Qualquer comunidade tem as suas idiossincrasias, sendo a mais visível, normalmente, a linguagem que os seus membros partilham. Isto é algo que acontece dentro dos ecossistemas de startups de todo o mundo - e o português não é exceção -, que usam terminologias que não são as mais óbvias para toda a gente. Foi a pensar nisto que a Startup Portugal decidiu criar um glossário Empreendedor - Português, para aproximar comunidades e descodificar linguagens.
A ideia tomou forma no podcast Start Now, Cry Later, apresentado pela jornalista Mariana Barbosa, onde se esmiúça a terminologia startup na rubrica “Empreendedor para Totós”. Podem ouvi-lo aqui, ou ler a explicação de algumas das expressões mais relevantes em seguida.
Startup / Scaleup
Controvérsia é o que não falta quando se procura definir algo. Esse esforço, de dar certos parâmetros a algo para o poder classificar, é inglório por estar sujeito a diferentes contextos. O próprio conceito de startup não está livre de algumas flutuações nos seus parâmetros — uma scaleup na Califórnia pode ser, ainda, uma startup em França, ou Portugal; não só os mercados de cada país são diferentes, como os próprios ecossistemas de startups e consequente capacidade que as empresas têm para crescer diferem entre si. O que em Portugal demora cinco ou mais anos a conseguir, pode ser uma marca atingida no espaço de meses num contexto como o de Silicon Valley, onde as startups nascem em escalas quase astronómicas. Há, por isso e ainda, algum debate em torno do que define uma empresa deste género.
De forma lata, uma startup é uma empresa muito jovem, pequena, mas com uma grande capacidade de crescimento rápido. Crescer rapidamente, aqui, refere-se tanto ao número de clientes e consumidores que uma startup consegue atingir com os seus produtos e serviços e à possibilidade de aumentar esses números sem precisar de ajustar a estrutura da empresa, quanto ao valor da própria empresa. Vejamos o Facebook como exemplo: do início da empresa, em 2004, até à sua entrada em bolsa em 2012, altura em que seria avaliada 104 mil milhões de dólares (aproximadamente 90 mil milhões de euros), vai um período de apenas oito anos; o mesmo percurso, do lançamento da empresa até à entrada em bolsa, demorou 49 anos à Visa, que foi fundada em 1958 e só entrou em bolsa em 2007. É, aliás, por causa disto que as startups são tendencialmente de base tecnológica: é mais fácil crescer num mercado se o produto vendido ou serviço prestado puder ser reproduzido sem ter de aumentar o número de funcionários. Precisamente o caso do Facebook.
Em Portugal, e com base numa definição desenhada em parceria com a Rede Nacional de Incubadoras, uma startup é uma empresa com até cinco anos de vida que reúna as condições de crescimento acima referidos. Para a União Europeia, uma startup terá até dois anos e, caso sobreviva à prova do tempo (que costuma ser madrasta para estas organizações), definir-se-ia como uma scaleup. O conceito de scaleup refere-se sempre ao estágio que se sucede ao de startup e difere apenas nas condições em que se chega a esse nível.
Unicórnio
O unicórnio é uma figura mitológica; uma espécie de equídeo com um único corno que lhe confere uma entidade mágica. No caso das startups, os traços são menos biológicos e mais relacionados com a avaliação feita da empresa.
Um unicórnio é uma empresa avaliada em pelo menos mil milhões de dólares (aproximadamente 865 milhões de euros). Como a percentagem de startups que falham é muito elevada, assim como as que não conseguem escalar ao ponto de atingirem tal avaliação, uma que chegue a unicórnio é, de facto, um “bicho raro”. Portugal tem, efetivamente, dois unicórnios, a Talkdesk e a Outsystems, e tem um português por detrás de outro, a Farfetch (que está sediada em Inglaterra, ainda que os seus principais centros de operações sejam no Norte do nosso cantinho à beira-mar plantado e, por isso, sujeito a algumas disputas patrióticas; com todo o atrevimento, na Startup Portugal dizemos “a Farfetch é nossa”).
Dado que o nosso mercado se fica pelos cerca de 10 milhões de potenciais consumidores, não temos razão alguma para sentir vergonha por termos “apenas” três unicórnios — Espanha, por exemplo, tem somente duas empresas que atingiram essa avaliação e o seu mercado tem quase cinco vezes a dimensão do português; França tem os mesmos três e o Canadá, por seu lado, tem apenas dois, sendo ambos mercados substancialmente maiores do que português. Claro que quando a competição é a China ou os Estados Unidos, a conversa muda: ambos têm mais de 120 empresas consideradas unicórnios.
Fundador(a)
O fundador da empresa é, sem mais nem menos, o criador da mesma. Quem teve a ideia e arrancou com o projeto, ou quem entrou no estágio inicial com capital para a criação da startup. Como é comum as startups crescerem e sofrerem mutações na estrutura rapidamente, nem sempre os fundadores ficam na direção (não são raras as vezes em que estes simplesmente ficam como acionistas), mas o valor dos mesmos no desenvolvimento do modelo de negócio é, claro, inquestionável.
Usando um exemplo muito comum, Steve Jobs é fundador da Apple, mas nem sempre foi seu CEO, ou seja, diretor executivo. Houve, aliás, uma altura em que Jobs foi demitido da direção da Apple, apesar de ser seu fundador e um dos principais acionistas. Voltou mais tarde e foi durante o seu regresso que surgiram tecnologias como o iPhone. É uma história feliz, mas que não dispensa os seus sobressaltos.
Incubadora
Uma incubadora faz jus ao seu nome: não é só um espaço em que startups montam os seus escritórios, mas também uma instituição que apoia estas empresas nos seus processos de escalar e crescer. Os serviços de uma incubadora podem ir desde a consultoria, ao apoio na contabilidade ou mesmo na procura de investidores e contactos para novas oportunidades de negócio.
Contudo, não é apenas nos seus serviços que se notam os valores das incubadoras. É na capacidade que têm de juntar talento que possa impactar-se mutuamente. Daí que haja incubadoras de empresas com áreas de especialização, como se vê no CEiiA, em Matosinhos, que tem enfoque em mobilidade, sustentabilidade e inovação de processos industriais, que se traduzem em startups que desenvolvem soluções para o sector automóvel, produção industrial, ou para uma melhor mobilidade em contexto de cidade. O Instituto Pedro Nunes, em Coimbra, é outra marca de excelência no contexto das startups, tendo assegurado uma ligação duradoura com a Agência Espacial Europeia, para a qual desenvolve soluções em parceria com as suas startups (não se sendo esse o único sector em que operam as empresas incubadas no IPN).
Aceleradora
Os termos incubadora e aceleradora confundem-se comummente, mas são, de facto, conceitos diferentes — mesmo tendo em conta que o principal papel de ambos é contribuir para um crescimento bem sucedido das startups. Contudo, uma aceleradora, ou um programa de aceleração, não tem de ter obrigatoriamente um espaço físico, e o trabalho que fazem tem um ónus maior na mentoria dos fundadores e da direção das empresas.
Não raramente, as aceleradoras fazem, também, um investimento nas empresas em troco de ações (por norma, entre 5 a 7%, dependendo do programa e do país em que este é desenvolvido). Esta é uma estratégia que permite ao programa crescer com as empresas e poder apoiar novas ideias.
Em Portugal, existem vários programas de aceleração, nomeadamente o TechStars, desenvolvido pela Semapa Next, e o novíssimo Indico Accelerator Powered by Google for Startups surgido de uma parceria entre a Indico Capital Partners e a Google for Startups.
Ronda de investimento / Série A, B, C D / Seed
Muitas vezes, não é apenas em vendas e serviços prestados que uma empresa consegue crescer, principalmente se a velocidade que se quer dar a esse processo for elevada. Muitas vezes, estas empresas recorrem a investimento externo, a troco de quotas, ou seguindo outros modelos (por exemplo, empréstimos que dentro de um determinado prazo possam, ou não, ser passíveis de converter em quotas), que permite não só reavaliar a startup (quando alguém compra parte da empresa por X valor, a totalidade da empresa fica avaliada numa proporção desse negócio; isto, naturalmente, aumenta o perfil da empresa), mas também investir na empresa – seja num aumento da equipa, no desenvolvimento de novos serviços ou produtos, ou na aquisição de bens.
No entanto, não há bela sem senão: o risco. Se grande parte das startups, por norma, não sobrevive aos primeiros dois anos, investir numa empresa deste género representa um enorme risco para o investidor. É por isso que se fala em Capital de Risco quando se trata de investimento em startups, e é por isso que, em fases mais avançadas, estes financiamentos acontecem por meio de Fundos de Investimento, que aglutinam várias carteiras para se reduzir o risco.
As séries, que começam em A e se vão sucedendo alfabeticamente, representam não só o montante que a empresa conseguiu captar, mas também a fase em que esta se encontra. É comum uma série A ficar-se pelos milhões, e uma série B chegar às dezenas de milhões, mas nada determina que seja sempre esse o caso. Quando os investimentos acontecem ainda numa fase muito prematura, fala-se em investimento seed, ou semente; estes investimentos são normalmente, mas não exclusivamente, feitos por investidores anjo, ou Business Angels.
MVP
MVP é um termo particularmente difícil. Não porque a sua definição esteja sujeita a ajustes com alterações de geografia e/ou maturidade dos ecossistemas, mas antes porque, dependendo do contexto, tem significados completamente diferentes e é um acrónimo utilizado noutras atividades e realidades. No desporto será o equivalente a jogador mais valioso e num contexto mais macro económico refere-se ao valor de mercado de um produto, por exemplo.
Entre nós, que falamos "startupês", o MVP é o “minimum viable product”, ou seja, o protótipo. Esmiuçando um pouco mais, refere-se a um produto que já está em condições de avançar para o mercado, ainda que possa não estar finalizado.
Business Angel (BA) e Fundos de Capital de Risco (VC)
No ecossistema das startups, rapidamente se atiram acrónimos para cima da mesa. Um dos mais utilizados foi previamente mencionado (o famoso MVP), mas VC e BA não lhes ficam muito atrás, até porque são entidades normalmente essenciais para o crescimento das startups.
Business Angel, ou investidores anjo, abreviados para BA, são investidores que olham para empresas ainda em início de atividade. O nome “anjo” não vem de nenhuma conceção bíblica, mas antes de um inerente traço de “bom samaritano” que se aplica a estes investidores. Como apoiam projetos ainda muito embrionários, tipicamente investimentos tipo semente, é normal que os riscos que correm sejam superiores aos de investidores que entrem para o capital de empresas mais maduras; por outro lado, investem quantidades mais módicas, ajustadas à realidade das empresas.
Os VC, ou Venture Capital, ou Fundos/Sociedades de Capital de Risco, são, como mencionámos anteriormente, fundos que juntam vários investidores sob um mesmo objetivo, mas que fazem investimentos mais avultados. Por exemplo, e olhando ao caso português mais badalado nos últimos meses, a Indico Capital Partners investiu um total de 22 milhões de euros em empresas nacionais em 2019. Recentemente, fez um novo investimento numa startup já com participações deste fundo, a Barkyn; foram 5 milhões de euros que foram investidos na empresa, num negócio feito em parceria com outra sociedade de Capital de Risco, a espanhola All Iron Ventures.
Ecossistema
Este é um caso simples de resolver: o ecossistema é a comunidade de startups e dos intervenientes que com elas interagem, sejam sociedades de capital de risco, investidores anjo, incubadoras, ou aceleradoras. Os vários tecidos que compõem a malha das startups são regularmente resumidos no termo ecossistema.
É importante notar que a noção de ecossistema costuma ser muito localizada: Portugal tem um, Espanha terá outro, e por aí fora. Esta definição serve, também, para perceber o determinado valor, ou contributo, que cada interveniente dá ao seu ecossistema. Por exemplo, haver uma incubadora de excelência dá maior credibilidade às empresas que se encontram sediadas nas suas instalações — como acontece com o Instituto Pedro Nunes, uma incubadora portuguesa de renome em território nacional.
O mesmo acontece ao nível do ecossistema. Por exemplo, o facto de Portugal ter três unicórnios a operar no seu mercado pode ser revelador para potenciais investidores ou grandes empresas.
Em jeito de nota, é importante sublinhar que a predominância da língua inglesa, ainda que estranha ao início, é quase uma necessidade deste meio. Quando se fala em empresas que crescem muito rápido, como as startups, a possibilidade de rapidamente expandir para outros mercados, noutros países, está intimamente ligada à língua mais usada. O esforço é, naturalmente, maior quando não se usa uma linguagem tão universal.
No caso português, dado o curto mercado de 10 milhões de habitantes que cá temos, este esforço vem, não raramente, impresso no genoma das startups nacionais, que desde muito cedo começam a olhar para mercados estrangeiros para expandir operações. Ainda que o uso excessivo da anglofonia possa levar ao surgimento de alguns anticorpos, justifica-se que assim o seja; e, a bem da verdade, Portugal tem uma enorme vantagem por ser um dos países com maior fluência na língua inglesa, de acordo com o English Proficiency Index (Portugal encontra-se em 12.º lugar no ranking mundial).
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