Em 2022 a carga fiscal bateu novo recorde: 87,1 mil milhões de euros (+14,9% do que no ano anterior). Os dados são do INE (Instituto Nacional de Estatística) e revelam que só a receita com o IRS cresceu 1,925 mil milhões de euros e atingiu quase 17 mil milhões de euros. Os números contrastam com os 31 milhões de euros não cobrados no âmbito do IRS Jovem.
O IRS Jovem é uma medida fiscal lançada em 2020 que tem como objetivo aumentar o rendimento disponível dos jovens em início de vida ativa. Através deste benefício, os jovens entre os 18 e os 26 anos, 30 anos se tiverem doutoramento, podem nos primeiros cinco anos, seguidos ou intercalados, obter uma isenção parcial sobre os rendimentos de trabalho dependente ou independente. Este regime especial não pode ser acumulado com o regime fiscal para o residente não habitual, nem com o Programa Regressar.
"É um sistema altamente injusto, penso que devia mais iqualitário e estendido até aos 35 anos. A minha geração nunca conheceu um ciclo de crescimento económico e este tipo de benefícios não nos desmotiva tanto", diz Francisco.
Francisco tem 27 anos e move-se num meio onde todos sabem o que é o IRS Jovem: "Trabalho na área da fiscalidade, lido com impostos". Está empregado desde os 24 anos, mas só começou a beneficiar deste regime um ano depois, "mesmo no limite" de idade. Este é o segundo ano como beneficiário.
Apesar das críticas, Francisco admite que, no seu caso, o regime é "extremamente benéfico". Contas feitas, "acabo por receber sensivelmente 1.400€" de reembolso. Mas esta é uma excepção, se tivermos em conta que 53% dos jovens recebem até 767€ por mês e apenas 3% recebem mais de 1.642€ mensais, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).
"Podia haver outro tipo de benefícios, como uma flat tax [taxa fixa] para jovens. É injusto que alguém que por qualquer azar acabe mais tarde a universidade já não possa concorrer". Como aconteceu com José e com Matilde, alunos de 20 e 19 valores, que entregaram as teses de mestrado aos 26 e 27 anos. "Não podemos candidatar-nos ao IRS Jovem porquê, somos velhos?", perguntam.
"A nossa geração tem sido altamente prejudicada, temos salários muito baixos, não temos qualquer tipo de ajudas e para quem quer começar a vida isto seria bom. Como disse, nunca vivi em crescimento económico e todas as memórias que tenho não são de esperança, antes pelo contrário, são bastante desanimadoras", considera o jovem fiscalista.
Francisco diz que qualquer miúdo "quer sair de casa dos pais a partir dos 24, 25 ou 26 anos, no momento em que passa a efetivo no trabalho. Mas depois esbarramos com a realidade".
E é com a realidade de 53% dos jovens portugueses que Beatriz esbarra todos os dias. Conta que acede ao regime do IRS Jovem, mas é o mesmo que nada. "Recebo tão pouco que fico abaixo dos mínimos. Logo, com ou sem IRS Jovem não teria de pagar imposto. Este ano [rendimentos de 2023, declaração 2024] deverá ser igual, tendo em conta que estive desempregada parte do tempo".
Mas a crítica não fica por aqui: "Dá imenso trabalho aderir, é preciso entregar uma quantidade de papelada e o reembolso chega no fim de todos - quando chega, porque tenho diversos amigos que não recebem e vão para as filas das Finanças".
Se vale a pena e é suficiente? "Claro que não, a receber mal como a maior parte dos jovens recebem em Portugal, sem objetivos de vida e sem condições de trabalho, com um governo que não quer saber, não são medidas destas que nos ajudam. Mas, ao menos, no futuro os jovens terão a devolução do valor das propinas", desabafa Beatriz.
A demora nos reembolsos é comum aos entrevistados pelo SAPO24. Também Alexandra tem dúvidas sobre se vai aceder ao IRS Jovem em 2024 (rendimentos de 2023). "Se calhar, não. Quando aplicamos o IRS Jovem a Autoridade Tributária pede-nos um comprovativo da frequência e término do curso, licenciatura, mestrado ou doutoramento, o que é uma chatice, porque atrasa os reembolsos, que são os últimos a chegar", diz.
Alexandra entrega a sua declaração através de uma contabilista, que, como Francisco, confirma a demora nos reembolsos para a quase totalidade dos casos. E, "como se não bastasse, há casos em que a AT levanta dúvidas quanto à veracidade da declaração e o processo tem de voltar ao início", afirma.
A contabilista Sofia Costa recorda ainda que "o enquadramento tem que ser requerido no preenchimento da declaração, não é automático". "Na qualidade de contabilista, se o cliente não me der indicação, não sei se cumpre ou não os requisitos. Por outro lado, quando preenchemos a declaração, na última validação o sistema diz que o sujeito passivo 'pode' estar enquadrado no IRS Jovem, a máquina dá um alerta (acredito que pela idade), pelo que depois é questionar o cliente".
Governo promete mais, oposição diz que não chega
Desde que foi implementado, em 2020, o IRS Jovem já sofreu diversas alterações e a proposta que o governo faz agora para 2024 (rendimentos de 2023) é diferente daquela que consta do Orçamento do Estado 2023.
Em setembro, António Costa anunciou que a ideia é agora isentar de IRS os jovens no primeiro ano de trabalho, que passarão a pagar 25% do imposto no segundo ano, 50% no terceiro e quarto anos e 75% no quinto ano. Como este ano, estarão abrangidos os trabalhadores independentes, excluídos nos anos anteriores.
"De acordo com as contas disponíveis, estas mudanças representam, para um jovem com salário mensal de 1.500 euros, uma poupança em sede de IRS superior a 10.500 euros em cinco anos", diz ao SAPO24 o grupo parlamentar do Partido Socialista.
Acontece que em Portugal o salário médio dos jovens está longe dos 1.500 euros. A remuneração média mensal em 2021 era de 799€ para a faixa etária entre os 18 e os 24 anos e de 997€ para os que estão entre os 25 e os 34 anos, segundo o INE. Em 2022 havia 560.817 jovens entre 20 e os 24 anos e 546.840 entre os 25 e os 29 anos de idade.
De acordo com o já mencionado estudo da FFMS, 19 anos é a média de idade com que os jovens com emprego começam a trabalhar. Do total, 86% trabalham por conta de outrem e só 49% são efetivos, enquanto 14% têm trabalho por conta própria.
Dos jovens que trabalham por conta de outrem, 9% recebem até 413€ por mês e apenas 4% dos jovens auferem entre 1.376€ e 1.642€, a fasquia que o PS indicada como exemplo. Recorde-se que o salário mínimo em Portugal é de 760€ e para o ano não deverá ultrapassar os 820€ no próximo ano.
Não é por acaso que terminada a campanha de IRS relativa aos rendimentos auferidos em 2022, beneficiaram do IRS Jovem 73.684 jovens, num valor total de rendimentos do trabalho dependente abrangido de cerca de 1 060 milhões de euros. No que respeita a rendimentos empresariais e profissionais (recibos verdes) esse valor ascendeu a 103 milhões de euros. O benefício fiscal médio foi cerca de 425 euros por ano ao aderirem ao IRS Jovem.
Importa também perceber que este ano a receita fiscal do Estado aumentou 9,2% (até Julho), para 30,9 mil milhões de euros, mais 2.606,9 milhões de euros, de acordo com Síntese de Execução Orçamental divulgada pela Direção-Geral do Orçamento. O IRS foi o imposto que mais subiu: 12,7% (934,1 milhões de euros).
Por tudo isto a generalidade dos partidos com assento parlamentar critica o mecanismo IRS Jovem. E alguns apresentam alternativas (ver caixa), que deverão ser agora discutidas no âmbito do Orçamento do Estado para 2024.
Para o PSD "a proposta do governo é uma medida curta, conjuntural e que não responde de forma estrutural ao problema de retenção e atração de jovens talentos, dos seus baixos rendimentos e da elevada tributação e progressividade na sua carreira profissional". Não é a primeira vez que os sociais-democratas apresentam uma alternativa, no passado rejeitada com os votos contra do PS e a abstenção do BE, Livre e PCP.
"O PCP não acompanha, de modo geral, medidas que aprofundem injustiças fiscais, e que vão no sentido da diferenciação da tributação, não em função dos rendimentos, mas em função de outros critérios. A medida do IRS Jovem – quer a que está em vigor, quer as propostas que têm vindo a público – não responde aos principais problemas sentidos pelos jovens, que se prendem com os baixos salários, a precariedade dos vínculos laborais, a desregulação de horários ou a crise da habitação, fatores que impedem os jovens de uma efetiva emancipação", considera o grupo parlamentar comunista.
No caso do Livre, o deputado Rui Tavares disse ao SAPO24 que para o partido "os incentivos fiscais aos mais jovens devem servir para fomentar a entrada no mercado de trabalho e ajudar trabalhadores-estudantes. Nesse sentido, o IRS Jovem é uma medida que aponta na direção certa, mas, sozinha, é muito insuficiente para resolver o problema do pouco rendimento disponível que os jovens têm em Portugal".
Por isso, "os apoios aos mais jovens devem ser muito mais extensos que meras reduções temporárias de carga fiscal e devem incidir, sobretudo, no salário, na habitação, nomeadamente através do apoio ao arrendamento e à compra de casa, e também ao nível da mobilidade e dos transportes públicos".
Também a Iniciativa Liberal considera que "a medida tem um bom princípio - a redução de impostos sobre o trabalho -, mas, à imagem das políticas do PS para os jovens, não demonstra ambição no futuro e peca por uma execução medíocre".
Para os liberais "uma medida fiscal não deve discriminar entre contribuintes, ainda menos com base na sua idade, sem estabelecer um racional que não seja o benefício temporário desses mesmos contribuintes com o objetivo de incentivar a sua permanência no país".
Além do mais, "o IRS Jovem traduz o reconhecimento por parte do PS da importância de uma redução generalizada da carga fiscal sobre o trabalho, principalmente para os rendimentos que se encontram abaixo do salário médio, onde se inserem a larga maioria dos jovens qualificados em Portugal". Contudo, o PS fá-lo de uma forma que a Iniciativa Liberal considera "insuficiente, por se limitar aos mais jovens", "ineficaz, porque a sua execução fica sistematicamente abaixo do orçamentado e exclui contribuintes que cumprem os critérios com base numa interpretação injusta da lei", e "incapaz, porque o objetivo final não se concretiza e, obviamente, os jovens preferem começar a sua carreira fora do país por não valorizarem o benefício temporário por comparação com a possibilidade de receberem melhores salários de forma sistemática".
O Chega vai mais longe e afirma que esta "é mais uma medida cartaz apresentada pelo governo. A medida parece atrativa, mas, para aferirmos a sua real eficácia, temos de perceber o enquadramento. De acordo com o Eurostat, em 2021, um trabalhador em Portugal com menos de 25 anos ganhava, em média, 1090,4 euros líquidos. E, segundo dados do Ministério do Trabalho, no primeiro trimestre deste ano 78 mil jovens no país auferiam a remuneração mínima, que subiu para 760 euros neste ano".
"Considerando que atualmente o Salário Mínimo Nacional não paga imposto e estamos a falar sempre de reduções sobre taxas marginais, o seu impacto efetivo para a esmagadora maioria dos jovens será insignificante ou até nulo".
Adicionalmente, o Chega acredita que esta é "uma medida discriminatória, porque irá beneficiar muito mais os jovens com maiores rendimentos em detrimento dos jovens com menores rendimentos, ressalvando ainda o facto de não se tratar de uma medida atrativa e automática".
Além disso, "não consideramos que esta medida vá evitar que jovens altamente qualificados vão para o exterior, porque, quanto a nós, o problema não é o imposto, mas os salários que não são condizentes com o seu valor num mercado cada vez mais global [...]. A diferença salarial que um jovem licenciado consegue saindo de Portugal face a países como a Holanda, Reino Unido ou Estados Unidos, certamente que não será pelo imposto que vai ficar em Portugal".
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