“Não existem soluções milagrosas […]. No caso do financiamento do sistema de pensões, as decisões e os riscos têm de ser partilhados. O Estado não pode por si só eliminá-los e não cumpre a sua missão se criar a ilusão de que tal é possível. Porém, pode – e deve – criar condições para os minimizar e para garantir a sua partilha tão equitativa quanto possível, únicos meios eficazes de salvaguardar os mais frágeis”, escreve Teodora Cardoso na publicação “O financiamento da Segurança Social: bases de equidade e de sustentabilidade”, hoje divulgada.
Para a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), uma “solução duradoura” para o financiamento das pensões “terá de implicar a racionalização integrada do sistema, incluindo um pilar de capitalização, de contribuição definida, que inevitavelmente atribui aos beneficiários uma parcela de risco, sempre salvaguardando os mais vulneráveis”.
“Contudo – adverte – para que os beneficiários possam em consciência e com eficácia assumir esse risco, as políticas têm de ser transparentes e previsíveis”, proporcionando-lhes “informação independente, facilmente acessível, completa e atualizada sobre as perspetivas que se oferecem e sobre os resultados das medidas tomadas”.
No plano macroeconómico, Teodora Cardoso diz que não se “podem ignorar as incertezas que o futuro inevitavelmente envolve”, nomeadamente ao nível da evolução demográfica, tecnologias e problemas ambientais, e destaca que nas políticas públicas “a forma de o fazer consiste, primeiro, em os governos manterem margem de manobra orçamental suficiente para lhes fazer face quando ocorrerem”.
“A qualidade da política fiscal, a capacidade da administração pública, a qualidade, estabilidade e transparência da regulamentação e da informação económica, assim como as formas como se articulam as relações entre os setores público e privado, são elementos fundamentais para determinar o papel das políticas públicas na afetação de recursos”, considera.
Neste contexto, a economista salienta que “a preservação do Estado social exige que as atenções se concentrem na estabilidade e sustentabilidade financeiras”, implicando ainda “mecanismos específicos de gestão financeira pública” e a definição e cumprimento de “objetivos anuais realistas, que não agravem os problemas dos anos seguintes”.
A este propósito, nota que “muitos dos passos” necessários para garantir a estabilidade e uma “gestão de qualidade” das despesas públicas estão já previstos na Lei de Enquadramento Orçamental aprovada em 2015, mas são “preocupantes” os “sucessivos constrangimentos que têm incidido sobre a sua implementação”.
Uma demora que, admite, poderá resultar do “caráter técnico” das reformas ali previstas, nomeadamente “questões relacionadas com a qualidade da informação e do reporte contabilístico e financeiro, a gestão de tesouraria e também a orçamentação plurianual e por programas, como bases da autonomia e responsabilização dos diferentes gestores”.
Advertindo que em Portugal “o setor público permanece o quase exclusivo garante dos direitos das famílias associados a pensões”, Teodora Cardoso cita dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal que estimam que, em 2015, o montante desses direitos ascendia a “584 mil milhões de euros, equivalendo a 325% do produto interno bruto (PIB), um valor ligeiramente inferior à média da União Europeia, mas cuja responsabilidade se concentra no setor público, ampliando significativamente a relativa aos cerca de 125% do PIB correspondentes à dívida pública”.
Por outro lado, a criação de um Sistema Complementar acabou por estagnar, “em especial no que respeita à componente de capitalização”, apontando os dados mais recentes que o regime público, através do Fundo dos Certificados de Reforma, contava no final de 2017 com 7.619 aderentes e dispunha de uma carteira de 43 milhões de euros.
Também os Planos Poupança Reforma (PPR), “embora permanecendo um produto importante de aplicação voluntária de poupança, ascendendo ainda a cerca de 14.000 milhões de euros, entraram em declínio, face às condições do mercado e à ausência de estímulos”.
Segundo Teodora Cardoso, a este cenário acrescem os “baixíssimos níveis atingidos pela taxa de poupança em Portugal”, que interpreta como “uma forma de apatia dos principais interessados pelos mecanismos disponíveis para reduzir os riscos de uma significativa quebra de rendimento ao atingir a idade da reforma”, associada a uma situação de “iliteracia financeira” que é “uma preocupação generalizada a todos os países”.
“Não existem soluções milagrosas, mas dispomos de vasta literatura e informação sobre estes temas e sobre a experiência de outras economias que há muito os têm tratado. Em Portugal, falta transcender a ideia do Estado paternalista que a si próprio se considera omnisciente, omnipotente e benévolo, e que sempre encontra a quem atribuir a responsabilidade pelas suas falhas. No caso do financiamento do sistema de pensões, as decisões e os riscos têm de ser partilhados”, remata.
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