Não há dúvidas que a economia mundial aterrou em março com a paralisação progressiva da Europa, dos Estados Unidos e da maior parte dos países do globo, depois de, nos primeiros meses do ano, a China ter sentido o mesmo efeito. O mundo fez um on-off como nunca antes visto e alguns setores passaram do 100 ao zero ou quase zero no intervalo de dias.
Enquanto se combate o vírus, discute-se o que se segue e parte da discussão passa por saber que tipo de crise económica temos pela frente. Há inclusive uma discussão sobre se se trata de uma recessão ou de uma depressão (tecnicamente, uma recessão em economia acontece ao fim de dois trimestres consecutivos com queda no PIB, o que não foi o caso). Sendo uma depressão, as notícias não são mais animadoras - pelo contrário, podem significar que se prolonga por mais tempo uma situação de quebra generalizada na produção de riqueza e no emprego.
A Grande Depressão de 1929 é o benchmark que muitos apontam - pela magnitude dos efeitos. Mas, na verdade, passaram-se quase 100 anos e hoje também há vozes, como as de Yuval Harari, que nos recordam que o mundo futuro que teremos nos próximos anos resultará de muitas das decisões que serão tomadas nas próximas semanas, o que torna essencial o debate de opções e a participação de todas as partes envolvidas, governos, partidos, empresários, trabalhadores, organizações da sociedade civil.
Por ora, teóricos da economia e analistas discutem que tipo de recessão é esta e uma das formas que tem sido mais usada para ilustrar os diferentes cenários são as letras do alfabeto. Vejamos as opções.
Há quem defenda que é uma crise em “V”, ou seja, com uma queda abrupta e a pique, motivada por um fator exógeno à economia, seguida de uma recuperação igualmente a pique mal esse fator esteja controlado. Problema que se aponta à teoria do “V”: dificilmente o fator que provocou a crise, o novo coronavírus, se resolverá num só momento, permitindo que o trajeto seja linearmente o inverso ao da queda. Além disso, como dizem alguns analistas, como Catherine Mann, economista chefe no Citigroup, “it takes more time to get ‘back to play’ than to ‘get back to work’”. Ou seja, indústrias como a das viagens, da restauração e hotelaria, dos eventos, para citar algumas, demorarão mais tempo a recuperar.
O que leva à teoria da crise em “W”. Nesta definição teremos uma espécie de dieta iô-iô na economia, ou seja, subidas e descidas em função das vagas esperadas da covid-19 – até à sua superação. Sendo que a trajetória da crise também pode descrever um U, o que significa mais tempo a bater no fundo do que na opção em V.
Qualquer uma das duas anteriores é, todavia, mais otimista do que a teoria do “L” defendida por vários analistas. No “L”, como a figura indica, a economia aterrou do pique à base e há uma linha contínua cá em baixo, o que significa que a economia demorará a recuperar e irá manter-se em mínimos durante algum tempo.
Os dados para já disponíveis evidenciam as quedas esperadas mas, na realidade, podem estar aquém da realidade já que muitos refletem a situação de fevereiro ou do início de março – e como agora sabemos, os primeiros dias de março foram já há uma eternidade atendendo à evolução dos acontecimentos.
Alguns números nos Estados Unidos:
Nos Estados Unidos, os dados oficiais mostram que mais de 700 mil pessoas perderam emprego em março (mas os dados reportam-se apenas até dia 12 de março e as principais decisões de lockdown aconteceram depois disso)
- Nas últimas duas semanas de março, estima-se que 10 milhões de pessoas tenham declarado situações de desemprego
- No mês anterior, tinham sido criados mais 200 mil postos de trabalho na economia americana e as empresas estavam com dificuldade em recrutar alguns perfis qualificados
- A Oxford Economics prevê que a taxa de desemprego atinja os 16% e que a economia perca 27,9 milhões de empregos em maio
E alguns números em Portugal (à data de 6 de abril)
- Quase 32 mil empresas portuguesas já se candidataram ao 'lay-off' simplificado, mecanismo de salvaguarda dos postos de trabalho posto em prática para apoiar as empresas durante a pandemia de covid-19.
- Quase meio milhão de portugueses já está em lay off e este número fica desatualizado a cada dia que passa
- Mais de 100 mil trabalhadores independentes, que viram a sua atividade económica reduzida, devido à pandemia covid-19, candidataram-se ao apoio extraordinário do Governo
Enquanto o gráfico da economia desce, outros sobem
Em três semanas de isolamento, que é o que a maioria de nós já conta à data de 6 de abril, várias rotinas mudaram. Deixámos de fazer várias coisas mas, em contrapartida, passámos a fazer outras. E os números também dão conta disso. O trabalho é virtual, a escola ´virtual, muito comércio é virtual e até os abraços são virtuais.
Um retrato à escala americana:
- A Comcast, que opera a maior rede residencial de telecomunicações nos Estados Unidos, teve um aumento de 32% no tráfego
- A Virgin Media reportou um aumento de 95% no upload de ficheiros durante o dia relacionado com o aumento do número de pessoas a trabalhar em casa
- Não é só trabalho: a Nokia também reportou um aumento de 400% (!) no tráfego de gaming nos Estados Unidos durante o horário de trabalho diário na semana de 16 a 22 de março; nessa mesma semana, foram feitos 1,2 mil milhões de downloads de jogos mobile, o maior número semanal de sempre
- algumas apps de distribuição alimentar, como Instacart, Walmart Grocery e Shipt registaram igualmente recordes de downloads; o mesmo aconteceu com apps de videoconferências e de fitness
- no capítulo de curiosidades, a Walmart deu conta do aumento nas vendas de tops e da quebra nas vendas de calças. Estamos a trabalhar, em casa, ao computador e o que é que o ecrã mostra mesmo?
Quem perdeu: sem surpresas, são as apps de viagem, de música e de podcasts e as apps de transportes e car-sharing.
O relatório integral com estes dados, para quem tenha interesse, pode ser obtido aqui.
E em Portugal?
- O tráfego de comunicações eletrónicas subiu cerca de 50% em Portugal, segundo a Anacom, com um subida de 47% na voz e 52% nos dados (informação reportada até 24 de março pelos três maiores operadores - Altice Portugal (Meo), NOS e Vodafone Portugal)
- Noutros consumos, os de bens essenciais, o barómetro da Nielsen diz-nos que depois de um grande crescimento na semana de 16 a 22 de março (mais 65%), houve um abrandamento no consumo das famílias que cresceu “apenas” 7%. “Portugal não foi caso único neste desaceleramento, sendo esta uma tendência uma tendência visível noutros países, nomeadamente em Espanha”, informa a Nielsen.
- Os produtos de longa conservação são os que registam os maiores crescimentos, com destaque para as conservas (+79%) e os produtos básicos (+68%). O número de ocasiões de compra online registou um crescimento de 34% na semana 12 versus o período homólogo, com +41% de lares a eleger este canal.
- As maiores quebras no segmento de higiene pessoal espelham bem o facto de os portugueses estarem agora em casa: maquilhagem (-54%), perfumes (-53%), produtos para calçado (-47%), ambientadores (-38%), cremes para Pele (-33%) e produtos para barba (-22%).
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