido na prática significava façam outros a inovação que nós fazemos o desenvolvimento do mercado), o CEO da Tencent, nas reuniões do congresso em Pequim, defendeu a tese que é chegado um novo momento. E esse novo momento é o "KFC" (Kopy From China). Falando, por exemplo, do WeChat, considerando que o futuro do Facebook ou WhatsApp será copiar as suas boas práticas. Ou defendendo a tese que a China ao nível da tecnologia, fintech ou e-commerce, é uma fonte de inspiração e que agora é o tempo de outros virem copiar o que o país faz. Esta visão justifica em grande medida, para determinadas visões, que num mercado de oportunidades globais, uma vezes é-se o "inovador" outras o "imitador". É um ciclo. Naturalmente esta foi uma questão amplamente discutida, no sentido do exercício intelectual, mas ficou clara a visão ocidental e oriental relativamente à gestão de diferentes visões.
No mundo das empresas, o sucesso é gerido com intervenção "superior". Por exemplo, mesmo que uma empresa esteja preparada para IPO (entrada em Bolsa), o processo pode demorar três anos. Dependerá de afectar a estabilidade da economia. Por outro lado, se a empresa tiver sede no Tibete, será quase imediato, porque existe descriminação positiva para regiões menos centrais. (Este não é um artigo político, mas assuntos como Tibete, Taiwan, Hong Kong ou Macau no âmbito de relações comerciais ou empresariais, devem ser entendidos, sem comentários, discussão ou dúvidas, como parte integrante da República Popular da China.)
Uma questão muito interessante foram os números e estatísticas, as suas fontes e gestão de informação, porque há fontes oficiais e não formais e há que usar ambas e fazer análises e extrapolação de informação. Um investidor na China, mesmo a investir em empresas chinesas, faz validações "offline" para validar os estudos, faz pesquisa de informação (aka intelligence) de forma autónoma porque há falta de credibilidade dos números em muitos modelos de negócios e informação pública. Por exemplo, acerca dos números do Alibaba, na sua ferramenta de pagamento, há um entendimento de que os números reais de transações são menores que os publicados. "Muitos trovões, mas pouca chuva!", assim se caracterizam os muitos "hypes", porque a especulação é um mal do mundo global.
Entre o grupo de alunos da CKGSB temos investidores europeus com mais de 100 milhões de euros para investir, sendo que vieram para aprender também o impacto da "Chinalização" nas empresas do seu atual portfólio, mas sobretudo para dirimir risco em futuros investimentos. Podemos conversar com investidores europeus e bancos como colegas neste contexto, acaba por tornar os intervalos e pausas como uma continuação do exercício de reflexão. Enriquece - e muito - esta experiência, além de gerar uma rede potencial muito interessante entre todos.
O dia terminou com a visita a uma incubadora chinesa com escritórios por todo o mundo, onde a Farfetch, uma empresa nascida em Portugal e sediada em Londres, tem a sua sede na China. A Farfectch trabalha muito bem digitalmente o mercado na China, mas foi um orgulho enorme ver uma marca nacional a brilhar e a fazer tudo "by the rule"!
Muita informação para processar, mas, sem dúvida, ficou clara a importância do envolvimento de chineses nos processos negociais. Neste mercado não há missões empresariais que nos salvem: tem de haver muito estudo, planificação, identificação de parceiros ou investidores e um processo negocial à medida da China.
Tudo isto tendo presente a cultura chinesa, processos negociais próprios e a certeza que depois dos motivos comerciais terá de haver uma ligação relacional, que por vezes pode ser selada com uma sessão de "karaoke" ou um contrato, com muitos carimbos, mas números muito relevantes.
Hoje o dress code foi mais menos formal, ou seja, sem gravata. Os negócios são assunto sério, exigem uma postura entre a humildade e confiança em justa medida, a chinesa.
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